Um passeio pela Cidade do México

O Zócalo é o centro do centro histórico da Cidade do México, para onde tudo e todos convergem, deste os visitantes, aos locais e aos activistas que aqui escolhem protestar. A entrada na Plaza de la Constitución, seu nome oficial, é esmagadora. A enorme bandeira do México que flutua firme ao (pouco) vento é só um detalhe. É tudo tão desmesuradamente grande aqui, 220m por 240m de praça, que fica difícil escolher para onde dirigir primeiro o olhar, se para a Catedral Metropolitana, para o Palácio Nacional, para as arcadas sucessivas dos edifícios que a rodeiam ou, tão somente, para a multidão que ocupa a praça central. Apesar da beleza arquitectónica do lugar, é o movimento e o entusiasmo das suas gentes que começam por roubar a atenção. Todos parecem querer pousar para a foto da praxe e depois deixam-se estar por ali a vaguear, no meio dos vendedores ambulantes.

O Zócalo foi onde os espanhóis teimaram em construir a sua cidade no século XVI, bem sobre a cidade conquistada aos Mexicas (Aztecas) e utilizando a pedra dos edifícios destruídos. Embora os arqueólogos já soubessem da existência desta cidade pelas crónicas dos conquistadores, apenas em 1978 foram descobertos por acaso vestígios da antiga Tenochtitlan e, numa decisão não isenta de polémica, logo foi decidida a destruição de cerca de 13 edifícios (alguns deles do século XVI) para se estudar e deixar à mostra parte do que foi o Templo Maior dos Mexicas. Ou seja, a cidade dos Aztecas lado a lado com a cidade colonial. Ambas convivendo hoje solidariamente e resultando no que é o México dos nossos dias, um povo sobretudo mestiço, mais herdeiro dos espanhóis do que dos indígenas quase na totalidade dizimados por aqueles ou pelas doenças.

A Catedral Metropolitana é, como não podia deixar de ser, grandiosa quer no seu exterior quer interior. Iniciada a sua construção em 1573, vários estilos estão representados na sua fachada. Possui dois altares que reluzem, mas o Altar dos Reis, ao fundo da Catedral, é uma maravilha. Pelo meio, diversas capelas não menos ricas.

À sua porta diversos grupos com indivíduos trajados de aztecas dançam e cantam e lançam copal, purificando as pessoas que se propõe a ser purificadas, deixando um fumo e um odor tão intenso no ar que depois de apreciarmos por breves momentos este folclore local decidimos seguir para o Palácio Nacional.

O Palácio Nacional, que domina todo o flanco direito do Zocalo, é desde a sua origem um palácio. Após a conquista da cidade em 1521, Hernán Cortés decidiu construir um palácio com três pátios e uma horta bem sobre o teclan – o palácio nobre – de Moctezuma II. O seu herdeiro acabou por vender este palácio à Coroa espanhola para que servisse de sede do governo do vice-rei e habitação da sua família. Assim, no século XVII este Palácio Real (constituído por salas da Real Audiência, Casa da Moeda, tribunais, prisão e capela) juntamente com a Catedral e o Ayuntamiento formavam os edifícios dos poderes civis e religiosos do reino da Nova Espanha. A sua importância histórica para os mexicanos releva ainda do facto de ter sido aqui, na sua belíssima Assembleia, que se aprovou a Constituição de 1857. E sobretudo para nós, comum dos mortais viandantes interessados em história e em arte, é aqui que podemos apreciar um dos conjuntos de murais mais soberbos da autoria de Diego Rivera, quer na escadaria principal do Palácio, quer no seu segundo piso.

O muralismo é fortíssimo no México e este foi apenas o nosso primeiro contacto com esta arte espalhada por muitos edifícios públicos e, até, privados. Pode dizer-se, o muralismo é omnipresente na cidade e uma atracção com muita qualidade só por si e, por isso, dedicar-lhe-emos um post autónomo. Adiantaremos, no entanto, que no Palácio Nacional pintou Diego Rivera, entre 1929 e 1951, a representação da civilização mexicana desde a chegada de Quetzalcóatl até ao período pós revolucionário, materializada nas suas obras “El México Antiguo“, “Epopeya del pueblo mexicano” e “De la conquista a 1931” (todas na dita escadaria), para além de diversos outros murais de temática mexicana.

A Suprema Corte de Justiça, também no Zócalo, é outro ponto obrigatório de visita. Com visitas mais apertadas dado o edifício ser lugar de expediente, tivemos de fazer um choradinho para nos deixarem entrar ao sabermos que havia fechado há poucos minutos e que encerraria durante uma temporada para férias judiciais. O choro valeu a pena. Proibidas as fotos, guardaremos para sempre na memória e na alma a pungente obra de Rafael Cauduro, “A História da Justiça no México”, nomeadamente, “Os sete crimes capitais”. É uma denúncia e crítica aos desmandos do Estado sobre a sua própria população, e surpreende a abertura com que os poderes judiciais acolheram a representação desta visão desassombrada na sua casa. Numa pintura absolutamente realista vemos corrupção judicial, prisão bruta, tortura, condições de encarceramento desumanas e muitas outras imagens todas elas aterradoras ao longo da escadaria de uma das alas desta Corte. Também estão presentes murais de Orozco e de outros artistas não mexicanos neste edifício.

A Secretaria de Educação Pública, nas traseiras do Zócalo, possui mais uma enorme série de trabalhos fantásticos de Diego Rivera. Mas a visita vale igualmente a pena pela tranquilidade e beleza dos seus pátios.

Aqui chegadas, junto à Plaza de Santo Domingo já tínhamos percebido muito do ambiente de feira nas praças e ruas do centro histórico. Muita banca de comida de rua a rivalizar com espaços mais formais de restauração. Tacos, churros, nieves, jugos, a escolha é variada.

Do Zócalo devemos seguir pela Calle Madero até à Alameda Central. Nesta rua o movimento não decresce, pelo contrário, são magotes a disputar o piso desta rua pedonal nem muito estreita nem muito larga e cheia de lojas. Este movimento quase nos distrai dos edifícios que vão aparecendo, uns em estilo neoclássico, outros barrocos, uma igreja aqui, outra ali.

Impõe-se uma paragem no Palácio de Iturbide, o qual foi residência do primeiro imperador do México independente. Hoje Palácio de Cultura Banamex, é um centro de actividades artísticas e educativas que acolhe exposições (tocou-nos a excelente mostra retrospectiva de 45 anos de trabalho – 1972-2017 – de Graciela Iturbide, fotógrafa premiada e exposta internacionalmente, e pudemos até descobrir umas fotos da nossa Lisboa).

Quase à frente deste palácio fica a Casa dos Azulejos, edifício do século XVI coberto de azulejos azuis que, conta-se, vieram directamente da China.

Nas traseiras a pequena mas esplendorosa Praça Tolsá, coberta de palácios imponentes em estilo renascentista.

Aliás, o Centro Histórico do México é mais feito de edifícios monumentais e imperiais do que edifícios coloridos com janelas, portadas e balcões que costumamos identificar nas cidades coloniais espanholas. Na verdade, o México foi construído para ser a capital da Nova Espanha e não apenas uma cidade colonial.

E eis que chegamos à ultra-movimentada Alameda Central, onde domina o Palácio das Belas Artes, talvez o mais icónico edifício da cidade. É um enorme palácio em mármore, com uma cúpula com umas deliciosas cores, construído em 1905 para servir de espaço de concertos e exposições. Se o seu exterior é neo-clássico, o interior é art-deco e tem mais uma série de murais de todos os grandes mexicanos.

No início da Alameda podemos subir ao 44° andar da Torre Latino-americana, construída em 1956 e então o mais alto edifício de toda a América Latina, para confirmar a largueza e infinitude da cidade.

A Alameda Central, um enorme parque com árvores e fontes que se propõe a ser a delícia dos domingueiros, foi ainda tornada famosa pelo mural pintado por Rivera e que hoje podemos ver exposto no Museu Mural Diego Rivera. Aqui só está patente esta obra, “Sonho de uma tarde dominical na Alameda Central”, mas que obra. Com ela, Rivera conseguiu absorver e condensar num só capítulo grande parte da identidade e cultura do México e aí representar as suas personagens principais. Mais um momento alto da arte a representar a vida.

E por falar em identidade e cultura, o Museu de Arte Popular é mais um dos lugares imperdíveis da cidade. Sendo a arte popular um reflexo da sociedade e da cultura dos povos e uma forma de estes se auto-retratarem, este é um bom lugar para se conhecerem tradições ancestrais através de elementos artísticos. Vemos aqui diversos objectos, uns com funções utilitárias e outros meramente decorativos, mas todos eles carregados de um simbolismo tocante, quer no que respeita aos domínios da vida como da morte, sendo que esta última é encarada pelos mexicanos como parte complementar da primeira, uma evolução para o eterno. Por isso que no México o Dia dos Mortos assume um carácter festivo e a figura das caveiras está por todo o lado.

No post introdutório à Cidade do México, tínhamos referido que esta se expandiu tanto que foi aglutinando as povoações cercanas que lhe apareceram no caminho. Ligadas por grandes auto-estradas urbanas e anéis periféricos que nos fazem quase sobrevoar de carro a cidade, hoje estas povoações são bairros ou colónias que fazem parte da cidade. Embora o ambiente que aqui se viva não tenha nada a ver com o do Centro Histórico e, à partida, possamos pensar que este é um outro México. Ou talvez não, talvez o nosso pré-conceito é que nos leve a pensar tal. O que é certo é que um europeu se sentirá facilmente em casa nos elegantes bairros de Condessa, Roma ou Polanco. Bairros feitos de edifícios baixos, alguns deles de arquitectura art déco e com fachadas trabalhadas de forma artística, com passeios e alamedas centrais que convidam a caminhar por entre as árvores, cheios de restaurantes e esplanadas. Amiúde surge um parque.

Novos e velhos passeiam tranquilamente, empurrando os carrinhos de bebé ou levando pela trela os seus cães, atestando que esta é uma cidade segura. Condessa é já um bairro centenário e uma boa paragem para se saborear um gelado na sua Nieveria Roxy, aberta desde 1946, na Rua Mazatlan, cujo significado é “o lugar onde abundam os veados”. Roma, para além de ser a colónia que Alfonso Cuarón representou no seu filme oscarizado, foi por onde Jack Kerouac andou quando visitou a cidade nos anos 50. Estes bairros têm diversas livrarias e cada um deles possui uma filial da Cafebrería Pendulo, misto de café e livraria cuja arquitectura interior é levada a extremos de bom gosto em Polanco.

Polanco Novo, pedaço que prova a infindável expansão da cidade, permite-se à construção massiva em altura e é dono de dois edifícios para os amantes de arquitectura e museus. O Museu Jumex, de linhas pacíficas do inglês David Chipperfield, e o Museu Soumaya, de forma irreal. O Jumex acolhe exposições de arte contemporânea, enquanto que o Soumaya, oferta de Carlos Slim, o homem mais rico do mundo, mexicano, aos seus compatriotas, alberga tudo e mais alguma coisa. É uma confusão de obras de arte de todos os tempos num só espaço que, concluímos, o homem pode saber fazer dinheiro em grande, mas não consegue escolher apresentar poucas obras à vez.

Mas de todos os bairros do México, Coyoacán será aquele que todos os visitantes não querem perder. Berço de intelectuais de esquerda, situado não muito distante da Cidade Universitária, onde fica a Universidade Nacional Autónoma do México, a maior da América Latina, foi em Coyoacán que Hernán Cortés escolheu viver no princípio da sua conquista. A sua praça-jardim larga com igreja igualmente larga é o ponto central deste bairro feito, uma vez mais, de casas baixas e discretas que da rua não deixam ver o recolhimento que se viverá no seu interior. Mas os turistas e mexicanos vêm a Coyoacán sobretudo porque é aqui que fica a Casa Azul de Frida Khalo. É uma autêntica romaria e formam-se filas infindáveis ao longo dos muros azul índigo para entrar na casa tornada museu. Uma advertência: é obrigatório comprar bilhete antecipadamente na internet se não se quiser esperar à volta de 2 horas na fila.

Frida (1907-1954) tornou-se uma artista popular apenas nos anos 80 e essa sua popularidade disparou universalmente após o filme de 2002 protagonizado pela também mexicana Salma Hayek. É comovente ver os magotes de brasileiros falarem com os seus filhos pequenos acerca de Frida como se esta fosse uma amiguinha da escola. Mas, no fundo, é isso que Frida hoje representa, uma personagem próxima cuja imagem está em toda a parte. Transcendeu em muito a sua obra.

A Casa Azul foi onde Frida nasceu, viveu e morreu. Mulher indomável, foi capaz de viver com a adversidade, primeiro a poliomielite e depois um acidente de autocarro, com a dor que mais de 20 cirurgias não atenuaram e com as traições do seu grande amor, Diego Rivera, incluindo com a sua irmã. Na Casa Azul conhecemos mais do seu percurso de vida através de diversos objectos e da sua obra. A fotografia e os vestidos típicos de tehuana eram duas das suas paixões e imagem de marca, a que não são alheios os factos de o seu pai ter sido fotógrafo e a sua mãe oaxaquenha. O jardim da Casa Azul é outro momento alto da visita, com muito verde e muitos objectos artísticos da época pré-hispânica.

Não saímos de Coyoacán sem passarmos da Calle Londres para a Calle Viena e visitarmos a sua outra Casa Museu famosa, uma casa fortaleza, nem de propósito, a de um dos amantes de Frida. Frida é tão grande que a maior parte das pessoas que vem ao bairro ou não sabe quem é Trotsky ou o conhece apenas como o amante de Frida. Talvez antes assim (falo com a propriedade de quem na juventude lhe deu na cabeça de votar PSR).

Para finalizar este passeio pelo México, juntemo-nos a grande parte dos 20 milhões de habitantes da cidade e, sem receio, rumemos ao Parque / Bosque de Chapultepec num domingo. O grande pulmão verde da cidade é conhecido como o Central Park mexicano. São 4 km2 de área. Na impossibilidade de o percorrer todo, ficámo-nos pela sua zona mais popular, junto aos lagos, castelo e museus. No Museu de Arte Moderno podemos ver obras dos grandes pintores mexicanos, como Frida Kahlo (incluindo a sua obra maior, Duas Fridas), Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros, Orozco, Rufino Tamayo e mais uma série de artistas contemporâneos.

E no Museu de Antropologia tomamos uma decisão: há que voltar ao México – à cidade, para descobrir repetidas vezes e por inteiro este que é, sem dúvida, um dos grandes museus do mundo; e ao país, para descobrir todas as suas muitas e variadas culturas pré-hispânicas.

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