O percurso pedestre circular “Senhora das Neves”, integrado na Rota Vicentina, tem início e fim algures no concelho de Odemira. Podem-nos dizer que fica lá para Colos, um pouco adiante da Ribeira do Seissal de Baixo e um pouco para lá da Ribeira do Seissal de Cima. É um facto que todas estas povoações estão no mapa – a propósito, Ribeira do Seissal quer referir-se a lugares e não a um curso fluvial – mas para lá chegarmos desde Odemira (ou Vila Nova de Milfontes) vamos primeiro ao Cercal, já no concelho de Santiago do Cacém, e voltamos ao concelho de Odemira, passando por estradas de asfalto mal amanhadas. Ou seja, não é para lá do sol posto, mas não há de ser muito diferente.

A coisa promete ainda mais quando, já deixado o asfalto das Ribeiras do Seissal, entramos numa estrada de terra batida e um trio de ovelhas tresmalhadas começa por nos estranhar e encarar de forma firme, como se fosse o guardião da terra. No cimo da colina que se levanta à nossa frente está a Ermida de Nossa Senhora das Neves e, vendo que vamos por bem, lá nos deixam passar.
Está visto que este percurso pedestre de 5, 8 ou 13 quilómetros (à escolha), toma o nome da Ermida pertencente a um santuário que terá sido construído no século XVIII (a Ermida é posterior) e que ainda hoje é lugar de romaria todos os anos a 5 de Agosto. Diz a lenda que Nossa Senhora terá aparecido no alto de uma serra entre Colos e o Cercal. Então, decidiram os crentes erguer uma capelinha em homenagem ao facto no sopé da colina, aí indo juntando as pedras para a sua construção. Acontece que, ao dia seguinte, as pedras teimavam em aparecer no alto da colina, pelo que, decidiu-se construir aí a capelinha, empreitada mais difícil, mas o lugar onde Nossa Senhora terá aparecido.


É num cruzamento largo, com espaço para estacionar, que deixamos o nosso carro e começamos a caminhar pelo interior. Num piso fácil, “de pé posto”, de tal forma que, percebemos logo, até passam carrinhas pick-up com destino ao seu labor, vemos mais umas ovelhas largadas à sombra de um sobreiro, agora para lá de uma cerca. E, bom, com esta primeira imagem fica apresentado em parte o lugar onde estamos ou, melhor, a sua economia: agropecuária e extracção de cortiça.

Seguimos pela zona de montado, por uma paisagem pacata e bonita ao som do canto dos passarinhos, e avistamos uma casa abandonada. Será parte de um monte alentejano, aquele símbolo arquitectónico tão marcante da paisagem da região e que com ela se confunde. Com efeito, o monte é a tradicional forma de exploração agrícola do sudoeste da Península Ibérica e terá a sua origem na Idade do Ferro, há 2500 anos, época da passagem dos fenícios por aqui. Embora quisesse de alguma forma cortar com o modelo fenício, acaba por ter bem vincadas as suas influências mediterrânicas. Nestas habitações brancas, de terra e pedra, dispersas e até isoladas, as famílias tinham de garantir a sua autonomia. Daí que a proximidade de linhas de água ou pelo menos a possibilidade de se captar água do subsolo fosse essencial – lembram-se do nome Ribeira do Seissal? Podemos não a ver, mas é seguro que este ou algum outro ribeiro ande por aqui.


Por altura desta casa abandonada podemos virar à esquerda e iniciar a subida à colina da ermida, fazendo o percurso mais curto. Optamos por seguir mais um pouco, com o objectivo de fazer o percurso intermédio de 8 quilómetros, e não nos arrependemos. Com efeito, passada a Herdade da Figueirinha (onde está instalado o Ecoturismo da Figueirinha, com cabanas e glamping como alojamento – que cena estranha, e da qual prescindia, ver um cenário tipo safari africano em montado alentejano) abre-se um vale lindíssimo com uma zona de várzea. Mais um sinal de água e de fertilidade, ideal para a agricultura e para as ovelhas e outros animais pastarem. É pelo meio da várzea que temos de atravessar para seguir o percurso intermédio, pelo que foi inevitável assustar as ovelhas que, certamente pouco habituadas a humanos a passear nos seus domínios, rapidamente dispersaram. Mas fica o cenário inesquecível, de um verde profundo.

Daqui havemos de passar por uma zona florestal, um caminho estreito de sobe e desce, apenas um interregno na paisagem mais pura. Porque logo de seguida entra-nos pelos sentidos um segundo vale incrível. Uma paisagem ondulante, como se saltasse de um cume para o outro, onde não faltam umas pitorescas casinhas brancas a pontuar o cenário. Esta caminhada foi efectuada no Inverno, onde as flores e suas cores estão longe da exuberância, mas onde, por outro lado, os vales atingem o seu tom de verde mais sensível, graças às chuvas.


É a partir deste vale, onde prendemos ainda a atenção aos ramos grossos desnudos dos sobreiros, que começamos a subir até ao topo da colina onde mora a Ermida de Nossa Senhora das Neves. Subida extenuante, mas agradável pela paisagem altaneira e desafogada que promete a cada passo. Lá em cima, junto ao marco geodésico a 277 metros, diz-se que se vê todo o concelho de Odemira. Em dia de chuva e nublado, como o que nos tocou, não se chega a tanto, mas vê-se o suficiente para compensar não apenas a subida mas toda a jornada: para um lado são vistas de serra, numa sucessão de montinhos com vegetação que se atropelam uns aos outros, e para o outro são vistas de planície, onde descobrimos mais um monte abandonado.


O lugar do Santuário é pequeno e para além da capela e do miradouro tem uma zona de piqueniques. Diz que por aqui existem vestígios de antigas muralhas defensivas do período islâmico, mas não as conseguimos perceber.

E, bom, a partir do topo só resta vir por aí abaixo, mas desta vez com prazer, pelo tanto de belo que pudemos viver neste percurso que elegemos com um dos mais bonitos dos percursos interiores de Odemira.
Mais uma partilha muito interessante!
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