Um passeio pelo Cabo Espichel

O Cabo Espichel é um promontório aberto ao Atlântico situado no concelho de Sesimbra e integrado no Parque Natural da Arrábida. São, por isso, belas paisagens que nos esperam num passeio pela costa ao seu redor.

A caminhada que propomos em seguida tem cerca de 10 kms no total e aproveita dois dos percursos pedestres oficiais da Câmara de Sesimbra, o “Maravilhas do Cabo” e o “Chã de Navegantes”, ambos circulares e cada um com 5 kms.

Começamos o nosso passeio exactamente no Cabo Espichel. Lugar de pura natureza, ao mesmo tempo cândida e selvagem, este é também um lugar de história e lendas. Temos de um lado o Farol, construído em 1790, o que faz dele um dos mais antigos de Portugal, e do outro o Santuário de Nossa Senhora do Cabo, datado do início do século XVIII. Este último é um lugar inspirador, cujo estado de relativo abandono só faz adensar o clima de mistério. Enorme e monumental no seu terreiro de linhas harmoniosas, a formosa Igreja de Nossa Senhora do Cabo (diz que bonita no seu interior, mas fechada à minha passagem), mandada construir por D. Pedro II, devoto de Nossa Senhora do Cabo, é ladeada por umas impressivas alas que serviam de hospedaria aos romeiros que para aqui vinham em peregrinação.

Diz a lenda que em 1410 apareceu uma imagem da Virgem no exacto lugar onde logo se instalou a Ermida da Memória, no topo da escarpa acima da Baía dos Lagosteiros. O lugar é incrível, uma extensão profunda do mar onde não custa assumir qualquer tipo de religiosidade. O aparecimento desta imagem da Virgem resultou no culto da Nossa Senhora do Cabo Espichel por multidões de peregrinos, pelo que em 1701 se decidiu pela construção do Santuário de Nossa Senhora do Cabo, também conhecido por Santuário de Nossa Senhora da Pedra da Mua. A lenda da Pedra da Mua é contada de forma historiada através de painéis de azulejo guardados no interior da Ermida – a imagem da Virgem transportada por uma “jumentinha” desde o mar até ao topo do Cabo, subindo pela laje conhecida como Pedra da Mua.

Para além da ermida, da igreja, das duas alas de hospedarias conhecidas como Casa dos Círios e do cruzeiro, o conjunto monumental possui ainda hortas dos peregrinos, a Casa da Ópera (em ruínas) e a Casa da Água, abastecida por um aqueduto cuja estrutura vemos na estrada à chegada ao Cabo. Apesar do estado de abandono, o culto da Senhora do Cabo ainda se mantém e prevê-se o restauro do complexo do Santuário.

Do Santuário saímos pelo percurso pedestre “Maravilhas do Cabo” na direcção da baía e praia dos Lagosteiros, sem todavia descermos até ela. As arribas são instáveis e a quantidade de pedras que fazem a vez da areia nesta praia são também a prova do perigo. De qualquer forma, a beleza da pequena enseada e a cor do mar fazem felicidade em abundância mesmo vistas de cima. Contornando a baía caminhando pelas arribas calcárias, vamos vendo distanciar-se a fabulosa escarpa com paredes de laje onde está instalado o Santuário de Nossa Senhora do Cabo. Tudo aqui é grandioso.

E eis que chegamos ao ponto de observação das pegadas de dinossauros, não menos imensas. São pegadas do período jurássico impressas na rocha imediatamente junto ao mar. Crivadas na rocha vemos também moldes de fósseis.

Continuamos a caminhar junto à costa, mas agora com vista para as longas praias do Meco e da Fonte da Telha, com a Serra de Sintra e o seu Monte da Lua bem ao fundo.

A vegetação é rasteira e o trilho fácil de perceber. Uma variedade de flores distrai-nos no caminho de volta até à estrada.

Atravessa-mo-la e iniciamos o percurso pedestre “Chã de Navegantes”. Tomamos um caminho sempre a direito por um estradão de terra batida ladeado por edifícios em ruína que nos levará em direcção ao mar. Num ponto elevado admiramos a grandiosa costa da Arrábida, com a silhueta preciosa das suas falésias verdes a cair no mar azul. Sabemos que aqui em baixo fica a Praia da Baleeira, de difícil acesso, mas não a vemos.

Descemos rente à falésia por um caminho estreito, na parte mais difícil e assustadora do percurso, tentando não nos distrair demasiado com a paisagem fabulosa do Atlântico onde os veleiros navegam tranquilamente.

Contornamos a arriba, um monte com uma rocha de belo molde no topo – é um bloco de rochas dolomíticas mais antigas misturadas com rochas calcárias mais recentes, conhecido como Horst do Forte da Baralha.

O Forte da Baralha, ele próprio, fica mesmo aqui debaixo. Construído no século XVII, esta pequena fortificação está em ruínas, percebendo-se ainda os seus panos de muralha e janelas rasgadas na estrutura. A sua implantação geográfica é incrível, um pouco elevado rente ao mar. Ao seu lado, igualmente em ruínas, a vizinha Capela de invocação ao Senhor Jesus dos Navegantes, onde as tripulações das embarcações de Sesimbra gostavam de parar antes da partida para as grandes viagens.

E a uns passos do Forte, eis uma formação geológica surpreendente. A Rechã dos Navegantes e o campo de lapiás, modelado pela erosão marinha, que cai num género de plateau de rocha calcária mar adentro.

Daqui empreendemos a subida em direcção ao nosso destino / ponto de partida, virando a custo as costas àquela enorme paisagem natural, mas arranjando todos os pretextos para mais uma paragem para a contemplar uma última vez. Quem disse que não há que olhar para trás?

Entretanto, no último fim de semana de Setembro de 2022, por altura das festas do concelho, consegui encontrar a Igreja de Nossa Senhora do Cabo aberta. Confirma-se que o seu interior é bonito e é pena que não esteja mais vezes aberta para podermos admirar, em especial, a maravilha que é o seu tecto. Com pinturas em “trompe l’oeil” de motivos alegóricos marianos, a obra foi levada a efeito por Lourenço da Cunha, cerca de 1740, e é um dos melhores trabalhos do género do período Joanino. No mais, em estilo maneirista, possui capelas laterais entre arcos de volta perfeita, um coro alto sobre pilares, diversas telas com pinturas religiosas e altar em talha policroma, seguindo o estilo do barroco nacional, encimado pelas armas de Portugal. Uma beleza.

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