Ilha do Pessegueiro

Está ali. Ao largo de Porto Covo, para quem olhe para poente. Fixa e tangível praticamente apenas ao olhar. E que bem faz ao olhar, de tão cénica que é. Falamos da ilha do Pessegueiro, celebrizada pela letra de Carlos Tê e pela voz de Rui Veloso na música Porto Covo.

Essa música tão linda como aquele trecho do litoral alentejano, mas com alguns equívocos. Começa logo com um quando canta “Roendo uma laranja na falésia”. Será que a laranja é fruto que se preste a roer? Prossegue “Havia um pessegueiro na ilha / Plantado por um Vizir de Odemira”. Será? Percebemos que se trata de mais um equívoco quando, finalmente, depois de anos a admirar a beleza da ilha ali ao largo da costa decidimos fazer uma visita. Mas já lá iremos.

As visitas só são possíveis no Verão e em visita organizada. Quem nos guia é o Mestre Matias, personagem castiça, que nos ajuda a conhecer a história da ilha, inserida na área do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina e, como tal, sob jurisdição do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.

A visita inicia-se com partida de barco a partir do portinho de Porto Covo. Cerca de 15 de minutos depois chega-se à ilha do Pessegueiro, tempo que nos permite calmamente apreciar toda a costa de uma nova perspectiva, a partir do mar. Vemos o casario branco da vila de Porto Covo e a costa recortada e marcada pelas falésias de Porto Covo. Para sul, mantém-se a falésia, de cor alaranjada, mas os areais tornam-se mais extensos e amplos. Vislumbramos a Serra do Cercal a acompanhar paralelamente, mas para o interior, a linha de costa.

Aproximamo-nos da ilha, que tem cerca de 300 metros de comprimento e 200 de largura e é encimada pela ruína de um forte, o Forte de Santo Alberto ou apenas Forte da Ilha. Na praia à frente da ilha do Pessegueiro a paisagem é marcada pelo Forte de Nossa Senhora da Queimada. Tudo o que os nossos olhos alcançam é beleza.

O barco atraca no cais da ilha e logo percebemos quem manda ali, as gaivotas. A ilha está pejada de gaivotas, muitas delas ocupadas com a nidificação. Por isso há que perturbar o mínimo possível. Já na ilha deparamo-nos com um dente de cachalote, encontrado ao largo e recuperado e depositado na ilha pelo Mestre Matias. Geologicamente falando, a ilha é uma duna consolidada do período quaternário – plistocénico (Riss e Würm), sendo assim toda ela formada por arenito dunar assente sobre xistos. Mas é muito mais do que isso. A ilha do Pessegueiro conserva diversos vestígios arqueológicos que permitem conhecer historicamente a sua ocupação e evolução.

A posição geográfica e a morfologia da ilha, que permitiu a criação de um canal com o continente, constituiu um importante factor de ocupação humana, pelas excelentes condições naturais de fundeadouro que proporcionava, sobretudo num litoral, entre o Cabo de São Vicente e o Estuário do Sado, com poucos abrigos. Assim, tornou-se na Idade do Ferro e mais tarde na época Romana, um importante porto de apoio à navegação costeira e um entreposto comercial.

Na ilha abundam estruturas romanas que atestam isso e muito mais. À época da ocupação romana da Península Ibérica, a ilha abrigou um centro produtor de preparados de peixe, que os vestígios de tanques de salga que até hoje perduram tão bem demonstram. Relacionado com essa actividade vem o tal equívoco do nome “Pessegueiro” da ilha. Ao que tudo indica, historicamente o vocábulo é uma evolução dos termos latinos “piscatorius” ou “piscarium”, associados à actividade da ilha na época Romana. Por isso fica esclarecido, nunca houve pessegueiros na ilha. Os vestígios romanos atestam que e existiu toda uma dinâmica na ilha. Para além da vertente produtiva e comercial, ancorada nos vestígios dos tanques de salga, encontram-se também vestígios arqueológicos dos banhos romanos e outras estruturas da civilização romana. Segundo o Mestre Matias, parte dos vestígios arqueológicos dessa época foram destruídos com a tempestade Hércules em 2014, atendendo a que a ilha foi fortemente fustigada pelas imensas ondulações que então ocorreram.

A ilha é feita e apresenta vestígios também de outros tempos históricos. À época da dinastia Filipina, com o objetivo de defender a costa dos piratas argelinos e holandeses, para que não utilizassem o ancoradouro natural como ponto de apoio, foi projectada a ampliação da ilha através de um enrocamento artificial de pedras (molhe de pedras) que ligaria a ilha do Pessegueiro à linha da costa, projecto nunca inteiramente concluído. Nesse âmbito foi também iniciado a partir de 1590 a edificação do Forte de Santo Alberto, com a intenção de em conjugação com o Forte de Nossa Senhora da Queimada, em frente, no continente, se garantisse uma linha defensiva integrada. Contudo, os trabalhos de construção do Forte de Santo Alberto foram interrompidos, pela transferência do seu responsável para as obras do Forte de São Clemente em Vila Nova de Milfontes, e nunca mais foram concluídos, pelo que até hoje restam apenas ruínas.

Até ao século XIX o canal entre a ilha e o continente ainda desempenhava funções portuárias, beneficiando das condições abrigadas do local. Actualmente a ilha, para além da componente histórica que integra e território natural de gaivotas e outras aves, é um cenário magnífico pela beleza que comporta. De onde se avista é sempre bela.

Obviamente que vale muito a pena visitar a ilha do Pessegueiro para conhecê-la mais de perto e toda a sua história. No entanto, não o podendo fazer e limitando-nos à componente cénica, há uma vista completamente cinematográfica e arrebatadora que, sempre que a visitamos ou fechamos os olhos e nos lembramos dela, nos faz sorrir e sonhar. É a que se alcança da estrada que nos conduz à praia da ilha do Pessegueiro. De sonho.

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