Bretanha, a Costa Esmeralda

Sempre com vista para o Monte Saint Michel, que acabáramos de visitar, entrámos na Bretanha por Cancale. As cores do mar estavam irreais, mais próprias do imaginário de um qualquer recanto do Mediterrâneo. Já tínhamos lido o nome pelo qual é conhecida a costa bretã que vai de Cancale a Cap Fréhel, mas só diante dela percebemos o quão acertado é o epíteto “Costa Esmeralda”.

A parte oriental da Bretanha, região nortenha de França vizinha da Normandia, é a “Armor” dos celtas. Já aí haviam estado séculos antes, mas o século V trouxe a sua vinda definitiva. Expulsos das terras do outro lado do Canal da Mancha pelos anglo-saxões, foram levados a procurar refúgio na Bretanha e dela fizeram a sua casa, designando-a por “Armor”, a terra ao lado do mar. Muito antes, tribos neolíticas bretãs deixaram menires e dolmens, a atestar o povoamento antigo da região, e os romanos também por ali andaram. Depois disso, não foi sem tormento e disputa que os celtas mantiveram o seu reino na Bretanha, sempre contestado por ingleses e franceses, e só definitivamente integrado no reino de França em 1532. Porém, foram os celtas que fizeram com que a Bretanha tenha mantido uma identidade regional própria e separada, uma terra de misticismo, orgulhosa das suas tradições e da sua cultura. A cultura bretã, reconhecidamente parte integrante de uma cultura celta mais lata que abrange a Irlanda, País de Gales, Escócia, Cornualha e Galiza, vê-se e sente-se em muitos aspectos e, sobretudo, na música, na gastronomia e na língua. Os nomes nas placas na rua não deixam dúvidas, estamos na Breizh.

Voltando à costa da Bretanha / Breizh, podemos dizê-lo agora que é tudo menos monótona; é acidentada e cheia de recortes, com baías e vilas piscatórias e com palacetes ou castelos a dado passo. Apesar dos resorts da “Belle Époque”, é relativamente pouco concorrida e dona de uma beleza natural selvagem. Diz que a parte ocidental, conhecida por Finisterra, é-o ainda mais, e ficámos com curiosidade de a descobrir, quem sabe um dia a caminhar ou a pedalar parte da GR34, 2000 kms desde o Monte Saint Michel a St Nazaire, já perto de Nantes.

Cancale, na Baía do Monte Saint Michel, é a porta de entrada na Costa Esmeralda e é considerada o reino das ostras. Do alto do Pointe du Hock começámos por observar os berços de ostras implantados no mar junto à costa. Inebriadas pela cor da água, hesitámos em descer logo, tentadas em percorrer a corniche na direcção contrária, onde se sentia uma tranquilidade incrível. Mas não, deixámos a caminhada para mais tarde e fomos ao encontro das ostras.

Entre descer, piscar o olho a um chalet acastelado no caminho, perceber a diferença entre as diversas ostras nas várias bancas do Marche aux Huitres (ficámos a saber que há ostras que são criadas por 4 anos) e sentar junto ao mar vimos que os berços de ostras já lá não estavam. Ou melhor, estavam, mas haviam sido submersos num ápice pelo encher da maré, a tal que é a maior e mais rápida da Europa. Se tivéssemos chegado naquele momento, não suspeitaríamos que ali pudessem estar.

O costume em Cancale é comprar um prato com muitas ostras – são baratas – e sentar com vista para o Monte Saint Michel a degustá-las, saboreando o mar. Soa a idílio e é mesmo. Depois, é só deixar cair as conchas das ostras no chão ao nosso lado, fazendo da areia um castelo de ostras.

Cancale é uma vila cuja parte baixa fica junto ao mar e onde à volta da baía se dispõem uma série de edifícios pitorescos. Em granito, o material típico da Bretanha – em termos arquitectónicos percebemos de imediato uma evidente diferença estética entre os edifício normandos e bretães, no geral.

E a parte alta de Cancale merece também um passeio, com ruas e edifícios bonitos e uma ligação à tal corniche que nos maravilhou e voltaria a maravilhar.

Até ao Pointe du Grouin, a norte de Cancale, a beleza penetrante daquela água entre o azul e o verde permanece. Uma série de rochedos e ilhotas compõem o postal. Não falta a vista para o Monte Saint Michel e para as ilhas Chausey. Este Canal da Mancha é uma surpresa. Mágico, até.

O panorama para ocidente não é menor, mas o sol não o permitia perceber em toda a sua grandeza.

Daqui seguimos em direcção à Saint-Malo, sempre pela costa. O número de enseadas no caminho vai multiplicando-se à mesma rapidez que a maré sobe por estas paragens. Passamos pelo sítio natural da Plage du Verger, com a sua igreja e lago pantanoso e bonito areal.

E, depois, pela Plage du Guescin com a sua ilha rochedo com forte / palácio a boiar a muito pouca distância de terra firme.

Quando chegámos à Baía Havre de Rotheneuf já estávamos completamente seduzidas e dificilmente aceitaríamos que pudesse haver lugar ainda mais bonito. E não é que há?

As expectativas para o dia seguinte só podiam ser altas. Visitaríamos Saint-Malo, Dinard e Saint Lunaire, balneários charmosos, concorrentes da Côte d’ Azur, os mais procurados da região. Mas antes jantaríamos uma galette, prima direita do crepe, e ao pequeno almoço provaríamos a manteiga do Le Beurre Bordier, à venda na La Maison du Beurre de Saint-Malo. Com duas noites na cidade intra-muros, deixaríamos para o dia seguinte a vista do pôr-do-sol na mais carismática das cidades da Costa Esmeralda. O que não esperávamos é o que os dias seguintes amanhecessem sem se ver nadinha. Um nevoeiro tão cerrado, provavelmente típico das zonas costeiras, que não permitia que se visse de um edifício para o outro, quanto mais imaginar que pudesse haver uma baía a 5 metros de nós. E foi assim por dois dias inteiros, sem levantar nevoeiro por um momento sequer.

Da Saint-Malo intra-muros recordaremos apenas a geometria das suas ruas ladeadas por edifícios enormes de fachada igual – as “corsaires” -, de 6/7 pisos, com características chaminés rectângulares não menos altas. E, apesar de não termos conseguido sequer ver a torre da Catedral Saint Vincent, felizmente no seu interior não havia nevoeiro que incomodasse a magnífica beleza do vitral acima do altar.

Cidade de corsários, piratas e, depois, armadores (terão feito fortuna com os barcos capturados), a cidade intra-muros foi construída durante dois períodos distintos: os muros originais entre a Idade Média e o final do séc XVII e as expansões desde 1708 a 1744. Apesar de nada se vislumbrar no horizonte, insistimos em caminhar pelos 1754 metros de muralhas que rodeiam a cidadela. Possui várias torres e bastiões e diz que especialmente desde a Torres Bidouane e o Bastião Hollande as vistas são magníficas. Diz que há por aqui também uma série de fortes e ilhas (na ilha e Fort du Petit Bé está a tumba de François René de Chateaubriand, escritor nascido na terra) e uma piscina da “Belle Époque” entre a areia e o mar (na Plage de Bon Secours) – a esta vi-mo-la nos postais e cartazes que abundam pelas lojas de souvenirs da região. Deve ser verdade.

E, sobretudo, diz que há um canal azul entre Saint-Malo e Dinard, a foz do Rio La Rance – mas também não o vimos. Insistimos, igualmente, em caminhar pela promenade de Dinard, desde a Plage du Prieure até à Plage de l’ Écluse, aquela onde está a estátua de Hitchkock e onde Picasso pintou os seus veraneantes (que haveríamos de ver no Museu de Belas Artes de Rennes). É parte do Chemin des Peintres de la Côte d’ Emeraude (Caminho dos Pintores da Costa Esmeralda), uma promenade-museu com 25 kms entre Lancieux e La Richardais, onde vários artistas são evocados.

A bela baía entre Dinard e Saint-Malo (deu, ainda assim, para confirmar que sim, é bela) está protegida pelos ventos e ao longo dela uma série de vilas e chalets estão pendurados nas falésias cobertas de vegetação. O idílio continua. É uma surpresa encontrar aqui tanto verde, plantado propositadamente à data da construção da promenade, em 1931, resultando numa vegetação tipicamente mediterrânea, com destaque para umas árvores com uns ramos tão dobrados que têm de ser artificialmente suspensos. Na baía, diversos barcos tentavam igualmente aguentar-se e não afundar na maré baixa. O cenário, mesmo sob nevoeiro cerrado, é muito bonito.

Já nem nos demos ao trabalho de seguir até Saint Lunaire ou ao Cap Fréhel, fazendo antes um desvio (já previsto) para Saint Suliac. Poucos quilómetros de afastamento da costa, sem deixar o estuário do rio La Rance, e voltámos a sorrir junto com o céu azul. Primeiro junto ao moinho de maré Moulin du Beauchet, o último em funcionamento no La Rance, até 1980, e também motivo de pintores.

Depois, no cimo do Mont Garrot, também acompanhado por um moinho (mas de vento), o Moulin de la Chaise. Este é o ponto mais alto da região, a 72 metros, e lugar de algumas lendas, como a de ser nele que está enterrado o gigante Gargantua, para além de vestígios de um acampamento viking e minas de quartzo. E é também um bom lugar para uma caminhada no meio da surpreendente floresta. Melhor ainda, do Mont Garrot temos uma panorâmica soberba para Saint Suliac e sua baía do Estuário de La Rance.

Saint Suliac é considerada uma das mais bonitas vilas de França. A sua igreja é uma das mais antigas da Bretanha e foi em tempos uma aldeia piscatória – está cheia de pormenores nas casas relativos a esta actividade e é famosa a imagem das redes nas suas fachadas de granito, embora não as tivéssemos visto. Foi um prazer caminhar pelas suas ruas e, depois de tantas promessas no dia anterior, ver finalmente as expectativas de paisagem esmeralda cumpridas.

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