Em pleno século XXI, o Lumiar é ainda lugar de quintas e palacetes, a meio caminho entre a cidade e seus subúrbios. Apesar do retalho, transformação e novos usos dados à esmagadora maioria das suas quintas, permanece o ambiente rural e de veraneio que fez com que a nobreza o buscasse desde há séculos. É neste contexto que chega até nós o Parque Botânico do Monteiro-Mor com os seus Palácio de Angeja (hoje Museu Nacional do Traje) e Palacete do Monteiro-Mor (hoje Museu Nacional do Teatro e da Dança). Anteriormente inserido no núcleo antigo do Lumiar, este é o resultado da junção de várias quintas (pelo menos 7) ao longo dos tempos, que de propriedades dos nobres chegaram às mãos do Estado. Parque e museus têm entrada quer pela muito recolhida Estrada do Lumiar quer pela muito frequentada Calçada de Carriche (com entrada gratuita aos domingos e feriados até às 14:00).

O Parque Botânico do Monteiro-Mor é uma maravilha encravada nesta cidade de características diversas e até opostas. Já no seu interior, num terreno declivosos que aproveita o vale onde foi instalado, a dado momento percebemos como estamos (bem) encaixados no meio de uma vegetação exuberante rodeada a uma confortável distância da urbanização que foi crescendo solta à volta de Lisboa.

Comecemos pelo princípio. A entrada pelo Largo Júlio Castilho, junto à Calçada de Carriche, deixa-nos no terreiro do Palácio Angeja. Construído no século XVIII pelo 3° Marquês de Angeja, aproveitando as estruturas onde haviam habitado anteriormente os freires de Avis, é um edifício de dois pisos de fachada pombalina com um interior que preserva apontamentos decorativos que gostamos de admirar em palácios: tectos, azulejos, pinturas. A intenção dos seus primeiros proprietários era a de instalar um Museu de História Natural anexo ao palácio. Esse projecto não foi adiante, mas o da plantação do parque botânico sim. Foi logo por volta de 1750 que diversas espécies tropicais e aves exóticas foram aqui desenvolvidas, num projecto atribuído ao botânico italiano Domenico Vandelli, tendo-se-lhe seguido a instalação de chafarizes e estatuária. Resultado? Em 1793 este parque botânico era já considerado como um dos três mais bonitos jardins de Lisboa.



Voltando ao palácio, durante a primeira invasão francesa foi usado como quartel-general do General Wellesley e em meados do século XIX, já após a sua aquisição pelo 2.º Duque de Palmela (e subsequentes obras de restauro no palácio e jardim com adaptação ao gosto romântico da época), foi palco de bailes e recepções, incluindo em honra da rainha D. Maria II. Todavia, após a II Grande Guerra Mundial o palácio Angeja-Palmela foi transformado em colégio religioso de belgas refugiadas e em 1976 o Estado Português acabou por adquirir a Quinta do Monteiro-Mor, incluindo Palácio Angeja, Casa do Monteiro-Mor, jardim botânico e zona verde com 11 hectares, tendo aberto o parque ao público e adaptado o Palácio Angeja a Museu Nacional do Traje em 1977 e adaptado a Casa do Monteiro-Mor a Museu Nacional do Teatro em 1985.

Deixado o terreiro do Palácio Angeja para trás, somos conduzidos por uma alameda com vegetação exuberante com a escultura de Caim como testemunha.

E logo chegamos ao largo com pequeno lago onde está instalado o pavilhão neogótico que originalmente servia de viveiro de aves e hoje é o restaurante do museu.

Este é um patamar superior, com um varandim com pilares encimados por vasos decorativos, debruçado sobre um imenso emaranhado de árvores de várias espécies que se estendem ao longo do vale encaixado onde o parque está instalado. Destaque para a Araucaria Excelsa, plantada em 1842 junto ao tanque dos leões (o que faz dela a mais antiga do país), e para os plátanos centenários.

Não menos emblemática será esta árvore feita seta apontada aos céus.


Prosseguindo neste patamar superior, que nos transporta até uma das alas do Palácio – onde se avista a torre da capela -, são inúmeros os lagos e tanques que vamos vendo desfilar abaixo, no patamar inferior. O parque foi construído em socalcos e desenvolve-se em vários patamares, sendo a água um elemento essencial. Aliás, uma linha de água que o atravessa é fundamental, não tanto como elemento cénico, passando despercebida antes de se adentrar a mata, mas mais como elemento estruturante e funcional. A cascata que dá para o lago maior, por exemplo, é por ela alimentada.


A área envolvente a este lago maior é um lugares mais bonitos do parque: lago e tanques, cascata, relvado, canteiros, vegetação exótica, escadarias, tudo elementos que conferem um enorme poder cénico, bem ao gosto romântico da época. Entretanto, mais recentemente, foram-lhe adicionadas outras esculturas, incluindo a “Janela de Soror Mariana”, de João Cutileiro.


Voltando a subir para o patamar acima dos lagos, aguarda-nos a Casa / Palacete do Monteiro-Mor, hoje Museu Nacional do Teatro e da Dança. Junto à Estrada do Lumiar, e com entrada por ela, o terreiro de calçada apresenta-nos um edifício setecentista com uma fachada principal delicada, em estilo neoclássico, restaurada no século XIX para adaptá-la ao gosto romântico. Foi nessa época que a Casa do Monteiro-Mor foi incorporada, juntamente com outras quintas vizinhas, no complexo do que é hoje o Parque Botânico. O jardim de buxo, com um pequeno lago ao centro e roseiral, desenvolve-se ao longo da fachada lateral barroca deste palacete.

Descendo por um caminho que se descobre rompendo pela vegetação, damos por nós na mata do Parque. Logo percebemos que esta mata é enorme e invade-nos uma súbita vontade de nela nos perdemos. É aqui que descobrimos a ribeira que atravessa a propriedade e as pontes de madeira que nos permitem passar de uma margem à outra.


Para logo darmos de caras com uma área de prado. Os tons de verde são diversos, assim como diversos são os ambientes e as características do Parque. Tudo isto é resultado não apenas do aproveitamento da morfologia do terreno, mas também do microclima aqui sentido que permite o desenvolvimento de vegetação luxuriante.


As possibilidade de caminhos continuam, deixando-nos quase sempre imersos nessa vegetação. Dá a sensação de que poderíamos aqui ficar um dia inteiro sem pisar os mesmos trilhos, tão grande é este Parque Botânico. Sorte de quem aqui conseguiu um talhão na horta comunitária, desculpa perfeita para voltar repetidas vezes.
