Abu Simbel, na fronteira sul do Egipto com o Sudão, é um dos sítios mais espectaculares. Construído por Ramsés II em honra de si próprio e da sua amada, Nefertari, são dois templos enormes escavados numa montanha sobre o Nilo. Impressionante e inesquecível a fachada do templo principal, com as quatro colossais estátuas do faraó.

Ramsés II, da 19ª dinastia do Império Novo, foi um faraó guerreiro, famoso por ter assinado com o rei hitita Hattusil III o primeiro pacto de não agressão da história. Governou durante 66 anos e desde o início do seu reinado levou a cabo uma campanha de construção de templos na Núbia, no sentido de projectar a reputação do poderio do Egipto a sul e reforçar a ideia de império. As montanhas de arenito da Núbia eram ideais para este tipo de construções, mas ainda assim parece uma obra de outro mundo a transformação de uma montanha inteira como a que ocorreu aqui entre os anos de 1274 e 1244 a.C.

Abu Simbel tinha caído no esquecimento, perdido sob as areias do deserto, até que em 1813 Johann Ludwig Burckhardt, explorador suíço, o terá descoberto por acaso e mencionado o facto a Henry Salt, cônsul britânico no Egipto, e Giovanni Battista Belzoni, aventureiro italiano que trabalhava para ele. Há quem diga que foi este último o verdadeiro descobridor de Abu Simbel, tendo sido ele que acabou por escavar o sítio em 1817. As gravuras dessa época com o templo tomado pela areia são impressionantes e inesquecíveis.

Mas a história do sítio não termina aqui. Em 1968, mais de 3000 anos depois, os dois templos de Abu Simbel voltaram a ser inaugurados. A construção da nova barragem de Assuão, a Grande Barragem, implicou a inundação do lugar original onde os templos estavam instalados, pelo que tiveram de ser mudados uns metros de sítio. À semelhança do Templo de Philae, a enorme operação de salvamento após pressão da Unesco teve a sua direcção e acompanhamento, e a partir de 1964 levou ao desmonte de aproximadamente 1042 blocos que, após deslocados, foram depois montados na sua nova posição, 64 metros mais acima e 180 no interior. Os dois novos montes, cada um para o seu templo, têm hoje o topo coberto de areia e pedras para parecer que são montes naturais, tal como aqueles onde os templos foram originalmente escavados. Dito isto, pode pensar-se que, assim, Abu Simbel perde a sua graça; mas não, o sítio é mesmo espectacular, quer em termos de localização quer de escala. E está inscrito na lista de Património da Humanidade da Unesco desde 1979.


A entrada é monumental, com o Nilo transformado em novo Lago Nasser e duas enormes montanhas à sua beira, cada uma com a fachada escavada e decorada directamente na rocha com as ditas estátuas de Ramsés II.

O primeiro dos templos de Abu Simbel é o Grande Templo Ramses II e terá levado 20 anos a construir. A sua fachada fabulosa tem 4 colossais estátuas de Ramsés II, cada uma delas com 20 metros, mas uma delas colapsou ainda na Antiguidade em consequência de um terramoto. Aqui se apresenta desde logo a força do faraó, fazendo crer a quem chega que o verdadeiro deus do templo era o próprio faraó – sim, o faraó via-se como um deus, representação habitual no Antigo Egipto. Ainda nesta fachada, vêem-se vários membros da família sentados aos pés de Ramsés II, incluindo a sua mãe Tuy, sua mulher Nefertari, 2 dos filhos mais velhos e 6 das suas filhas.





Após demoradamente nos deslumbrarmos com a magnificência e imponência desta fachada, entramos no templo e passamos a admirar o seu Grande Hall com 8 estátuas pouco menos colossais do mesmo Ramses II, agora representado na forma do deus Osiris. As paredes do templo estão decoradas com cenas militares onde o rei é mostrado vitorioso sobre os hititas na Batalha de Kaddish. E o tecto deste Grande Hall está decorado com figuras de falcões, simbolizando o Deus protector Nekbhet, e suportado por 8 colunas com estátuas de Ramsés II (sempre ele). E as outras salas têm decorações de cenas rituais do rei e vários deuses, com Ramsés II e Nefertari frente a deuses e a barcas solares. Já no santuário sagrado vê-se Ramsés II e uma tríade de deuses sentados no trono.

Este Grande Templo é ainda caracterizado por um fenómeno astronómico curioso. A cada manhã, o sol ilumina primeiro uma fileira de babuínos sentados que têm os seus braços erguidos em adoração ao sol. Acontece que em 2 dias do ano, a 22/2 e a 22/10, os raios de sol penetram o templo e iluminam os rostos das estátuas de Ramsés II dentro do sacrário.

O segundo dos templos de Abu Simbel é o Templo de Hathor, mais pequeno e também dedicado a Nefertari, mulher e amada de Ramses II. Nefertari, de significado “a mais bela”, era uma das 92 mulheres do faraó e se estas não estiveram todas presentes na inauguração do templo, certamente aí esteve a favorita e a sua corte de escravos núbios. E Hathor é a deusa da maternidade, amor, fertilidade e música. A fachada está decorada com mais estátuas colossais de 16 metros, 4 representando Ramsés II e 2 Nefertari, que aparece numa escala comparável à do seu marido, uma honra única que mostra bem o amor do faraó por ela. Nefertari está representada com as vestes da deusa Hathor e os pilares têm capitéis com a representação bovina de Hathor. Vêem-se ainda estátuas dos seus filhos entre as pernas de ambos. O interior tem um hall com 6 pilares representando a deusa Hathor e paredes decoradas com cenas do rei e da rainha e deuses e deusas.



A viagem de Assuão até Abu Simbel não é curta nem fácil. São mais de 4 horas de carro numa risca de alcatrão roubada ao deserto, o suficiente para acomodar duas faixas de rodagem. Na ida não se vê mais do que o nascer do sol, uma vez que a esmagadora maioria dos autocarros e vans sai às 4 da madrugada e por isso é provável que a viagem seja passada a dormir (e, sim, vão todos chegar praticamente ao mesmo tempo, pelo que indo em transporte privado pode escolher-se a hora e apontar a chegada a partir do meio da manhã, tendo os templos muito mais vazios – cuidado com o calor, porém). É na viagem de regresso a Assuão, já com a claridade do dia, que percebemos o completo deserto que nos envolve. A areia cobre ambas as margens da estrada e para lá das bermas inexistentes erguem-se múltiplos montes de pedra, como se de pirâmides se tratasse – é inevitável recordá-las, já que estamos na terra das mais famosas delas, o Egipto, e vindas da fronteira do país com a maior quantidade delas, o Sudão. Estes montes, uns maiores e outros mais pequenos, são quase sempre formosos e são uma quebra na monotonia da paisagem. É muito raro encontrar um pedaço de verde e louvam-se os esforços para ter aqui agricultura – vêem-se os pivots de rega que costumamos ver no Ribatejo, uns poucos montinhos de palha empilhados, um canal de rega desviado ao Lago Nasser, mas não se crê que esta tentativa agrícola seja bem sucedida; é a aridez que marca a paisagem. E o calor extr

A estrada não tem muito movimento, apenas autocarros e vans com turistas e camiões de transporte de bens e de material de construção. Por vezes, o horizonte preenche-se com a miragem de ver a água (sabemos que a barragem está para lá, mas ainda vai longe) e, juntamente com os montes de pedra e a areia, dá a impressão de um conjunto espelhado reflectido, ficando sem saber se é imagem real ou ilusória, qual espécie de oásis no deserto. E esta bandeira plantada no deserto, terá sido também ilusão?
