A capital da Normandia é uma cidade surpreendente, possuidora de um certo ambiente medieval, quer no traçado urbano e edifícios que a compõem, quer na história que se sente em muitas esquinas. Destruída pelo fogo e pela peste na Idade Média, ocupada pelos ingleses durante a Guerra dos 100 Anos, a Place du Vieux Marché (a sua praça central) foi o lugar onde Joana d’ Arc foi queimada na fogueira, em 1431, acusada pela Inquisição de feitiçaria e heresia. Como se não bastasse, durante a II Grande Guerra Mundial foi bombardeada pelos Aliados. Mas não há senão sem bela e as casas de madeira listadas e as igrejas de Rouen são suficientes para desviar os nossos sentidos para a sua beleza poderosa.

É em Rouen que mora a catedral preferida de Claude Monet e aquela que o mestre dos impressionistas mais vezes pintou. Deixava-se ficar na praça diante da sua fachada, observava e observava e, depois, lá passava o que sentia para a tela – e foram pelo menos 30 as suas pinturas desta Catedral.

A Praça da Catedral Notre-Dame é pequena e é difícil explicar como pode lá caber esta maravilha do gótico com uma fachada de 137 metros de comprimento e 60 metros de largura, a maior de França. O pináculo mede “apenas” 151 metros de altura, outro número que a leva ao primeiro lugar das mais altas do país. Bem no coração da cidade, a sua construção teve início no século XII, mas continuou a desenvolver-se no tempo, e os vitrais no interior que decoram as suas várias capelas são uma maravilha da cor.

Claro está que a silhueta da Catedral de Rouen domina em muitos pontos de vista. Uma das melhores vistas da cidade, percebendo-se bem a sua configuração geográfica, com o centro instalado na margem direita do Sena, é desde a colina de Santa Catarina. Para se chegar ao “Panorama”, como é designada, pode-se subir a pé por entre um espaço natural que não se esperava encontrar aqui e, uma vez lá em cima, ficar no sítio exacto onde Monet pintou a sua “Vue Générale de Rouen”, em 1892. Está muito diferente do que o pintor viu – aliás, nunca dois indivíduos veem o mesmo -, mas mesmo assim não escapamos a tentar comparar o que vemos com aquele incrível horizonte iluminado de amarelo e rosa pintado pelo mestre do impressionismo.

E a obra está, precisamente, no Museu de Belas Artes de Rouen, lá em baixo na cidade. As obras de Monet aqui patentes, juntamente com a de muitos outros artistas como Eugene Boudin e Alfred Sisley, fazem da cidade uma das capitais do impressionismo. Encontramos ainda muitas pinturas impressionistas com o rio Sena por objecto, seguindo o dito por Napoleão de que “Paris, Rouen, Le Havre são uma só cidade onde o Sena é a rua maior”. Diga-se, no entanto, que não apenas o Sena mas também a própria Normandia foram uma constante fonte de inspiração dos impressionistas e outros artistas. A nossa Maria Helena Vieira da Silva, aliás, também se deixou inspirar por Rouen e no Museu de Belas Artes estão duas obras para o comprovar.


Voltando às igrejas de Rouen, muitas mais para além da Catedral há para nos maravilhar. A Abbaye Saint-Ouen e a Église Saint Maclou são outros dois enormes exemplos, ambas no estilo gótico flamejante. E a Église Sainte-Jeanne d’ Arc, na tal Place du Vieux Marché onde a figura histórica foi queimada, é também digna de visita, embora seja completamente distinta das demais pelo seu estilo modernista quer no exterior quer interior.


Propomos agora um breve passeio pelo burgo medieval, iniciando-o, justamente, junto à Abbaye Saint-Ouen. Todo o edifício é imenso, com uma fachada frontal com três portais góticos enormes. Antigo mosteiro beneditino, parte dele deu lugar ao Hôtel de Ville local, o correspondente francês aos nossos paços do concelho. O jardim que o acompanha é muito bonito, com um lago capaz de produzir belos reflexos, cheio de árvores, esculturas e cadeirões para se estar enquanto se vislumbra o centro histórico e suas casas de madeira.


O bairro de Saint Maclou é o mais pitoresco de Rouen. Já não se veem as muralhas que o protegiam na época medieval, mas preserva ainda muitos aspectos de antigamente, como igrejas, casas e ruas estreitas. As casas possuem fachadas metade pedra e metade madeira e uma arquitectura designada em França por “maisons en pan de bois”. Aproveitando as árvores das diversas florestas da região, esta técnica de construção protege a madeira da humidade e caracteriza-se pela colocação de vigas de madeira horizontais, verticais ou inclinadas, que ficam à vista na fachada, resultando esteticamente num muito apelativo jogo geométrico e colorido destes edifícios. Muitos deles têm a sua origem entre os séculos XIV e XIX e, embora se encontrem exemplos por todo o centro histórico, é em Saint Maclou que os podemos ver em abundância.

Outras curiosidades deste bairro estão na Place du Lieutenant-Aubert, com um dos seus edifícios com fachada decorada com estátuas representando Vénus, Amor, Juno e Mercúrio.


Mais raro ainda é o Aître de Saint Maclou, fundado como cemitério durante os tempos da Peste Negra de 1348. Posteriormente, nos séculos XVI e XVII, neste pátio foram construídos os edifícios que o rodeiam a toda a volta e que têm como decoração ossos nas fachadas e na viga da arcaria do piso térreo – daí que seja também conhecido como ossário Plague. Parece macabro e até assustador, mas não é o caso; é até um excelente lugar para se estar, recolhido e tranquilo.

Fica logo atrás da Igreja Saint Maclou, mais um incrível exemplo do gótico flamejante, construída entre os séculos XV e XVI. À semelhança do que acontece com a catedral, a poucos metros de distância, a pequena praça diante si esmera-se para a conseguir acolher. Tem a ajuda de um pitoresco conjunto de casas de madeira e leva o título da mais bonita da viagem.

Para lá do bairro de Saint Maclou fica a Place Saint Marc, ocupada todos os domingos por um mercado muito diverso – de roupa a comida – que não deve ser perdido. Destaque para a imensa variedade de queijos, mas também para a muita charcutaria, para além de comidas de vários pontos do globo.

De volta em direcção ao coração de Rouen, logo a seguir à Igreja de Saint Maclou uma rua à direita transporta-nos até à mais estreita da cidade. É a Rue des Chanoines e tem apenas 90 cm de largura.

Passamos novamente pela Catedral e agora seguimos em frente até depararmos com o Gros-Horloge, ficando a admirar todos os pormenores deste exemplar renascentista. O seu arco com relógio astronómico, e com uma torre campanário ao lado, foi completado em 1529 e tem representado o Bom Pastor com o seu rebanho.

Mais numa espreitadela na Place du Vieux Marché (também tem um mercado – des Halles -, embora mais pequeno do que o da Place Saint Marc) e seu belo conjunto de casas de madeira, com lojas, cafés e restaurantes no piso térreo, quase todos com esplanada.


E rumamos ao Palácio da Justiça, um imponente e monumental edifício carregado de uma profusão de gárgulas e pináculos, típico do gótico flamejante, possuindo também aspectos renascentistas. Fundado pelo rei em 1499 para servir de tribunal – L’ Échiquier -, era então Rouen capital da justiça normanda, acabou transformado em parlamento da Normandia em 1515. Diz que o interior merece ser visto, mas estava fechado no dia da nossa visita.

Um dos últimos testemunhos do antigo castelo de Rouen é a Torre Jeanne d’ Arc, cilíndrica e elegante, embora não tenha sido nesta que a heroína esteve encarcerada. Não fica à beira Sena, mas é para lá que vamos agora, encerrando o dia na margem do rio ajardinada com vista para o centro histórico de Rouen, assim nos despedindo da capital da Normandia.
