As aldeias pertencentes à rede das Aldeias de Xisto no concelho de Góis estão localizadas em plena Serra da Lousã. Pena, Aigra Velha, Aigra Nova e Comareira são remotas e isoladas, talvez até mais do que as aldeias do concelho da Lousã. No entanto, ao contrário destas, ainda há nelas habitantes permanentes. Poucos, mas há. Só a Pena, por exemplo, segundo o Censo de 2011 tem 14. Pela estrada de asfalto que liga estas aldeias a Góis, sede de concelho, encontramos até velhinhos amparados nas suas bengalas a caminho ou de volta do trabalho. Porque a vida não pará e enquanto se cá está há que cuidar do que é nosso, mesmo que os descendentes só cá queiram vir passar um fim de semana ou outro.
A paisagem deste pedaço da Serra da Lousã também não difere muito da da outra vertente. Para além dos cada vez mais frequentes pinheiros e eucaliptos, ainda se encontram bosques de castanheiros e carvalhos e nas zonas ribeirinhas azereiros e azevinhos. Mas nesta zona dominam de forma arrebatadora os Penedos de Góis, dos pontos mais altos da serra, com 1043 metros. Esta é uma paisagem mais agreste e também o clima junto a eles é menos certo. A mim tocou-me um dia a bater à porta da época do Verão onde o céu não se chegou a ver.
É possível fazer-se um percurso pedestre circular a iniciar em qualquer uma das 4 aldeias de xisto de Góis, através do qual ao longo de 9 kms de trilho se passa por zonas de montanha com tradições e história muito próprias e uma fauna feita de veados, aves de rapina e cegonhas pretas que costumam nidificar nos Penedos.
Não seguimos a penantes, antes de carro, e começámos o nosso itinerário pela Pena, a aldeia de xisto mais desenvolvida de Góis, protegida no alto pelas escarpas quartzíticas dos Penedos de Góis e em baixo pelas águas da Ribeira da Pena.
A sua implantação geográfica é desafiante, ao longo de um promontório, sempre a subir, e quase que as casas se equilibram umas nas outras. Ainda ao longe vemos que estas casas não são todas de xisto, mas quando entramos na aldeia, pouco após passar a ponte sobre a Ribeira e o castanheiro secular que nos dá as boas-vindas, vemos que é o xisto que nos rodeia. Caminhando pelas ruas estreitas apreciamos as casinhas de xisto com portas, paredes e parapeitos de madeira e observamos uns pormenores deliciosos nas fachadas. A maior parte das casas tem dois andares e tradicionalmente no rés-do-chão guardava-se o gado. Ao segundo piso acede-se por uma escada exterior também em xisto.
Crê-se que a povoação da Pena já existisse no século XVI. A origem do seu nome estará em “penna” ou “pinna”, palavra latina para penha – penhasco ou rochedo.
Da Pena até Aigra Velha é um passinho agradável por campos verdes ondulados onde as cabras pastam em sossego. Aigra Velha é pequeníssima, um ponto no mapa envolto numa bela paisagem agrícola e de pastoreio, a mais alta das aldeias de xisto, a 770 metros de altitude. Não se vê aqui ninguém, apenas animais guardados nas casas de xisto que parecem em ruína e abandonadas. O curioso desta aldeia é que possui um sistema defensivo apenas visto nas aldeias medievais mais antigas do nosso país, com uma única rua que atravessa a aldeia e pode ser fechada nas duas extremidades, ficando todas as casas com ligação interna directa entre si. Esta estrutura construtiva permitia uma melhor protecção contra o clima adverso e contra os animais selvagens, como os lobos.
O nome “aigra” significa campo ou quinta e esta Aigra Velha dirá respeito a uma quinta instalada numa posição geográfica cimeira em termos de altitude em relação a uma outra, a Aigra Nova. E assim nos conduzimos mais para baixo, pela serra que vai vendo um vale cravar-se na paisagem, deixando a silhueta dos Penedos de Góis para trás. Entre as Aigras existem bosques de urzes que servirão para produzir o típico mel da Serra da Lousã.
Aigra Nova, então. Aqui recebem-nos uns cães enormes, daqueles que metem respeito. Depois de hesitar em sair do carro constata-se que estes pachorrentos animais não estão ali para guardar o Núcleo de Interpretação Ambiental e a Loja de Xisto da aldeia, antes optam por se deixar estar na modorra a que a natureza local convida. Esta Aigra tem três ruas estreitas onde se duvida que o carro passe. Mas passa, depois de por elas termos caminhado um pouco.
As casas estão aqui bem recuperadas nas suas fachadas em xisto e portas e janelas em madeira e a aldeia é como se fosse um pequeno museu a céu aberto. Para além disso, esta é a única povoação no nosso país onde existe uma Maternidade de Árvores. À sua volta, hortas e lugares de pastagem. O nome “Aigra Nova”, já se sabe, será uma contraposição à outra aigra – quinta – mais cimeira. Ou, então, a palavra aigra estará ligada à palavra “acrum”, com o significado de áspero, amargo ou duro, tudo caracterizações certeiras da vida no lugar.
Saindo de Aigra Nova, a estrada continua a oferecer-nos belas panorâmicas. À entrada de Comareira, a última aldeia deste nosso itinerário, um miradouro só reforça a beleza dessas panorâmicas, obrigando-nos a parar para contemplar o vale. Novamente, uns cães aguardam a nossa visita e a sua modorra continua, mas desta vez estão um bocado pulguentos.
Uma mosquitagem incrível rodeia-nos e um cheiro a animal e bosta há-de nos acompanhar pela rua única da aldeia. Comareira, no cume de um monte, é a mais pequena destas aldeias do xisto e à semelhança de Aigra Velha também parece ao abandono – com excepção dos muitos bichos, cães, gatos, vacas, para além dos mosquitos.
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