Depois da vista de pássaro desde o miradouro do Monte Gordo, donde se observa a paisagem imensa do Estuário e Lezíria do Tejo (e até um enormíssimo palácio em ruína nas suas costas, o Palácio de Farrobo perdido na ruralidade), começamos o nosso passeio pela cidade e alguns pontos do concelho de Vila Franca de Xira (VFX) pela sua marina.
Foi nos antigos estaleiros de Povos, ainda hoje a dois passos do centro, que foi construída a armada que levou Bartolomeu Dias a dobrar o Cabo da Boa Esperança, tendo esta saído do porto de VFX em Agosto de 1487 para cumprir o seu histórico destino.
Muitos séculos depois haveria de ser outro tipo de embarcações a ganhar protagonismo. Já no século XX, era a bordo de um dos vários barcos de pesca varinos típicos desta frente ribeirinha que opositores ao Estado Novo se reuniam para conviver e conspirar, aproveitando a inspiração que o Tejo lhes trazia. Aqui, navegando as águas do rio, podiam falar à vontade sem receio da PIDE. A Câmara Municipal comprou um destes barcos que tradicionalmente tinham por função não a conspiração mas antes o transporte de mercadorias e pessoas, deu-lhe o nome “Liberdade” e organiza passeios de puro desfrute do Tejo.
Seguindo ainda pela lezíria, palavra derivada do árabe “al-jazirâ“, com o significado de “ilha”, o Evoa – Espaço de Visitação e Observação de Aves é uma paragem de destaque. A provar que a lezíria não é feita apenas de campos férteis, mas também de uma rica avifauna, este é um espaço privilegiado para a observação de aves em plena Reserva Natural do Estuário do Tejo.
À porta do centro da cidade de VFX fica a pitoresca Alhandra, instalada à beira Tejo. É uma terra de tradição de desportos náuticos que, já se disse no post anterior, honra os seus, como Baptista Pereira, nadador de travessias, e aqueles que a adoptaram, como Soeiro Pereira Gomes, autor de “Esteiros”.
Por detrás da escultura que é dedicada aos seus “homens que nunca foram meninos” vê-se, altaneira, a igreja matriz São João Baptista. Daqui do adro da igreja obtém-se uma boa vista para o casario de Alhandra, mas é mais acima que a panorâmica se torna grandiosa.
Do lugar onde se construiu o Reduto da Boa Vista, parte das fortificações que constituíam as Linhas de Torres de defesa aos ataques das tropas de Napoleão do início do século XIX, foi levantado em 1883 um Monumento a Hércules e aos Defensores das Linhas de Torres Vedras. Temos Alhandra logo abaixo (e a monstruosa fábrica da Cimpor), VFX mais esquerda, a Ponte Vasco da Gama bem ao fundo à direita e a Lezíria por todo o lado.
É curiosa a forma que a terra toma aqui. Não muito longe do rio a encosta agiganta-se e os montes vão-se sucedendo, quebrados aqui e ali por vales. Nomes como São João dos Montes e Subserra marcam a toponímia.
É por aqui que encontramos a Quinta Municipal de Subserra. Mandada erguer em 1633 por Diogo da Veiga, um mercador das Índias, o terramoto de 1755 destruía-a em grande parte, mas acabou por ser reedificada em 1821. À medida que vamos subindo a serra vamos percebendo uma longa fachada branca e ficamos convencidos de que estamos no bom caminho para a alcançar. O edifício do seu palácio destaca-se de imediato, mas depois percebemos que tem a companhia de outros edifícios mais pequenos, hoje disponíveis para eventos e até para alojamento turístico, e de uma vasta área de vinha instalada numa das vertentes.
Daqui do alto temos mais uma vez umas belas vistas para a Lezíria, agora acompanhadas pelo latido incessante dos cães das povoações à volta. A alta nobreza de Lisboa do século XIX procurava esta zona pelas suas águas e bons ares, mas pelos vistos a acústica do lugar também não lhes fica atrás.
Outra quinta hoje tornada municipal não muito longe da Subserra é a do Sobralinho. Construída no século XVII como residência de veraneio do Conde de Vila Flor, era aqui que a aristocracia, incluindo a família real, se juntava nos seus momentos de lazer fora da capital. Esta é para mim a mais bonita das quintas de VFX que chegaram intactas aos nossos tempos. Tem um palacete pintado a rosa vivo que sobressai no meio do verde que o rodeia, nomeadamente do jardim e da mata.
E tem uns apontamentos artísticos como os azulejos que decoram os muros / bancadas – com cenas do quotidiano e ao gosto chinoiserie – e uns apontamentos bucólicos materializados no pomar, em especial nas laranjas. No seu interior, para além do tranquilo pátio, as salas possuem os tectos e paredes forrados com pinturas. Tão irresistível é o lugar que, diz-se, até Salazar tinha aqui um esconderijo secreto enquanto mantinha Portugal sob ditadura.
Em região de muitas quintas e palacetes, outra em destaque é a Quinta Municipal da Piedade, já na Póvoa de Santa Iria. Antigo latifúndio com olival, vinha e pomar criado em 1318, a povoação da Póvoa foi-se desenvolvendo à sua volta. Hoje o espaço é ainda generoso em termos de área circundante ao palacete do século XVIII que, diz-se, chegou a ter mais 20000 azulejos entre palácio e quinta. Aqui funcionam alguns serviços da Câmara Municipal, uma galeria, um bar, uma Quinta Pedagógica com animais e espaços verdes recreativos com vista para o Tejo.
Com tantos palacetes não espanta que antes de ser Vila Franca de Xira, Vila Franca fosse da Rainha. Com o golpe de estado de 1823 que ficou conhecido na História por Vilafrancada o seu nome chegou a mudar episodicamente para Vila Franca da Restauração, mas logo voltou a Xira. A palavra “xira” derivará do português arcaico “cira”, sinónimo de matagal, por referência a um bosque de castanheiros que dominava a região. Outros, ainda, atribuem a toponímia a uma derivação da palavra árabe “as-Shirush”.
Não podemos deixar VFX sem dedicar umas palavras à tauromaquia. A cultura tauromáquica está por todo o lado, desde o monumento ao toureiro instalado no Largo da Estação de Comboios, passando pela Casa Museu Mário Coelho dedicada ao toureiro local que foi amigo de Pablo Picasso e pelo busto dedicado ao matador Júlio José à frente do Mercado, continuando pelo monumento ao campino no centro da cidade, terminando com a icónica e já centenária Praça de Touros Palha Blanco à entrada de VFX.