Não sei quando fui a primeira vez ao futebol. Não posso sabê-lo, tão pequena era. Sportinguista ferrenha, não consigo dizer sequer se fui primeiro a Alvalade ou à Luz. Ou ao pelado de Aldeia das Dez. Uma coisa é certa, nunca tinha ido ao Faria, o campo da bola do centenário Grupo Sportivo Loures, concelho onde vivi grande parte da minha vida e onde ainda hoje trabalho.
Fui lá há uns meses, nesta época desportiva de 2018/19 que entretanto findou, a um GS Loures – FC Oliveira do Hospital, a contar para o Campeonato de Portugal, Série C, vulgo 3ª Divisão Sénior.
O campo fica logo à entrada de Loures, para quem vem de Lisboa, e os seus muros estão totalmente graffitados com mensagens de Abril, a lembrar que em Loures, terra ainda comunista, a palavra é quem mais ordena.
A entrada fica do outro lado da estrada principal, e as antigas bilheteiras perdem-se no meio dos bonecos.
Preço do bilhete? 4 euros para sócios, 7 para não sócios. Ora toma, quem pensou que vir ao futebol de terceira é mais barato que um bilhete de cinema? À entrada não há é cachecóis nem bandeiras para venda e lá dentro, verei logo a seguir, não há queijadas. Mas há o bar do clube já para lá da porta de entrada. Lembro então que nos verões da Loures dos anos 90 era impossível uma refeição ao almoço que não fosse na sede do clube local. Isso melhorou, mas pouco mais.
Já no campo da bola, o primeiro comentário ouvido foi logo um “até o Santa Iria já está à nossa frente”. O Santa Iria disputa o mesmo campeonato e série e é o clube da freguesia mais a sudeste do concelho. Rival da sede, portanto.
Sento-me na bancada central, coberta, para adeptos locais. A ruidosa claque está do mesmo lado da bancada, única, mas um pouco mais separada. Só há mais umas poucas bancadas de trás uma das balizas. Tudo muito junto ao relvado. Tão junto, tão junto, aliás, que estava sentada há poucos minutos atrás do banco de um dos clube, onde os jogadores aqueciam, quando logo ouvi um deles gritar: “olha a bola”. Era para mim, mas não me acertou. Ainda me desviei umas quantas vezes mais. Os meus parceiros iam fazendo de apanha-bolas.
Os jogadores recolhem aos balneários para se equiparem e logo depois, de lá de dentro, vai-se ouvindo o grito de cada uma das equipas, à vez. Estavam prontos para subir de novo ao relvado e uma voz chama-os “bora, malta”.
A claque do Loures, com uma grande bandeira desfraldada, mostra-se incansável no apoio ao seu clube, com cânticos familiares a quem frequenta os estádios de futebol. Os seus cânticos falam também em “curva”, mas neste campo não há cá curva nenhuma.
São poucos os espectadores, cerca de centena e meia. Mais homens do que mulheres, mais velhos do que novos, mas sente-se um ambiente familiar. Apesar dos prédios que se debruçam para um dos topos do campo, apenas numa janela parece haver um espectador interessado. Já o jogo tinha começado e chegam dois chineses, a estes é que não lhes escapa nada.
10 minutos de jogo e o desânimo parece começar a instalar-se nas bancadas, que soltam um “lá estão eles a jogar outra vez a bola para trás”. A claque, não, essa continua – e continuará até ao final – a puxar pela equipa. É o Loures, no entanto, que tem a iniciativa do jogo e joga ao ataque. O seu número 14 está endiabrado. Mas é o Oliveira que marca à meia-hora, um auto-golo, e os seus jogadores vão comemorar perto da claque do Loures, talvez porque não tenham visto ninguém dos seus, apesar de eu estar de azul, embora escondida no outro lado da bancada entre os restantes adeptos do clube da casa. Pois é, Loures é o meu concelho, mas Oliveira do Hospital é o concelho da freguesia de Aldeia das Dez. Força, azuis.
Esta comemoração deu confusão e resultou nuns quantos cartões amarelos para os de Oliveira e um bocado de tempo do jogo parado. Logo na jogada seguinte, vermelho directo para o capitão do Loures, após uma entrada louca. Não ouve sequer contestação à decisão do árbitro, antes aplausos e incentivos para os jogadores locais, que agora ficariam com menos um e a perder. Apenas se ouviu um “estás-te a rir mas no fim vais chorar, não digas que não te avisei” para um calmeirão do Oliveira. Era optimismo cego, a coisa parecia difícil.
Não levei eu com uma bolada, levou um velhote num grupo de velhotes coxos no topo à entrada do campo. Foi na cabeça, mas ao de leve, o suficiente para o por a cambalear. Isto estava mesmo mau para os da casa.
E aí vai uma bola para fora do campo, para lá dos muros, para a estrada principal da cidade, pode ser que tenha caído num dos seus muitos buracos sem apanhar um carro que lá passasse.
Já sobre o intervalo pede-se pénalti para os da casa e chegam os primeiros nomes ao árbitro, os homens gritam “cabrão”, as mulheres gritam “estúpido”. Os jogadores do Loures saem para descanso sob os aplausos da sua claque e esta também deixa as bancadas para ir beber umas no bar.
Para a segunda parte do jogo as equipas mudam de lado do campo e eu também. Na esperança de ver mais um golo do Oliveira vou para a mini-bancada atrás da baliza onde se instala o guarda-redes do Loures. Rezo para que as redes da baliza não estejam rotas e que a pontaria dos de Oliveira esteja afinada.
Mais um azar para os de Loures, outro vermelho directo, estranhamente designado por “encarnado” por estes lados. Mais aplausos à saída do jogador expulso. Durante o jogo só deu para aplaudir cenas destas, mas a cantoria continuou até final.
E o Oliveira fez o segundo golo e percebo, então, que estou entre os meus. Afinal há cá mais adeptos da equipa visitante. E veio ainda o terceiro golo.
Resultado final: 0x3. Os da claque do Loures aplaudiram entusiasticamente a sua equipa no final. Acto incompreendido até pelos seus co-adeptos, que só tinham palavras para, ironicamente, dizer “aplaudam, aplaudam, que fartaram-se de jogar”. “O treinador não fica cá para além desta semana”. Viu-se até um lenço branco. Tudo muito familiar.
Nota final: o Santa Iria acabou a época com a despromoção do Campeonato de Portugal e o Loures aguentou-se.