Odemira é o maior concelho em área de Portugal. Não admira, pois, que aqui caiba tudo. Mar, sim, mas também serra. Mais conhecida pelas suas povoações à beira Atlântico que tantos veraneantes atraem, como Vila Nova de Milfontes e Zambujeira do Mar, não é preciso adentrar muito a terra para nos metermos por rectas e curvas que levam a aldeias serranas do interior, zonas de charneca e montado, planícies e vales ao longo do rio Mira e seus afluentes, barragem e cascatas. O concelho é, no fundo, um microcosmos do Alentejo.



Comecemos este passeio pela sede de concelho. A vila de Odemira está instalada entre cerros numa encosta na margem direita do rio Mira e a esta situação geográfica determinou o seu nascimento e posterior desenvolvimento.

O Mira, um dos raros rios em Portugal que corre de sul para norte, nasce a 470 metros de altitude, às portas da Serra do Caldeirão, e até chegar ao mar leva cerca de 145 kms no seu caminho por entre outras serras, como Monchique e São Luís. Em Odemira tinha e tem um momento de pouso. Ainda hoje navegável daqui até à foz em Vila Nova de Milfontes, a vila resguardada do litoral constituía uma ligação privilegiada entre o interior e o Atlântico. Fenícios e mouros passaram por cá até os portugueses a conquistarem em 1166 (e a reconquistarem depois dessa data), tendo sido distinguida com foral quase meio século depois. Diz-se que o seu nome deriva da palavra árabe “wad”, de significado “rio”, e da palavra celta “mira”, de significado “água”, mas mais piada tem a lenda que nos conta que a mulher de Ode, o alcaide mouro que então governava desde a colina do castelo, lhe disse um dia “Ode, mira para os inimigos, donde vêm sobre nós”, ao ver as tropas cristãs que avançavam sobre a povoação.

Do antigo castelo percebe-se hoje pouco, tendo sido construído sobre ele e adossado à sua muralha o edifício que agora acolhe a biblioteca municipal. Mas as vistas que ainda hoje daqui se alcançam tem pouco de pouco. Para um lado vemos o Mira que corre tranquilo abaixo – com a frente ribeirinha bem arranjada em ambas as margens – e para o outro lado o centro histórico encaixado e coberto de casas caiadas. Nele há igrejas, praças agradáveis e ruas estreitas.


O edificado mais antigo e típico possui cor dada pelas listas traçadas nas fachadas brancas, enquanto que na zona mais baixa predomina uma arquitectura mais recente, ao estilo Estado Novo, como o Tribunal, com a curiosidade de este ter uma das suas fachadas ocupada com um mural representando o campo e seus trabalhadores. Não engana, estamos no Alentejo.

Até ao século XV, Odemira era a única povoação nas margens do rio Mira. O cultivo dos campos não era muito propício, mais tarde algum minério foi extraído nas imediações e foi a cortiça que veio a constituir a maior economia da região – até aos nossos dias, onde agora as estufas de frutos e hortícolas têm vindo a ser uma evidente dominante até em termos paisagísticos. O maior concelho do país em área não significa, de todo, aquele com a maior população. Pelo contrário, em termos de densidade populacional Odemira é um dos últimos concelhos, o 264° em 307 (dados da Pordata). Isto quer dizer que temos as estradas interiores quase só para o nosso bólide, podendo assim apreciar mais convenientemente a paisagem. Ela aproxima-se do épico logo imediatamente antes do Mira desaguar no oceano, pelo Galeado, onde vemos uma enorme planície verde alagada; segue nas alturas pelo serpentear da estrada nas subidas ora pela Serra de São Luís ora pela Serra do Cercal, aparecendo aqui e ali um vale entre montinhos igualmente verdes; e anuncia alguma vida humana pela chegada de povoações como São Luís e São Martinho das Amoreiras, típicas no seu casario caiado no meio da vegetação.


Porém, a estrada que liga Odemira a Santa a Clara-a-Velha faz-nos sentir que neste mundo não há vivalma para além de bem constituídos exemplares de porco-preto à beira da estreita estrada e é talvez aqui que a paisagem ao mesmo tempo desoladora e aconchegante deste pedaço de Alentejo se torna mais poderosa. São curvas a sério pela serrania que se pressente distante, e nem o avistar da passagem do comboio (Linha do Sul) nos torna menos isolados e apartados do mundo.

Santa Clara-a-Velha é uma das mais pitorescas povoações do concelho. Casario pequeno e compacto entre as ondulações dos montes, é banhada pelo rio Mira, o qual proporciona terrenos férteis. Não é muito antiga, mas entrou definitivamente na história durante o Estado Novo, com a decisão de a 4 kms se construir uma albufeira que se tornou uma das maiores da Europa. Inaugurada em 1969, incluída na primeira fase do Plano de Rega do Alentejo, a sua água estende-se por cerca de 1986 hectares, mas beneficia por volta de 12000 hectares, numa área que vai de Vila Nova de Milfontes a Odeceixe. O Mira é o protagonista principal, claro, mas acaba parecendo não um rio, mas antes um enorme lago cheio de reentrâncias, ilhas artificiais e zonas de lazer. É sobretudo um lugar com uma paisagem que representa um sossego quase absoluto.

Se bem que não estivéssemos cansados de tanta tranquilidade e ruralidade, seguimos para o litoral sem nos determos desta vez nem pelo Pego das Pias nem pela Rocha de Água d’ Alto, dois dos lugares (quase) escondidos do concelho.


A costa Atlântica de Odemira, com cerca de 55 kms, está toda ela integrada no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. É de uma beleza e diversidade incrível, oferecendo extensos areais de areia branca e enormes falésias riscadas. Se as praias dos Aivados e do Malhão estão inseridas no primeiro grupo, constituindo um dos cordões dunares mais importantes no evitar do avanço do mar, o Cabo Sardão é o maior exemplo do segundo grupo.


A paisagem é aqui bruta e estonteante, com as falésias altas a cair a pique sobre o mar num movimento perpétuo, como o descreveu Lagoa Henriques há anos num episódio para a RTP. O Farol do Cabo Sardão lá está, a testemunhar toda esta grandeza. Tem a imensidão do mar diante si e, provavelmente, um dos campos de futebol pelados mais bonitos do país.

Vila Nova de Milfontes, Almograve e Zambujeira do Mar são as vilas costeiras mais requisitadas de Odemira, todas elas com praias belíssimas mesmo à sua beira. Era pela região que Amália gostava de se refugiar, num tempo em que ainda havia praias secretas, e passando pelo Brejão as empenas graffitadas de uns prédios recordam-na. Se as piscinas naturais que se formam na maré baixa em Almograve e a falésia que nos torna mais altos para contemplar o mar na Zambujeira são motivos mais do que suficientes para garantir nelas bons momentos, Milfontes é a que tem crescido mais e a que acomoda mais gente sem que nos sintamos espremidos.

Fundada em 1486 por D. João II, o nome de Vila Nova de Milfontes parece laborar num equívoco: não era vila, não era nova e não tinha mil fontes. Há no lugar vestígios de ocupação humana desde a pré-história, e à semelhança da costa de Santiago do Cacém e de Sines, também cartagineses, celtas, fenícios e romanos passaram por cá. Hoje são muitos mais os que a procuram e, ao contrário do que se possa pensar, consegue alguma ocupação nos meses de inverno à conta de estrangeiros praticantes de modalidades desportivas aquáticas que aqui se instalam como alternativa aos rios e lagos que congelam nos seus países do norte da Europa. Vila Nova de Milfontes é o lugar onde o rio Mira se encontra com o Atlântico e o cenário da sua foz é inesquecível de tão belo. Todos os pontos parecem ser certeiros para se admirar o Mira, seja do lado lá de cá, de Milfontes, seja do lado de lá, das Furnas, seja mais junto ao mar ou seja mais distante para o interior. Mas é da ponte que se percebe com exactidão todo o seu esplendor.

O rio, navegável desde Milfontes até Odemira, como já se referiu, foi durante séculos a principal via de comunicação da região, para além de ser uma fonte de recursos como a energia, através dos moinhos de maré que estavam instalados à sua beira. Com a construção da linha férrea na década de 1960 foi perdendo a sua importância neste âmbito, mas ganhou uma vertente recreativa que até então não conhecia. Estamos longe da época dos ataques de piratas e corsários, cujos raids assolaram de tal modo a Vila que a destruíram quase por completo, levando à decisão de construção do Forte de São Clemente entre 1599-1602 para sua defesa.

Bem conservado e pitoresco, coberto em parte por hera, daqui partimos a caminhar demoradamente pelas ruinhas da Vila para descobrir que não são apenas as praias que nos atraem. Casas de um piso brancas com riscas azuis, sobretudo, chaminés e muitos outros elementos decorativos, tudo serve para roubar a nossa atenção.



Mas nunca estamos muito longe do rio / mar e é para lá que nos esgueiramos para caminhar sobre o pequeno passadiço, pela falésia ou pela areia.



Mais uma vez, qualquer ponto é certeiro para receber o pôr-do-sol: no Portinho do Canal, com a ruína de uma embarcação naufragada como cenário ou do Farol. Tanto faz, mesmo que o sol se esconda para lá das nuvens a emoção é garantida.