Amarante é uma povoação bafejada pela sorte, a sorte de dispor de uma beleza natural que cativa qualquer um. O rio Tâmega domina os sentidos e é cortado pela Ponte de São Gonçalo, que transforma a cidade de Amarante em duas.
A história de Amarante não será tão antiga como a de outras povoações portuguesas e é ainda envolta em algumas incertezas que servem para manter a nossa imaginação livre. Desde logo no que ao seu topónimo diz respeito. Derivará Amarante do nome Amarantus, antigo governador imperial? Ou será antes uma derivação de Antemoranan, remetendo para a sua localização geográfica, antes do Marão para quem vem desde o Porto?
Também a figura de São Gonçalo, central ao nascimento da povoação e à cultura e toponímia amarantina, está ainda envolta em algum mistério. Há quem defenda que não foi provada a sua existência, mas o que é certo é que a este santo – na verdade é beato, e não santo – é dedicado um culto popular ligado à fertilidade, sendo considerado o santo casamenteiro de mulheres, em especial em idade tardia (símbolos fálicos ainda hoje são visíveis nos pães em forma de falo que se vendem nas festas populares). As festas em sua honra em Amarante têm lugar em duas ocasiões: no dia 10 de Janeiro, data da sua morte, e no primeiro fim de semana de Junho. Foram os preparativos desta mega festa que nos tocou viver nesta altura do ano. Todo o centro histórico da cidade fica decorado, as margens do rio transformam-se em parque de diversão e gente vinda de todo o mundo assenta aqui arraiais para vender de tudo na feira. Não posso dizer que aprecio o estilo, mas a conclusão pode ser precipitada porque não fiquei para o principal da festa.
Voltando a São Gonçalo e à história de Amarante, foi a ele que se deveu à construção da primeira ponte, no século XIII. Diz a lenda que para a erguer foi fazendo uma série de milagres, como remover as pedras com as suas próprias mãos, das pedras fazer brotar água que deu de beber aos trabalhadores e atrair peixes para os alimentar.
A ponte medieval foi entretanto substituída por uma outra, construída no século XVIII, em consequência da sua derrocada pelas cheias do Tâmega. E é esta ponte que é hoje um símbolo da cidade. E um testemunho histórico não apenas de Amarante mas de Portugal. Por altura das invasões franceses, em 1809 a povoação foi destruída em represália à ousadia da cidade e seus habitantes terem resistido em defesa por duas semanas. A posição estratégica de Amarante entre o Porto e Alto Douro e Trás os Montes fazia da sua tomada um caminho livre para o avanço dos franceses. O acto heróico dos amarantinos está hoje imortalizado numa lápide de um dos dois obeliscos que encabeçam esta ponte de cerca de 50 metros de comprimento.
Deixamos para trás a parte sudeste de Amarante, com a sua Rua 31 de Janeiro plena de lojas e restaurantes, com a Casa da Calçada, hotel e restaurante estrelado, em destaque.
E atravessamos a Ponte de São Gonçalo rumo à parte noroeste da cidade instalada numa pequena colina onde reina imponente o Convento de São Gonçalo.
Logo nos deparamos com a sua janela que acomoda uma imagem gótica de Nossa Senhora da Piedade (ou Nossa Senhora da Ponte), originalmente parte de um antigo cruzeiro medieval que delimitava os concelhos de Gouveia de Riba Tâmega e o da Villa d’ Amarante.
A construção deste Convento foi iniciada em 1540 pelos dominicanos em honra de São Gonçalo e por iniciativa de D. João III e sua mulher. Mas foi necessária a passagem do reinado de mais três monarcas para que se pudesse ter a sua conclusão, em 1620. Daí que os quatro monarcas construtores estejam todos eles imortalizados em estátua na varanda dos cinco arcos da fachada do Convento. A Igreja e Convento de São Gonçalo é uma mescla de vários estilos, renascentista, barroco e maneirista. O seu portal em três patamares preenchidos com estátuas de santos e colunas coríntias é bem rico.
O zimbório em telha é um ex-libris de toda a cidade que se avista à distância. E o interior da igreja é, como não podia deixar de ser, rico, mas sem ser exuberante. Aqui podemos encontrar o túmulo de São Gonçalo e diversas capelas.
Os claustros do Convento foram muito alterados, mas possuem ainda alguns pormenores interessantes e curiosos, como esta fonte.
Mas os claustros são lugar de visita obrigatória por um outro motivo: é aqui o Museu Souza-Cardoso. Um dos melhores museus do país dedicado à arte moderna e contemporânea portuguesa, em especial nos domínios da pintura e da escultura, aqui estão os nossos maiores nomes. Com destaque absoluto para os homens da terra, Amadeu e António Carneiro.
Estes são apenas alguns dos nomes de ilustres amarantinos. A lista poderia ser quase infinita, mas não podemos deixar de a encabeçar com os nomes de Teixeira de Pascoaes e Agustina Bessa-Luís.
Amarante foi-se desenvolvendo ao redor do Convento de São Gonçalo. Pelas ruas estreitas de traçado irregular da cidade veem-se uma série de Igrejas e alguns solares com fachadas com armas e brasões. Marca de uma aristocracia rural culta de outros tempos.
Falámos na Casa da Calçada, mas uma outra possibilidade de alojamento bem mais em conta e também charmosa (ainda que, obviamente, em patamares totalmente distintos) é o Des Arts Hostel and Suites, praticamente frente a frente, divididos pelas águas do Tâmega. Antiga casa de família que já havia sido hotel, hoje foi recuperada em tons azuis tranquilos, e dedica-se também a mais uma evocação da cultura amarantina. Todos os quartos têm nome de artistas amarantinos ou cuja vida e história se cruzaram em algum ponto com Amarante.
Terminamos voltando à beleza natural de Amarante e ao seu elemento mais marcante. As margens do rio Tâmega estão bem cuidadas e diversos parques se nos oferecem. Cá em baixo, junto à água do rio, percebem-se na perfeição os quatro arcos em semi-círculo da Ponte de São Gonçalo. Mas os reflexos fantásticos que a natureza nos dá levam-nos a crer que estes são arcos rigorosamente circulares. Bendita ilusão.