Bordeira é a pitoresca aldeia do concelho de Aljezur onde tem início este percurso pedestre circular de 6 ou 13,5 quilómetros, integrado na rede Rota Vicentina. Optámos pelo percurso mais extenso, deixando-nos guiar do interior até ao mar para, de caminho, conhecer zonas de várzea, vales, colinas, dunas, falésias e pinhal. Mais ou menos por esta ordem, muitas vezes repetindo-se e / ou tudo ao mesmo tempo. É, sem exagero, uma das caminhadas mais bonitas e completas que se pode fazer pela região.


Partimos, então, de uma zona interior (mas pouco), a aldeia da Bordeira. O seu nome é uma conjugação das palavras “borda” e “ribeira” e com isso fica em parte geograficamente apresentada, próxima do mar e da ribeira. À chegada vindos de Aljezur, a estrada já nos mostra a sua bonita implantação, um casario branco aninhado no sopé de diversos cerros. As diferentes tonalidades de verde percebem-se desde logo: verde mais escuro do arvoredo plantado nos cerros e verde mais claro da vegetação rasteira dos vales. Vagueamos pelas poucas e estreitas ruas da aldeia, à qual não falta uma pitoresca igreja e edifícios cuidados e decorados com bom gosto, e subimos até ao miradouro.

Feita esta primeira manobra de exploração, logo convencidos do muito de grande que nos aguardaria, descemos novamente à aldeia e saímos em direcção à estrada para nos embrenharmos pela várzea da ribeira da Bordeira. Alguns pedaços de terra estão cultivados com pequenas hortas mesmo à beira da aldeia, mas a partir daqui entramos num mundo totalmente diferente, mais profundo e isolado. Para diante, um extenso manto relvado absolutamente verde, como só os dias após chuvadas podem dar. Para trás, um conjunto de cerros ondulantes que se sucedem na paisagem. As ovelhas parecem mostrar surpresa à nossa passagem, elas que não estarão senão habituadas a este ambiente tão recolhido e pouco batido.



Lá vamos, então, pela várzea, atravessamos a ribeira, ficamos rodeados de cerros e dedicamo-nos a apreciar os cogumelos e as flores dos arbustos.


Até que chegamos a um monte que parece abandonado e em ruína. É o Monte do Bordalete, o lugar onde devemos inverter a marcha caso queiramos ficar-nos pelo percurso mais curto.


Não queremos e por isso subimos no terreno, deixando o monte lá em baixo com vários dos seus cães a latir, num eco quase assustador. À medida que subimos em direcção ao marco geodésico da Mesquita, instalado a pouco mais de 100 metros de altitude, a paisagem torna-se ainda mais grandiosa. Os cerros continuam lá, mas agora descobrimos um extenso e bonito pinhal escondido entre eles e o mar: já se avista o areal da praia da Bordeira. É pena que a visibilidade não fosse das melhores, mas em contrapartida as cores mais escuras do Outono / Inverno não deixam de dar um outro encanto às árvores.


Já no topo da falésia, observamos a costa atlântica para norte e para sul. Percebemos a Arrifana e o Pontal da Carrapateira e ficamos a imaginar o Cabo de São Vicente.

Durante cerca de 3 quilómetros caminhamos sobre a arriba da Carrapateira, um campo dunar suspenso sobre o mar que apresenta uma diversidade incrível. Desde logo pelas suas plantas, algumas delas exclusivas desta costa. Os sentidos apuram-se, não apenas pelas formas e cores que nos são dadas a ver, mas também pelos cheiros que inundam o ar graças à perpétua-das-areias, murta, zimbro ou rosmaninho.



E, depois, pelo terreno que pisamos, ora xistoso ora calcário. Umas vezes escuro, outras mais claro e outras ainda coberto de vegetação. Sem falar da brancura do areal da Praia da Bordeira / Carrapateira, o mais largo e longo do concelho, lugar da foz da ribeira.



Num dia pouco soalheiro, são estas características que mais chamam a atenção, apesar do recorte da costa e o azul do mar estarem lá na mesma. Daí que por alturas desta praia não deixemos a companhia da costa com lamento. Adentramos novamente pelos cerros e vales, passamos por mais um monte abandonado e desta vez aguarda-nos uma outra surpresa: o Pinhal do Bordalete.



Assente em areias, esta área com cerca de 40 hectares de pinheiro manso é um lugar de uma beleza inesperada. Primeiro vemos com deleite as copas verdíssimas dos pinheiros emaranhadas umas nas outras ao longo do breve declive dos cabeços, algumas com 100 metros de altura, e, depois, caminhamos sob elas, num ambiente protegido e com o seu q de mistério. Desconhecendo a data da sua criação, sabemos no entanto que foi plantado para exploração de pinha e de madeira e que esta seria das melhores madeiras de pinho do país e ideal para a construção naval. E para além da sua qualidade cénica, este pinhal é igualmente importante por se situar junto a um corredor migratório de aves.

E à saída do Pinhal estamos novamente no monte que julgáramos abandonado. Agora os cães já não latiam e saiam tranquilamente para acompanhar o gado a pastar. Devo dizer que foi um susto vê-los (aos cães) assim tão perto, sem barreiras, mas logo percebi que o pastor estava por ali. Isto de caminhar sozinha tem alguns momentos de maior temor e os meus acontecem quase sempre na presença de cães. Boa desculpa para atrair a atenção do pastor, assim ganhando a simpatia dos seus animais, e para me deixar ficar à conversa com ele. É um dos últimos resistentes enquanto habitante de um monte, a tradicional forma de exploração agrícola da região que já não convence os mais novos. A dureza desta vida rural e o distante que está do nosso mundo moderno pode ser medida não apenas na degradação do edificado deste monte, mas também no rosto rugoso do homem e no ar rude dos seus cães. E aqui penso que o prazer de viajar está em ir ao encontro do inesperado, de uma vida diferente daquela que levamos no dia-a-dia citadino. E nada melhor do que uma caminhada para nos proporcionar isso. Em anos de pandemia, tive(mos) que prescindir de viajar para fora de Portugal, algo a que estava habituada a fazer desde a juventude e que, por isso, estranho. Mas daí a afirmar que quedar-nos pelo nosso país é não sair da zona de conforto porque a cultura é sempre a mesma é mostrar que, na verdade, conhece-se pouco de nós mesmos. Este é um Algarve a um par de quilómetros daquele procurado por gente de todo o mundo, em especial gente do norte da Europa em busca do calor, das praias e das ondas, sem chegarem a aperceber-se que a grande diferença é a distância cultural. E, assim como as ondas e a luz do nosso Inverno são tão estranhas para esses povos do norte, assim estes montes decadentes habitados pelos últimos pastores não podiam estar mais distantes do nosso mundo urbano alfacinha.


Lá seguimos uns quantos metros à conversa, o pastor e eu, enquanto o gado vagueava solto pelo belíssimo vale. Depois despedimo-nos, o pastor continuando no seu labor, eu no meu passeio. A última parte deste percurso é feito junto à ribeira da Bordeira, a qual não se chega a perceber muito bem. Com árvores e arbustos altos, típicos da galeria ripícola que costuma acompanhar as margens dos cursos fluviais, não vemos a sua água, mas percebemos que ela está ali pela singularidade da fértil várzea. Depois de atravessar cerros e vales, um campo dunar sobre a falésia na Costa Vicentina e um pinhal frondoso e formoso, é a imagem desta várzea da Bordeira, que abriga ainda modos de vida tradicionais que merecem ser registados, que mais levamos na lembrança.
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