Continuando pelo Rio Mira Acima

Anteriormente fizemos de caiaque 10% da extensão do rio Mira, 14 dos 140 km do seu curso. Da foz, em Vila Nova de Milfontes, para montante, até à Casa Branca, aproveitando a enchente da maré. Como decidido quando acabámos esse troço, em breve faríamos o troço seguinte, Casa Branca até Odemira. E assim foi.

Num dos dias mais quentes do ano, chegamos ao ponto de partida, o cais da Casa Branca, e não há ponta de vento. O rio está espelho, vestido de gala para nos receber. O céu cinzento e a temperatura alta e abafada logo de manhã. Pomos o caiaque na água e começamos a jornada. Entre o céu e o rio passamos a estar nós, que, suavemente, iniciamos a remada e o deslize leito acima. Toda a atmosfera está envolta numa grande serenidade. O único ruído a acompanhar-nos é o barulho das pagaias a entrar na água e o chilrear das aves.

Neste troço, o leito do rio estreita-se em relação ao que percorremos na etapa anterior. Tudo é natureza. As margens são marcadas pelo ecossistema de sapal e verifica-se pouca presença humana, com excepção de dois pares de construções.

Por momentos paramos de remar e deixamo-nos ir suavemente na corrente, enquanto observamos a beleza que nos rodeia e assistimos ao voo e sinfonia das aves. Fechamos os olhos e é silêncio que ouvimos. Ocorre-nos a música Pra Ninguém de Caetano Veloso, na qual elenca músicas de alguns dos maiores da música brasileira para concluir “melhor do que isso só mesmo o silêncio” e rematar “e melhor do que o silêncio, só João”. O João é o João Gilberto. Apesar da genialidade do criador da Bossa Nova, naquele momento, temos a certeza que não há nada melhor do que o som do silêncio.

A jornada vai serena, mas de repente entra um vento frontal intenso que interrompe toda a paz. A nossa atenção agora é toda dedicada ao esforço de remar e de nos mantermos junto à margem direita, menos fustigada pelo vento. O rio, mais encaixado, vai serpenteando e algumas curvas protegem-nos do vento.

O leito do rio abre mais quando passamos pela zona de várzea abrangida pelo trilho Troviscais ao Mira da Rota Vicentina. Vislumbramos os juncais, caniçais e os reservatórios de água de um antigo moinho, mas também os canais de rega. O esforço da remada continua. Os salpicos de água que nos chegam através da entrada das pagaias na água transformam-se em linhas de sal que percorrem os nossos corpos. As margens voltam a ser mais encaixadas e o leito do rio mais estreito. O trajecto fluvial faz-se com algumas curvas mais apertadas e a galeria ripícola mais densa envolve-nos. O vento continua, mas o traçado mais sinuoso serve como proteção e praticamente já não o sentimos.

Chegamos à reta final e começamos a entrever Odemira. É bonita vista do meio do rio. Avista-se o casario branco, que se desenvolve pela encosta, e a ponte pedonal com a sua forma moderna. Mais atrás fica a ponte metálica construída no século XIX. Começamos a dirigir-nos para a margem esquerda, onde se localiza o cais inserido no recentemente criado pólo náutico de Odemira. O tempo continua cinzento, o vento fustiga. Não fosse o calor imenso acharíamos que estávamos no meio de uma tempestade. Puxamos o caiaque para fora e reparamos que todo o corpo está sulcado por sal. É impressionante o grau de salinidade do rio a mais de quatro dezenas de quilómetros da foz.

Estamos felizes de ter completado a jornada, que em alguns momentos antecipámos que seria penosa tal o vento contra. Aos 14 km que fizemos de Vila Nova de Milfontes até Casa Branca, juntamos mais 18 km (percurso no Wikiloc aqui), deste ponto até Odemira. 32 km dos 140 km. O objetivo foi cumprido, mas já temos um novo, percorrer de caiaque de Odemira para montante, até o rio ser navegável. Dizem-nos que são cerca de 8 km. Já está na agenda continuar a desfrutar deste rio maioritariamente alentejano.

2 Comments Add yours

  1. Uma boa aventura!👍

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    1. É aproveitar o que a natureza do nosso país nos dá 🙂

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