Convento dos Capuchos, Sintra

É bom não nos deixarmos enganar pelos dias de sol e calor em Lisboa. É provável que mesmo no Verão a Serra de Sintra nos ofereça frio, nevoeiro e cacimba. E a verdade é que não poderíamos receber ambiente mais certeiro para descobrir o Convento dos Capuchos, o refúgio que os frades franciscanos construíram e escolheram para viver em recolhimento e meditação no século XVI.

Tudo aqui faz sentido. A neblina da Serra de Sintra, coberta por uma vegetação densa, dá uma aura de magia e mistério que permite um maior isolamento e, assim, uma vida plena de simplicidade e austeridade, afastada dos prazeres do mundo, ideal para a prática da contemplação e da introspecção em busca do aperfeiçoamento espiritual. Aliás, a Ordem dos Franciscanos, fundada por São Francisco de Assis, era já reconhecida por essas características – simplicidade e austeridade – que guiavam a vida dos seus monges para que assim pudessem dedicar-se em exclusivo à espiritualidade. Fundado em 1560 pelo conselheiro de Estado e vedor da Fazenda de D. Sebastião, D. Álvaro de Castro, filho de D. João de Castro, vice-rei da Índia, logo nessa data recebeu este Convento oito frades capuchos vindos do Convento da Arrábida, outro ícone da simplicidade desta Ordem. Conhecido por Convento dos Capuchos, Convento de Santa Cruz da Serra de Sintra ou Convento da Cortiça, foi habitado até 1834, data da extinção das ordens religiosas em Portugal, e adquirido pelo Estado português em 1949. Depois de um tempo encerrado para obras de restauro, reabriu ao público no Verão de 2020.

Dizia D. Filipe II de Espanha e I de Portugal que possuía nos seus reinos o convento mais rico e o mais pobre desta Terra, o Escorial e os Capuchos. Raul Brandão contrapôs, porém, no Guia de Portugal não ser este último pobre, pelo contrário, “este sítio humilde é um dos mais ricos em pensamento que há no mundo”, sendo “uma coisa ao mesmo cheia de humildade e de grandeza – desterro para poetas e construído por poetas […] Descobre-se ali tudo quanto há de grande – o céu, a terra, o mar, sem deixar de ser recolhido e íntimo.” Com efeito, aqui apenas a natureza mostra a sua exuberância, com especial relevo para a Serra de Sintra, classificada pela Unesco como Património Mundial da Humanidade. Totalmente envolvido pela vegetação e aproveitando os penedos e as fragas para aí implantar o seu refúgio, a integração e comunhão do Convento dos Capuchos com a natureza é evidente e plena.

Depois de caminharmos uns metros pela mata, adentramos no espaço conventual pelo Terreiro do Sino, com várias cruzes a marcar o lugar e dois caminhos como entradas constituídos por um par de degraus nada óbvios junto a uma rocha, como se do acesso a um esconderijo se tratasse. A simbologia, uma constante no Convento, começa logo aqui: os dois caminhos – iguais – representam o livre arbítrio para nos guiar até ao lugar desejado, que fica logo atrás de um formoso rochedo.

Segue-se o Terreiro da Fonte, espaçoso, com duas mesas de pedra e uma longa bancada para se estar.

Já dentro do edifício conventual, no pequeno átrio à direita encontramos a Capela da Paixão de Cristo, com azulejos a azul e branco do século XVIII, e à esquerda a Igreja. Esta igreja é uma preciosidade no que respeita à sua plena integração com o lugar, escavada na rocha e dela se aproveitando para ganhar uma qualidade cénica ímpar. Vemos aqui o brasão da família Castro, a qual ofereceu o altar em mármore. Não o percebemos logo, haveríamos de explorar o labirinto mais tarde, mas nas traseiras da igreja há uma ligação ao Coro Alto e à sacristia que, por sua vez, dão acesso às demais divisões do Convento.

De volta ao átrio temos em frente a designada Porta da Morte com uma enorme cruz com embrechados a servir de decoração, simbolizando esta entrada no Convento o desprendimento do mundo material.

Bastam estes passos iniciais para darmos conta da simplicidade da construção e sua decoração, a tal que muitas vezes confundimos com pobreza. As paredes e degraus aproveitam a rocha e são nelas escavados, as grandes rochas servem como elementos decorativos, existindo aqui e ali um ou outro embrechado ou azulejo, e os tectos são revestidos a cortiça, bem como as portas e janelas. Eis o porquê do Convento dos Capuchos ser também conhecido por Convento da Cortiça. Não há aqui qualquer ostentação e o recurso a um material menos nobre vem ao encontro da vida singela e dos votos de pobreza que os frades franciscanos que aqui habitaram escolheram para si. Há que acrescentar, porém, que a cortiça acaba por ser útil e prática – vinda dos sobreiros da mata que envolve o Convento, é um bom elemento para fazer face à humidade e ao frio, ao mesmo tempo que serve de decoração.

Atravessamos um corredor apertado e subimos ao Claustro, um terraço a céu aberto com um pequeno lago no meio. Vemos o sobreiro protector, a Ermida do Senhor do Horto, com pinturas a fresco de São Francisco de Assis e de Santo António de Lisboa, e o Celeiro, hoje pequena sala de exposições.

E aqui começamos a perceber como o nosso Convento é constituído por diversos corpos, todos eles bem integrados no terreno declivoso e desta característica se aproveitando (à semelhança do “encosto” nas rochas). É quase como se de peças de Lego se tratassem, encaixando umas nas outras de forma suave e artística.

Do Claustro voltamos a entrar no conjunto de edifícios, agora para acesso a outras divisões. A Sala do Capítulo fica logo à entrada à direita e era o lugar onde a comunidade de frades se reunia. À esquerda, a cozinha e o refeitório com a laje de pedra que servia de mesa. Não resistimos a espreitar da janela de cortiça para o exterior do Claustro e mata.

Os corredores continuam estreitos e no acesso ao dormitório percebemos como são igualmente estreitas e baixas as portas que dão acesso a cada uma das oito pequeníssimas celas, buracos “minúsculos como túmulos”, como se lhe referiu Raul Brandão. Outra simbologia: o facto de serem baixas faz com que para as atravessar os frades tivessem que genuflectir, curvando-se e entrando quase de gatas em sinal de prostração. E mais outra simbologia: o número oito simboliza o número infinito.

Passamos ainda pela Casa das Águas, lugar das instalações sanitárias com cisterna e latrinas e, já no piso superior, pela biblioteca, pelo alojamento para os religiosos em visita, pela enfermaria e pela cela da penitência.

Mas para além do edifício do Convento há que deambular pela mata que o envolve, deparando-nos com mais umas surpresas e, de caminho, colhendo os ares da Serra. Visitamos a Ermida Ecce Hommo com seu largo terreiro de acesso e, mais acima, a escondida Capela do Senhor Crucificado, um simples altar para lá de uma incrível abertura num enorme penedo.

E que dizer da Cova do Frei Honório de Santa Maria, um lugar por detrás de uma pequena rocha onde, diz a lenda, o franciscano terá vivido como eremita por 30 anos? Apesar da simplicidade do Convento, tal não terá sido suficiente para que este optasse por viver na sua exígua cela.

Ao redor do edifício do Convento podemos conhecer ainda a sua antiga horta, acompanhada por uma fonte e um tanque, bem como um canal por onde a água era transportada depois de captada mais acima, em nascente, e distribuída para as várias dependências do Convento.

Da visita ao Convento dos Capuchos de Sintra realizamos que a simplicidade pode ser sinónimo de harmonia e gerar a perfeição. Benditos frades franciscanos.

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