O Vale do Tua está diferente. Melhor ou pior, não interessa. A Natureza, poderosa, impõe-se sempre, mesmo que o Homem teime em moldá-la. E o Vale do Tua é disso um bom exemplo e se um dos últimos rios selvagens de Portugal está agora domado, nem por isso deixa de merecer a nossa visita.

O rio Tua é o resultado da junção do rio Rabaçal e do rio Tuela, dois rios que nascem na vizinha Espanha e invadem Portugal por Montesinho. A menos de 4 quilómetros a norte de Mirandela, junto ao Parque de Campismo Três Rios Maravilha, decidem unir-se e correr juntos para sul durante 40 quilómetros até se encontrarem com o rio Douro na povoação de Foz Tua. Nesse caminho, o Tua vai rasgando um vale quase sempre estreito e nos quilómetros finais incrivelmente encaixado nos montes graníticos que tão bem definem a paisagem desta região. Uma “dantesca penedia”, como o descreveu Sant’ Anna Dionísio no volume dedicado a Trás os Montes e Alto Douro do Guia de Portugal. Rio e montanha, água e pedra, eis os elementos que fazem a nossa felicidade.



Habitado desde há muito, as suas gentes adaptaram-se a este território agreste e nem sempre fácil de transpor. Por vezes, em alguns pontos utilizavam engenhosas formas de ligação por cabos para atravessar o rio de uma margem para a outra. Mas o engenho maior veio com a construção da Linha do Tua, a primeira linha ferroviária de via estreita a atravessar o território transmontano em direcção a norte. Inaugurada em 29 de Setembro de 1887, na presença do Rei D. Luís, a sua construção foi extremamente difícil, uma aventura e um prodígio de engenharia. A partir de 16 de Outubro de 1884, data em que se iniciaram os estudos para a obra, houve que adaptar este território acidentado, furando as escarpas graníticas e empoleirando carris em precipícios para ligar Foz Tua a Mirandela, enquanto o rio lá seguia rebelde pela esquerda. 1047 pessoas trabalharam a bom trabalhar e 18 mortos e 59 feridos depois foram erigidos 2 viadutos, 5 pontes, 8 pontões, 6 túneis, 207 aquedutos e 161 muros de suporte. Considerada uma das mais bonitas linhas de comboio do mundo e frequentemente comparada às dos Alpes Suíços, este esforço permitiu a quem fez a viagem pelos seus carris imergir no rio e no vale desde a janela do comboio. Tua (km 0), Tralhariz (km 4,3), Castanheiro (km 7,6), Santa Luzia (km 13,4), São Lourenço (km 15,6), Tralhão (km 17,8), Brunheda (km 21,2), Codeçais (km 25,1), Abreiro (km 29,3), Ribeirinha (km 33,9), Vilarinho (km 37,6), Cachão (km 41,9), Frechas (km 45), Latadas (km 48,5) e, enfim, Mirandela (km 54,1). Mais tarde, em 1906, a linha foi estendida a Bragança, troço abandonado em 1990. O encerramento do troço de Foz Tua havia de seguir-se. A decisão do encerramento da Linha do Tua já vinha sendo discutida há muito. As alternativas de transporte mais rápidos entretanto surgidas, o despovoamento do território e a consequente diminuição da procura do comboio e os acidentes dos últimos anos determinaram o encerramento definitivo da Linha do Tua em 2008 – desde aí, as pessoas (locais ou meros viajantes), o vinho e o azeite não mais se deslocaram e transportaram por estes carris. No entanto, é hoje claro que o plano de construção da barragem no Tua não foi alheio àquela decisão.

Anunciada em 2006 e inaugurada em 2011, a Barragem de Foz Tua teve como resultado imediato a submersão dos primeiros cerca de 16 quilómetros da Linha do Tua. Nem de propósito, estes eram os mais espectaculares de toda a linha, aqueles que para vencer a estreita garganta granítica eram compostos de túneis seguidos de túneis, curvas e contracurvas e carris com precipícios como vizinhos imediatos. Houve quem tivesse caracterizado estes primeiros quilómetros como uma verdadeira aula de geologia.



Está visto que o progresso não se coaduna com cenários abruptos, agrestes e bravios. E, assim, o vale do Tua tornou-se outro. Com o enchimento da barragem o nível da água subiu e alargou-se mais, não correndo já tão apertado, e muito do que se via antes ficou submerso, como carris e túneis. O rio selvagem cresceu e como homem maduro engordou. A paisagem ficou mais tranquila.



Mas nada se perde, tudo se transforma. Deu-se o fim do comboio, chegou a barragem e, em compensação, criou-se o Parque Natural Regional do Vale do Tua em 2013. Cinco concelhos juntaram-se com o fito de dinamizar o parque (com cerca de 25 mil hectares) e a região. Alijó e Murça (distrito de Vila Real), Carrazeda de Ansiães, Vila Flor e Mirandela (distrito de Bragança) tem cada um a sua porta de entrada no Vale do Tua, o lugar oficial onde podemos conhecer e interpretar cada concelho deste território precioso e o património e as tradições que lhe estão associadas. Em Foz Tua, em especial, lado a lado com a Porta de Carrazeda de Ansiães, fica o Centro Interpretativo do Vale do Tua, que nos apresenta e mostra interactivamente o Vale, a Linha e a Barragem.


A forma mais fácil de conhecer o Parque do Vale do Tua é através de automóvel próprio, mas há que parar repetidas vezes para contemplar a paisagem num dos seus miradouros artísticos, observar as aves e as estrelas e caminhar vale afora, aproveitando um dos 12 percursos pedestres homologados. A paisagem natural é rainha, sim, mas à boleia do rio e da água, do granito e do xisto, dos sobreiros e das oliveiras, descobrimos uma região onde também a arqueologia e a cultura são uma surpresa que nos enriquece.