Ainda não cansadas de passear pelas paisagens que tanto inspiraram os impressionistas, desta vez seguimos para a costa francesa do Canal da Mancha. E que pedaço de costa normanda este, que inclui parte da Costa de Alabastro e o trio maravilha composto pelas três povoações que estão ao virar da esquina no lado ocidental do estuário do Sena.

A Costa de Alabastro é seguramente uma das mais cénicas de todo o continente europeu. Entre os estuários do Somme e do Sena e as cidades de Tréport e Le Havre, são cerca de 130 quilómetros de falésias verticais da cor do giz. Brancas, portanto. E se o céu estiver limpo e com sol é muito provável que a água do mar esteja azul. Está mesmo a adivinhar-se que o contraste entre os elementos e cores vai acontecer; o que não imagináramos é que paisagem tão maravilhosa pudesse existir a norte na Europa. Existe.



Apesar de toda a costa ser incrivelmente bonita, Étretat é o pedaço mais concorrido. A explicação é simples e basta uma olhada ao cenário para o perceber: as ditas altas falésias brancas conseguem aqui tomar formas de sonho.

Costa batida pelo vento, este e a água das ondas foi moldando a rocha calcária ao longo de milhões de anos, de tal maneira que resultou nos sucessivos arcos em queda para o mar que agora admiramos. O escritor Guy de Maupassant comparou a falésia de Aval, com uns 51 metros de altura, a um elefante a mergulhar a sua tromba no mar. Acontece que pouco mais a sul, na falésia de Manneporte, a tromba parece ser ainda mais alta e distinta. Não faltam uns rochedos plantados na água para fazer companhia aos penhascos.

A norte de Étretat fica a falésia de Amont, um sítio natural mítico. O nome “amount” significa “a montante”, no lado de cima do curso de água que escavou o famoso arco de Aval. Vale muito a pena caminhar entre estas três falésias – Amount, Aval e Manneporte, recortadas por vales encaixados e abruptos, surpreendentemente cobertos com uma vegetação rasteira verdíssima, mais fazendo lembrar um tapete de jardim (e, surpresa ainda maior, Étretat tem um campo de golfe entre o vale e a falésia de Aval). São apenas cerca de 2,5 kms, uma ínfima parte dos 190 kms da GR21, o trail designado no “Le Pays des Hautes Falaises”.

Étretat é uma das favoritas dos pintores, não apenas o já muito mencionado Claude Monet, mas também Camille Corot, Eugene Boudin e Gustave Courbet. Todos eles se inspiraram nestes majestosos cenários para nos deixarem obras que podemos ver em diversos museus da região.

A praia de Étretat possui ainda outra característica que não nos é familiar. A sua “areia” é feita de pedras e seixos, as silex e as galet. Ambas são resultado dos blocos que foram caindo das falésias e os seixos acabaram moldados pelas ondas do mar. Em tempos antigos eram recolhidos à mão por indivíduos que, depois, os vendiam para que este material servisse para a manufactura do vidro ou a construção de casas ou decoração das fachadas. Uma vez que os seixos acabam por constituir um cordão litoral protector, nos dias de hoje são protegidos e a sua extracção é proibida.



Isso acontece também nas praias de Yport, Vaucottes e Fécamp, cada uma mais bonita e simpática do que a outra.



Acima (a norte) de Fécamp, o Cap Fagnet é um promontório com uma vista soberba. As falésias brancas cobertas de verde continuam, mas agora, para além do património natural, pisamos história. O Cabo foi ocupado pelas tropas alemães de Junho de 1940 a Setembro de 1944, durante a II Grande Guerra Mundial, as quais construíram aqui um sistema de protecção, parte do chamado “Muro do Atlântico”, para obstar a desembarques dos aliados. Veem-se ainda fortificações em betão armado – os blockhaus – com postos de observação e abrigos. Não é sem um arrepio na espinha que os percorremos.

Prosseguindo em direção a Le Havre, que visitaremos em post seguinte, passamos por muitos campos agrícolas e damos de caras com as vacas pintadas por Boudin. Antes de 1995, atravessar o Estuário do Sena para chegar à margem contrária era uma longa viagem, mas agora com a Ponte da Normandia logo chegamos a Honfleur e assim entramos no departamento de Calvados (anteriormente andáramos pelo do Seine-Maritime).

Honfleur é a mais bonita, pitoresca e charmosa das vilas portuárias. É também extremamente turística e não sendo muito grande uns quantos encontrões são garantidos. A Vieux Bassin é como se fosse a sua praça central, mas em formato de marina. No meio, dezenas de barcos e veleiros repousam na água, enquanto a toda a sua volta as esplanadas de restaurantes e cafés ocupam todo e qualquer metrinho de espaço livre. Os edifícios estão todos coladinhos uns aos outros e os telhados confundem-se com os dos vizinhos. O conjunto parece escuro, uma vez que muitas das fachadas são cobertas de ardósia para proteger a madeira da humidade que a maresia traz.



Também favorita dos pintores, Honfleur é a terra natal de Eugène Boudin, acolhendo por isso um museu dedicado a este pintor. Para além disso, são aos magotes as galerias de arte espalhadas pela vila. As poucas ruas, estreitas, têm uma série de lojas de caramelos e chocolates e é impossível não nos abastecermos aqui de adoçantes para a boca.

Ainda no seu pequeno centro, destaque para dois edifícios-torre em madeira, um na marina e outro junto à igreja. A Église Saint Catherine não tem nada a ver com as demais que havíamos visto na região e é também uma construção em madeira, quer no exterior quer interior, onde marcam ainda assim presença os omnipresentes vitrais.

A pouco menos de um quilómetro do centro, o Jardim as Personalidades é um agradável lugar com bustos de várias personagens históricas, entre elas Monet, Boudin e Baudelaire. Para além disso, serve como que de ponto de entrada para uma escolha: praia para um lado e estuário para o outro, este último com vista para as indústrias de Le Havre.


O areal segue por ali afora e em breve a Honfleur seguem-se as praias de Trouville sur Mèr e de Deauville. A este momento do nosso passeio o céu escuro passou da ameaça à acção e começou a chover. A uma vista de olhos rápida à praia e à fachada do Casino seguiu-se mais tempo para degustar umas ostras no Marché aux Poissons de Trouville, sítio obrigatório para se provar este bivalve.

Logo do outro lado do rio Touques fica Deauville, irmã chique de Trouville. Cidade do cinema (o Festival de Cinema Americano realiza-se aqui), é onde os parisienses endinheirados gostam de vir de férias ou tão somente de fim de semana. Tem praia, marina, casino e um hipódromo. Calouste Gulbenkian chegou a viver aqui e o seu jardim acabou doado à câmara local, levando hoje o Parc des Enclos o seu nome.


Entre tantos edifícios com ar de palácio, a Villa Strassburger (à saída de Deauville) e o hotel Le Normandy (no centro) são aqueles que mais garantias nos dão de que sim, são mesmo palácios. E apesar da profusão de construções, há muito espaço para respirar entre elas, num claro contraste com os edifícios todos emaranhados de Honfleur. Quer Trouville quer Deauville não têm nada a ver com aquela, é certo, ambas abertas ao mar e com uma promenade convidativa, mas este trio como que se completa e preenche-nos com a sua vivacidade.
Voilá, Honfleur dans ma mémoire.
Excelente testemunho desse pequeno paraíso francês que é a costa da Normandia.
Merci
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As paisagens e as villes prestam-se a isso 🙂
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Bem bonito…e apetecível de visitar!
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