O muralismo mexicano teve origem por iniciativa de José Vasconcelos, enquanto reitor da Universidade Nacional e Secretário da Educação Pública. José Vasconcelos (cuja Biblioteca do México, no complexo da Ciudadela, instalada numa antiga fábrica de tabaco do século XVIII, leva o seu nome e possuiu belíssimas salas com espólio de grandes autores mexicanos), defendia que as artes visuais eram parte substancial da revolução cultural e educativa de que a população necessitava para ampliar a sua percepção do mundo. Daí o motivo pelo qual os murais deveriam estar à vista de todos nos edifícios públicos. E, já agora, expressar uma visão comprometida com a cultura e identidade do povo mexicano. Diego Rivera, um dos três grandes muralistas mexicanos, ao lado de David Alfaro Siqueiros e José Clemente Orozco, levou este comprometimento quase aos limites, e a sua ideologia marxista é visível em muitos murais. De tal forma que uma encomenda para o Rockefeller Center, em Nova York, acabou por ficar inacabada por ter sido recusada pela sua crítica directa ao capitalismo e endeusamento do socialismo. Parte deste mural foi mais tarde recriado e está hoje no Palácio das Belas Artes da Cidade do México.
Não é apenas na Cidade do México que se pode observar esta arte mural. Pelas outras cidades onde andámos, nomeadamente Guanajuato e Oaxaca, também encontrámos exemplares desta expressão artística. Mas a Cidade do México é o seu lugar por excelência e onde estão as grandes obras e artistas.
No Palácio Nacional:
Na escadaria principal do Palácio Nacional, Diego Rivera produziu um conjunto magistral de murais entre 1929 e 1935. É um tríptico dividido por três grandes áreas cronológicas sob o signo da “Epopeia do Povo Mexicano”, no qual manifesta a sua interpretação da história do México.
No muro norte, à direita, em “O México Antigo”, de 1929, Quetzalcóatl é representado como tlatoani, adornado com plumas de quetzal. Em cima a serpente emplumada emerge do vulcão para se converter numa estrela e Quetzalcóatl, após ser derrotado pelo Deus, retira-se num barco-serpente até ao Oriente, donde se crê, segundo a mitologia, que regressará um dia.
No muro central fica o mural “Da Conquista a 1931”, onde é explícita a crueldade da conquista espanhola e da cristianização dos indígenas.
No muro sul, à esquerda, “México de hoje e amanhã”, é um trabalho executado entre 1934 e 1935. Neste mural Rivera mostra a ideologia marxista com uma crítica à pós-revolução. Os poderes civis, militares e eclesiásticos, aliados com os grandes capitalistas, sugam o trabalho e o dinheiro do povo. As forças fascistas reprimem os trabalhadores e os camponeses. Na parte superior, a luta de classes e a destruição da igreja dá lugar a um novo amanhecer liderado por Marx que aponta um futuro ideal iluminado por um sol promissor. Neste emaranhado de personagens consegue-se vislumbrar até Frida Khalo.
No piso superior deste Palácio encontramos ainda mais uma série de belos murais também de Rivera, pintados entre 1941 e 1951, com o título de “O México Colonial e Pré-Colonial”. Aqui é representado o dia-a-dia das culturas pré-hispânicas e a Conquista do México por Hernán Cortés. Interessante apreciar a técnica aqui usada, com o mural colorido acima e um friso decorado com materiais mais tradicionais na parte mais baixa. O milho é figura quase constante nos murais de Rivera, como alimento primordial desde sempre. No México há, aliás, um dito eloquente: “Sin maíz, no hay país”.
Na Secretaria de Educação Pública:
Mais uma grandíssima colecção de murais se Rivera, quer em quantidade como em qualidade. São 235 murais que ocupam quase por inteiro as paredes dos dois andares dos dois pátios deste edifício público.
“Visão Política do Povo Mexicano”, executado entre 1923 e 1928, expressa pela primeira vez uma iconografia revolucionária para o México. Está lá uma homenagem à herança índia, representando festas tradicionais, cenas do trabalho no campo, trabalho artesanal e industrial, luta por melhores condições de vida.
Frida, claro, também pode ser encontrada num dos murais, de estrela vermelha ao peito distribuindo armas aos trabalhadores, por baixo da bandeira do Partido Comunista, para que lutem. Num outro mural uma homenagem a grande nomes da cultura internacional, como Tagore.
No Palácio de Belas Artes:
No interior art-deco deste mega palácio das artes estão expostos murais de diversos artistas mexicanos. E é sobretudo para os vermos que aqui vimos, não tanto pelas suas exposições. São 17 murais pintados por 7 artistas mexicanos. Este é o único local onde podemos admirar num só espaço obras dos três grandes muralistas mexicanos: Rivera, Orozco e Siqueiros.
De Diego Rivera, o tal mural reconstruído que havia sido encomenda para os Rockefeller, “O Homem Controla o Universo”, de 1934. Aqui projecta um futuro onde a tecnologia e as máquinas dominarão, sob o olhar de Lenine. E ainda de sua autoria estão aqui os murais de “Carnaval da Vida Mexicana”, de 1936.
“A eterna luta da Humanidade por um mundo melhor”, ou simplesmente “Katharsis”, de Orozco, de 1934-1935, é uma crítica à sociedade de massas e aos perigos do desenvolvimento tecnológico. Vêem-se cenas de caos e violência.
Mas as imagens mais brutais e expressivas vêm da arte de Siqueiros. São cinco os seus murais aqui presentes, mas recordo mais vivamente a mulher ruiva que se liberta das correntes como representação da vitória da democracia sobre o jugo alemão no final da II Grande Guerra Mundial. Este mural tem o título “Nova Democracia” e a seu lado estão os também poderosos “Vítimas da Guerra” e “Vítimas do Fascismo”, todos realizados em 1945.
De Jorge González Camarena é o mural “Libertação da Humanidade que se liberta da miséria”, de 1963. Representa a opressão aos camponeses e a violência e a sua luta para derrubar os símbolos dessa opressão.
No Palácio das Belas Artes estão ainda presentes murais de Rufino Tamayo, Manuel Rodríguez Lozano e Roberto Montenegro.
No Museu Mural Diego Rivera:
Realizado originalmente para o átrio de entrada do Hotel del Prado, “Sonho de uma tarde de domingo na Alameda Central”, de 1947, é uma representação da história do México a desfilar pelo cenário da Alameda Central, zona de passeio e lazer do centro histórico da capital mexicana. Em 15 metros parecem caber todas as personagens que construíram a história do México. O próprio Rivera representa-se a si mesmo por duas vezes, em miúdo, de mão dada com a Caveira Catrina, e em mais velho. Frida está uma vez mais presente, precisamente entre o miúdo e a caveira, com o símbolo yin-yang numa das suas mãos.
Na Suprema Corte de Justiça (sem fotos) está o mural mais impressionante que pudemos conhecer em toda a nossa viagem pelo México: “História da Justiça no México”, de Rafael Cauduro, realizado entre 2006 e 2009.
Tudo nele surpreende, começando logo pelo local onde está exposto. A sede de um poder do Estado acolher uma denúncia a esse mesmo poder só nos pode fazer gostar mais do México e dos mexicanos. O mural de Cauduro está disposto em três níveis da escadaria de uma ala desta Corte e na sua crítica ao sistema judicial mostra-nos a luta pela dignidade humana no que respeita à força ilegítima do Estado. Não é fácil confrontarmo-nos com algumas destas imagens extremamente violentas e realistas com as quais o autor pretendeu retratar os “Sete Crimes Maiores”, a tortura, o homicídio, a repressão, o sequestro, a violação, os processos viciados e a prisão. Ao vê-las, é como se estivéssemos presentes no momento e lugar dessas arbitrariedades e, dito isto, cumpre-se na perfeição certamente o objectivo da arte: sermos seus cúmplices e suas testemunhas.
[De Rafael Cauduro podem ser vistos outros murais na cidade: a obra “O Condomínio”, de 2014, na fachada do prédio no número 62 da Calle Veracruz, em Condesa, igualmente realista mas menos violenta e até divertida na forma certeira como retrata alguns detalhes da vizinhança num condomínio; e as obras nas estações de metro Insurgentes e Auditorio]
Ainda na Suprema Corte de Justiça, na sala dos Passos Perdidos encontramos os quatro painéis murais de Orozco. Embora não realisticamente violento, o seu trabalho é também um crítica à justiça e na época da sua criação, 1941, ainda se pensou vetá-los. Mas não, seguem aqui para serem vistos por todos nós.
Mais apologético da justiça é o trabalho de Luis Nishizawa, de 2008, com a representação de uma justiça determinada e sem venda e uns cavalos focados em vencer em nome do povo mexicano.
(para esta nossa colecção, ficou a faltar a visita a um cromo importante, o Antigo Colégio de Santo Ildefonso)
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