O que mais seduz na capital eslovena é a sua absoluta tranquilidade, mesmo se as ruas estreitas e margens do rio se enchem de pessoas que, tal como nós, não resistem a aproveitar o tempo de verão que ilumina a já de si bonita e carismática Liubliana. Ajuda que o centro histórico seja exclusivamente pedonal. E ajuda que tenha sido planeado ao pormenor por um genial arquitecto local que será certamente lembrado por muitos séculos, Joze Plečnik de seu nome.

Muito antes dele, porém, outros tiveram a feliz ideia de se instalar na bacia do rio Lublianica. Diz a lenda que a cidade foi fundada por um antigo herói grego que venceu um dragão na nascente do rio, tornando-se o dragão símbolo da cidade desde a época medieval. Na verdade, razões mais práticas terão levado à escolha do lugar, como a existência de um rio navegável e uma rara possibilidade de passagem neste vale entre montanhas no cruzamento de rotas comerciais. Com efeito, a geografia das “Portas de Lubliana” fez com que esta bacia constituísse a mais baixa passagem natural entre as montanhas dos Alpes Julianos, a norte, e as montanhas dos Alpes Dináricos, a sul, numa época em que os romanos conquistavam novas terras nos Balcãs e na Panónia.
No século 1 os romanos fundaram Emona, a antecessora de Lubliana, a colónia mais a nordeste do império, tendo durado até ao século 6. Um poço romano na Praça do Congresso resiste como testemunho dessa época e numa rua pouco acima o Museu da Cidade de Liubliana (Mestni Muzej) conta-nos a sua história ao longo dos tempos, pré e pós-romana, passando pela vinda dos eslavos que dão nome à nação, pela cidade medieval comercial ocupada por mercadores e guildas e pelo domínio dos Habsburgos, até chegar ao turbulento (para toda a Europa) século 20 que trouxe o fim de uma dinastia que já durava há 600 anos, uma reunião de repúblicas eslavas sob o nome Jugoslávia e, por fim, o reconhecimento formal de um estado independente: a Eslovénia, com capital em Liubliana. Em resumo, esta é cidade de mistura de culturas e de muitas influências: romana, germânica e eslávica e, até – sente-se no ar – um q de Mediterrâneo. Mas o que não mudou desde há dezenas de milhares de anos foi a natureza que a circunda e domina, um rio ladeado de muitas áreas verdes sob a vigilância cerrada das montanhas próximas dos Alpes de Kamnik – Savinja. Aliás, há várias hipóteses para o nome “liubliana”, duas delas ligadas a esse rio: uma vinda do termo latim “aluviana” – de significado rio inundado – e outra da palavra Ljubíja – nome inicialmente dado pelos eslavos ao rio.
Em 1895 um violento terramoto destruiu a cidade. E poucos anos depois uma nova cidade emergiu sob os planos de Joze Plečnik (1872-1957). Embora influenciado pela Grécia, Roma e Egipto, o arquitecto esloveno focou-se mais no futuro do que no passado para criar espaços e lugares na cidade com que os seus habitantes se pudessem identificar, acompanhando-os da vegetação e da natureza e ligando estas à arquitectura.

O rio é um elemento preponderante neste planeamento, um elo de ligação íntima entre cidade e habitantes, e isso sente-se na perfeição no Breg – a margem do rio Liublianica que na época medieval servia de porto -, mas sobretudo no Pier Trnovo, com o seu desenho de terraços sob árvores que servem de bancos que convidam a sentar a ler ou tão só a sentir a beleza do lugar. Pura poesia.


Para além do rio e das árvores, a cidade criada por Plečnik trouxe marcos como a Ponte Tripla (Tromostovje) e a Ponte dos Sapateiros (Čevljarski most). Esta última destaca-se pelas suas colunas e a primeira por ser isso mesmo, um conjunto de três pontes. No seu lugar havia uma ponte medieval, mas com a reconstrução da cidade em 1914 foram-lhe acrescentadas duas outras, uma de cada lado a distância próxima, de forma a ligar o velho centro ao novo centro. A Praça Preseren está mesmo à sua beira, com a estátua do maior poeta da nação em destaque juntamente com a rosinha igreja Franciscana.

Para norte segue a rua Miklosiceva com os seus edifícios em arte nova, para ocidente a cidade moderna com praças mais largas, edifícios públicos e museus e para leste a colina do Castelo sob a qual se aninha o centro histórico.

Antes de o adentrarmos, logo surge destacado sobre o rio o Mercado Central, construído entre 1940 e 1942, um longo edifício com colunatas e arcadas que mais parece um templo na água – Plečnik pretendia que desempenhasse as funções da antiga Ágora, um espaço público central.

A Catedral de São Nicolau está logo ali, com as suas portas belamente esculpidas em bronze.


O prazer de caminhar pelas ruas estreitas deste centro histórico pedonal e compacto não é menor do que fazê-lo com a companhia do rio. Cheio de esplanadas, restaurantes e lojinhas, passamos pelo edifício da Câmara Municipal e sua praça (Mestni trg) para, pouco depois, desembocarmos em nova praça acolhedora (Stari trg). Este é o coração de Lubliana.


A excepção à planura da cidade é a subida ao castelo, estrutura defensiva construída originalmente no século 11 e que três séculos mais tarde passou a servir de residência aos duques da Carniola. Imediatamente somos envolvidos por uma densa vegetação para que no alto da colina possamos perceber melhor a sua fantástica situação geográfica, um enquadramento perfeito de uma planície envolvida por montes. Aplausos.




E se subimos, agora teremos de descer. Mas Plečnik criou como que uma ligação simbólica entre o Castelo e o Parque Tivoli, do outro lado do rio, passado por diversos edifícios públicos. O mais excepcional deles é o da Biblioteca Nacional e Universitária, para muitos a obra-prima de Plečnik e da arquitectura eslovena. A fachada é uma junção de tijolo e pedra muito cénica, mas é o seu interior que arrebata. Uma escadaria com colunas monumentais em pedra local parece transportar-nos para um lugar religioso ou místico, mas essa austeridade que não intimida transforma-se na sala de leitura num ambiente totalmente acolhedor.


A Praça do Congresso e o Parque Zvezda estão próximas, zona central da cidade moderna. Esta longa praça é encimada pela Igreja Ursulina, tem o bonito edifício da universidade no meio e uma vista para o Castelo nas suas costas.

Para lá dela, depois de passarmos pelo portal do edifício da Assembleia Nacional carregado de esculturas, fica uma série de museus numa área muito sossegada, como o Museu de Arte Moderna, a Galeria Nacional e o Museu de História Nacional, bem como a arquitectura contrastante da Igreja Metodista Cirílica. Como a cidade é pequena, houve tempo para os visitar a todos e assim conhecer mais da história e cultura eslovenas.


Assim como fizemos questão de caminhar sem pressas pelo Parque Tivoli, o maior parque da cidade e uma zona verde de excelência em qualquer lugar. Com muitos caminhos à escolha, incluindo alguns que nos levam à colina Rožnik, este parque que começou a ser desenhado em 1813 englobou as duas mansões já existentes e acrescentou-lhe um lado, um jardim de rosas, esculturas, a promenade Jakopič e uma série de infra-estruturas desportivas e recreativas.

E não deixámos Lubliana sem visitar algo totalmente diferente do que havíamos visto até aí. Para os lados da Estação, na Metelkova Mesto encontrámos um nicho urbano com uma cultural alternativa vibrante e criativa, materializada na profusão de graffitis e street art e bares e clubes, que inundam um quarteirão que anteriormente estava ocupado por uma série de barracões do exército abandonados. O Museu de Arte Contemporânea fica também por aqui, fazendo desta zona uma nova centralidade cultural.
E terminámos o nosso passeio por Lubliana novamente junto ao rio, para um fim de tarde / noite em mais uma esplanada ao fresco. E concluímos que é impossível não gostar de Liubliana, da sua beleza inata e construída e da sua boa disposição eterna.