Os Alpes de Kamnik – Savinja são uma das três cordilheiras de montanhas da Eslovénia. Ficam no norte do país, na fronteira com a Áustria, e o seu nome alude à cidade de Kamnik e ao rio Savinja. Para quem chega à Eslovénia de avião, as vistas logo no aeroporto são o mais incrível cartão de visita que se pode receber. Montanhas e vales são o que nos espera, numa região que mesmo com a forte concorrência do Bled e do Triglav foi a que mais nos arrebatou.

Kamnik, a 15 minutos do aeroporto internacional e a pouco mais do que isso de Lubliana, é uma vila alpina que vem da época medieval, altura em que era um florescente centro de comércio com famílias nobres residentes.


Terra de lendas, igrejas e castelos – um numa colina acima da povoação (Mali Grad) e outro num monte mais alto do outro lado do rio (Stasi Grad, em ruína) – a povoação possuiu como que dois centros: um ao redor de uma mimosa praça com igreja nas traseiras e outro ao longo da elegante rua Stuna também com direito à sua igreja. A vista da colina do Mali Grad é grandiosa, com os telhados vermelhos das casinhas de Kamnik enquadrados por um festival de cumes, alguns dos quais passam os 2000 metros de altitude. Velika Planina anda por ali e vamos até lá.


Antes, porém, seguimos até ao fim a estrada pelo vale do rio Kamniška Bistrica para encontrar a nascente deste rio numa lagoa com água cor esmeralda, vigiada de perto pela pitoresca Capela Maria de Lurdes.
De volta à estrada, em cinco minutos estamos junto ao teleférico que nos deixará no planalto de Velika Planina. Há várias formas de lá chegar: depois de caminhadas com início em diferentes pontos (com mais ou menos pendente, mas sempre com duração superior a três horas) ou através do teleférico e, depois, cadeirinhas (mais cara, mas mais rápida). Optámos por esta última, deixando a caminhada somente lá para cima, no planalto.

Velika Planina, “montanha grande”, é um lugar fabuloso, literalmente para trás do sol posto. Veja-se: o teleférico no vale de Kamniška Bistrica está a 540 metros de altitude, Simnovec – paragem do teleférico – a 1400 metros e Zeleni Rob – paragem das cadeirinhas e início do planalto – a 1600 metros. As diferenças são abissais e a ligação do teleférico é vertical rumo a uma autêntica parede rochosa. Ultrapassada esta parede, vemos que muitos outros picos nos cercam, enquanto nós ficamos num terreno relativamente plano formado pela acção das rochas sedimentares e da chuva, neve e gelo que ao irem dissolvendo o calcário deram neste aplanamento do relevo. Foi este pedaço de mundo que há séculos os pastores escolheram para trabalhar e viver, uma planície calcária com cerca de 1000 hectares e 7 assentamentos de pastores entre os 1200 e os 1667 metros de altitude – uma das mais antigas e maiores áreas de pastagem na região alpina eslovena.

Aqui chegados decidimos, então, seguir o trilho circular oficial “Velika Planina – Nos Passos dos Pastores” de forma a melhor conhecer o património histórico, cultural e espiritual deste lugar onde o pastoreio ainda resiste e a paisagem natural é rainha. Desde o primeiro ponto, após a saída das cadeirinhas em Zeleni Rob, vão surgindo diversas placas interpretativas que nos explicam o dia a dia dos pastores, desde a ordenha das vacas, o pastoreio ou a confecção do queijo. A primeira surge logo no ponto de maior altitude do percurso, a 1667 metros, no alto de Gradisce, um miradouro natural onde sentimos toda a harmonia de Velika Planina.

Já na povoação principal, precisamente designada Velika Planina, encontramos exemplos da arquitectura tradicional, casinhas de madeira muito típicas e até uma pitoresca capela isolada num alto, a Capela Maria das Neves. As vacas estão por todo o lado e não se incomodam minimamente com a nossa presença. Apesar de serem muitas, já foram mais: em 2015 eram 380 cabeças de gado, mas em 1875 eram 560. Servem sobretudo para a produção de carne, sendo a de leite complementar.



É possível provar a comida local numa das casinhas improvisada como restaurante: papa com pedacinhos de carne, leite azedo ou prova de queijos são as opções.

Depois de visitarmos a Capela – de fora, uma vez que estava a acontecer missa à nossa passagem, levando uma dezena de locais ao culto – seguimos até Mala Planina, povoação vizinha situada a um pouco mais baixa altitude, igualmente com casas tradicionais e vacas. Se Velika significa grande, Mala significa pequena.

Este planalto alto dos Alpes é uma excepção à floresta que cobre quase toda a Eslovénia, ficando acima da linha das árvores. O pastoreio de gado e a exploração intensiva da madeira acabaram por fazer com que em Velika Planina haja ainda menos árvores, e o que é natural a partir dos 1800 / 2000 metros acontece aqui entre os 1500 / 1600 por força da acção humana. Ainda assim, passámos por uma zona de floresta, sobretudo com faias e pinheiros-larício, cujos ramos estão muitas das vezes moldados pelas difíceis condições climatéricas, como o vento e a neve pesada. O clima por aqui muda com frequência, pelo que é provável que mesmo no Verão se apanhe frio e chuva – como nos tocou.


As paisagens para as montanhas são simplesmente incríveis, com poderosos e impressionantes picos com mais de 2500 metros para lá do nosso vale de Kamniška Bistrica. De tal forma que optámos por não voltar nas cadeirinhas, descendo ao invés a montanha até ao teleférico de forma a poder ganhar mais tempo com a companhia destas vistas.

De volta à estrada, prosseguimos caminho por um outro vale paralelo ao anterior, agora o do rio Savinja. Depois de uma série de quilómetros acompanhados por este rio, num vale sempre estreito com montanhas altas a espremer a estrada, à chegada à povoação de Sočalva deixámos o rio e tomámos a Rota Panorâmica Sočalva.

Esta vem descrita como “a rota com as vistas mais bonitas” e em relação a ela só lamentamos ter passado a correr. Sabemos hoje que deve ser visitada com tempo, não apenas para a percorrer de carro, mas também para explorar as diversas quintas da região, provando a comida e o acolhimento local, e assentar no vizinho Vale Logar e aí fazer umas caminhadas por este lugar recolhido do mundo. De qualquer forma, é verdade, as vistas dos maciços rochosos e dos vales é uma daquelas que por mais anos e experiências que vivamos jamais se esquecerão. Grande parte do território é floresta, mas alguns picos são rugosos e desprovidos de vegetação, dando ao cenário um dramatismo ainda maior. E, depois, sobe-se a bem subir, quase se tocando no céu, para logo se voltar a descer e encontrar um vale glaciar encantado como o de Logar, ao qual não falta sequer uma cascata com 105 metros de altura, a Rinka, embora com pouca água do rio Savinja na altura da nossa visita.


A Rota Panorâmica Solčava é, então, uma estrada nem sempre asfaltada com início na povoação de montanha de Solčava e fim junto à capela no início do Vale Logar. Tem 21 kms e 12 pontos de interesse em que um personagem criado para o efeito, o miúdo pastor Kristof, nos guia pela natureza e tradições da região que, diz a lenda, foi misteriosamente criada pelo dragão Lintver. (na verdade, há mais 3 estradas / desvios que perfazem um total de 37 kms e 20 pontos de interesse). Há várias quintas no percurso, exemplos seculares da vida em harmonia com a natureza, sem receio do clima adverso e tempestades e, ao invés, uma enorme atracção pelo poder das montanhas. O ponto 4, por exemplo, é na Quinta Rogar, a mais alta da Eslovénia, num cenário dominado pelo Monte Olseva e seus picos, parte da cadeia montanhosa Karavanks. Pouco abaixo na estrada, um pequeno lago tem até uma cadeiras à sua beira para que possamos admirá-la em estilo.


O ponto seguinte é na Igreja do Espírito Santo de Podolseva, que com emoção à mistura já vínhamos avistando de longe.

E depois de uma nascente de água mineral emersa na floresta vem o ponto 7 junto à quinta Klemensek, o mais bonito e esperado de todos, com uma vista soberba para o Vale Logar.

Já lá em baixo, onde chegámos ao fim da tarde, limitámo-nos a conduzir e admirar pela janela o maior vale glaciar dos Alpes de Savinja, em forma de U e formado aproximadamente há 10 mil anos. O rio Savinja corre a uma altitude de “apenas” 740 metros acompanhado de altas montanhas, todas acima dos 2000 metros. Um cenário que combina picos rugosos com prados verdejantes e que mais parece ter sido criado por um artista. Não anda longe da verdade, a mãe Natureza é a sua criadora.