O Jardim do Campo Grande é hoje central na cidade de Lisboa, mas nem sempre foi assim. O então Campo de Alvalade era um arrabalde baldio da capital que apenas nos finais do século XVII começou a ser ocupado com a construção de alguns palacetes. Só a partir dessa época se pensou em projectos como a implantação aí de uma grande zona arborizada, sobretudo para acolher corridas de cavalos, e a sua transformação em passeio público.

A ideia de passeio público para o Campo Grande, ainda hoje uma das entradas de Lisboa, acabou por vingar e desde o princípio do século XIX tem vindo a ser objecto de diversas alterações, acomodando-se a cada época que lhe toca viver, pelo que ao longo da história não podemos falar em um jardim do Campo Grande, antes de vários jardins do Campo Grande.

O Jardim do Campo Grande é o maior espaço verde do centro de Lisboa. Desde o Campo Grande a Entrecampos são cerca de 11 hectares ao longo de 1,5 quilómetros com 200 metros de largura, interrompidos brevemente pela Avenida do Brasil. Espaço aberto, a sua entrada monumental é feita a norte, no Campo Grande, poderosamente simbolizada com as estátuas dos reis D. Afonso Henriques e D. João I. É nesta zona que podemos ainda hoje testemunhar dois exemplos de palacetes de outrora, o do Palácio Pimenta e o do Palácio do Conde de Vimioso.

De inspiração romântica, daqui seguem alamedas e bosques com espécies arbóreas diversas, algumas exóticas (como plátanos, acácias, amoreira de papel, figueiras, pimenteiras, tílias, jacarandás), por onde noutros tempos caminhavam elementos da alta sociedade lisboeta e onde hoje passeia todo o povo dessa mesma sociedade. Árvores de grande porte providenciam sombras perfeitas para nos recolhermos em dias mais quentes, seja a ler um livro, a jogar à bola ou a namorar. Os lagos ajudam a compor o cenário idílico.

É do lago principal, aquele por onde podemos andar num barco a remos à volta de uma pequena ilha, que guardo umas das mais remotas recordações de infância. O meu pai, que já antes do episódio acontecido no princípio dos anos oitenta era o meu herói, passou desde aí a ser também o herói de mais alguém, nomeadamente da senhora gorducha que insistiu em se levantar no barquinho flutuante e caiu à água do lago. Com o pai já enxuto, devemos ter seguido para beber qualquer coisa na esplanada da Casa do Lago, o edifício de pedra que compõe a paisagem deste pedaço do Jardim.



Um outro símbolo do Jardim do Campo Grande é o Caleidoscópio. Projecto do arquitecto Nuno San Payo, datado de 1971, este edifício foi construído para servir como posto de recepção turística e logo transformado em centro comercial, tendo acabado por passar pelas ruas da amargura – tal como o Jardim, mal frequentado e perigoso durante anos. Mas hoje lá segue firme e formoso na sua arquitectura hexagonal, acompanhado do seu igualmente icónico painel em cerâmica na fachada, da autoria de Maria Emilia Silva Araújo. Com a requalificação levada a efeito em 2016 preservaram-se estes elementos e foi acrescentado ao edifício uma pala na vertente virada ao lago. E o espaço foi transformado em Centro Académico, numa parceria da Câmara Municipal de Lisboa com a Universidade de Lisboa, funcionando como que uma extensão do Campus Universitário. O Jardim do Campo Grande é ladeado não apenas por várias faculdades da Universidade de Lisboa, mas também pela Universidade Lusófona. Se acrescentarmos a estes espaços académicos a companhia da Torre do Tombo (lá mais adiante na Alameda da Universidade, quase a chegar à Reitoria), a Biblioteca Nacional, o Museu de Lisboa e o Museu Bordalo Pinheiro, fácil é verificar que daqui resulta uma verdadeira centralidade educativo-cultural.



Atravessada a Avenida do Brasil, na parte Sul do Jardim aguardam-nos mais caminhos arborizados. E outro lago com linhas sinuosas como alguns dos caminhos do jardim e arredondadas como as formas da escultura que descansa a sua beira (“Infância”, de Sam).


São vários os elementos escultóricos ao longo do Jardim e, para além desta e das estátuas dos reis no topo norte, podemos ainda ver bustos de homenagem a figuras como Rafael Bordalo Pinheiro e Luísa Todi, os “Potros” e “Mulher vendo-se ao espelho” junto à Casa do Lago e a escultura contemporânea “Ao Jardineiro da Cidade”.

Mais interessante, por aliar a vertente escultórica à vertente lúdica, integrado no projecto sob a temática “Conhecimento Matemático”, a requalificação da parte Sul do Jardim trouxe novos elementos, como a Curva Loxodrómica de Pedro Nunes e as referidas linhas sinuosa do lago, que mais não são do que arte matemática denominada “As Pontes de Konigsberg no Lago”.

Junto ao lado Sul ficava a antiga piscina do Campo Grande, aquela que insistia em baralhar as braçadas dos nadadores do Sporting por ser estranhamente arredondada em alguns pontos. Hoje o espaço foi requalificado e deu lugar a um ginásio da marca Go-Fit, acrescentando outras valências à piscina.

Um dos lugares mais concorridos do Jardim é o quiosque vermelho e sua esplanada, virados à Avenida da Igreja. Este é mais um lugar para nos deixarmos estar neste longo e versátil Jardim. No entanto, não esquecendo a sua fortíssima faceta recreativa, não nos podemos ir embora sem referir que para além de o Jardim ser constantemente atravessado por corredores no seu jogging, para além de campos de jogo informais temos ainda à nossa disposição campos de padel, parque de merendas e até um parque canino, o primeiro de Lisboa.
Para além da História da sua edificação e sucessivas transformações, constantes do artigo, relembrar o espaço de lazer que este jardim representa no seio de Lisboa, é boa informação contra o sentimento de vulgarização deste bonito e útil espaço urbano.
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Muito obrigada pelas simpáticas palavras. Boas viagens e leituras 🙂
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