O dia amanheceu, mais uma vez, na Roça de São João dos Angolares. A localização é soberba. A simpatia está no lado oposto. O filho do dono é muito inconveniente. Porém, não vale a pena determo-nos com o que não interessa.
Avançamos para sul. Se São Tomé é remoto e simples, o sul ainda mais. Por isso mesmo, ainda em São João dos Angolares, abastecemos o jipe como nunca o fizemos na vida, numa casa de um local que nos coloca no depósito alguns litros de gasolina vinda directamente de uma garrafa de vidro. Os postos de gasolina ficaram todos para norte.
Para sul tudo rareia, menos a beleza e a surpresa.
O pavimento das estradas é, em alguns troços, péssimo. Mas quem se chateia quando se tem uma paisagem de uma grande beleza?
Povoações deixam de existir. Cruzamo-nos com, talvez, três.
Pelo meio rodeia-nos a natureza e o verde. O qual passa dos coqueiros para o palmeiral, que está na base do imponente Pico do Cão Grande, para voltar aos coqueiros e a outras árvores.
Pela estrada vamo-nos cruzando com algumas pessoas, a meio das suas actividades profissionais, todas ligadas à natureza. À extracção do que a natureza dá. Algumas dessas pessoas parecem-nos apresentar um ar duro. O sorriso sempre presente na cara quando passamos e acenamos, em alguns momentos, dá lugar a um semblante carregado. Antecipamos trabalhos e vidas difíceis.
Continuamos. Com o sul como destino. A estrada faz-se de curvas, sempre rodeadas pela vegetação. Poucas vezes se consegue perscrutar o mar.
Chegamos a uma, das poucas, povoações, que pelo mapa, porque quase nunca há sinalização, intuímos que se designa Novo Brazil, onde, enfim, avistamos o mar.
Paramos o carro, junto a uma ponte que atravessa um rio, o qual a poucos metros há-de desaguar no mar. A nossa perspectiva é sair e tirar umas fotografias. Ainda estamos no momento de executar esse desígnio e, pelo retrovisor, acompanhamos a corrida dos miúdos em direcção ao nosso carro. “Doce-doce!!!”, gritam em uníssono. Rodeiam o jipe e perguntam o que temos para lhes dar. Mais uma vez, só acenos, palavras e sorrisos. Assim o fazemos. Para de seguida seguirmos viagem.
Chegamos a Manzala. Um dos poucos povoados no nosso percurso. Sentimos que é ainda mais pobre que o que vimos anteriormente. Fazemos a rua principal, que corresponde à EN2 e divide a povoação, ao ritmo local. Devagar, bem devagar. Respeitando o atravessamento dos porcos e das galinhas, as brincadeiras dos miúdos, ao som da música que vai saindo dos rádios dos locais.
A seguir chega Porto Alegre, povoado mais importante, por ser um pólo piscatório. Impressiona pela simplicidade. As construções são muito humildes e as estradas fazem-se de lama. Chega a ser difícil perceber qual o caminho a seguir. Tudo parece pouco.
Perguntamos aos locais, todos nas ruas, provavelmente porque as casas não se fazem de conforto, qual o caminho a tomar.
A economia local gira à volta da pesca e dos passeios ao Ilhéu das Rolas. Interpelam-nos diversas vezes a perguntar se queremos ir ao Ilhéu.
O pouco vira muito. Surpreende ver quantidades enormes de peixe a secar. Uma das matérias primas de preparação do calulu, prato típico São Tomense.
De Porto Alegre para sul a estrada vira caminho. O jipe é essencial.
Chegamos à praia Inhame, nosso poiso nas próximas duas noites. Não resistimos e, a correr, entramos nas águas cálidas da praia, a qual fica mesmo à frente do nosso bungalow. Deixamo-nos estar a banhar e a fazer snorkeling. O tempo pára. Tudo o que interessa passa-se debaixo de água. Naquelas águas azuis transparentes.
Explorada por dentro, fazemos o reconhecimento de todos os cantos da praia, numa passeata a pé areal fora. Toda a atmosfera deslumbra. Muito. Coqueiros, areia branca, mar azul, são elementos que marcam a paisagem.
À frente fica o Ilhéu das Rolas.
Em modo de praia, pelo sul, conhecemos também a Jalé e a Piscina. Mais mergulhos sem fim. A Jalé é uma praia mais remota e agreste. Já virada a oeste, o mar é mais agitado. A observá-lo apenas os coqueiros que marginam o seu areal.
A Piscina é especial. Surge-nos a questão praia ou piscina? Para a resposta sair pronta, Praia Piscina.
Por aqui não há ninguém. Só nós e a natureza. Uma paz. Uma beleza fantástica.
À noite voltamos à Jalé para ver a desova das tartarugas. Agora, para além de nós, e de uma portuguesa que nos acompanha, temos a companhia de dois fiscais das tartarugas. Ah, e da gata Jalé e de uma lua quase cheia. Esse luar, demasiado brilhante, em conjugação com uma maré muito cheia, não correspondem às condições ideais para as tartarugas virem a terra desovar. Luar demasiado brilhante para as tartarugas, porque para nós constitui apenas uma pequena luz no meio da imensa escuridão que envolve toda aquela natureza, bem distante da civilização.
Apenas vimos as tartarugas bebés a fazerem o, difícil, percurso para a água. A sobrevivência é difícil. Em média, em seis, apenas uma sobrevive. São presas fáceis.
Foram lançadas doze, já com dois meses. Torcemos para que a sua caminhada seja feita com sucesso.
Regressamos ao Inhame. Num primeiro momento, lentamente, com a orientação da lua e dos mínimos do jipe, para não perturbar a trajectória das tartarugas. De seguida com os máximos, que iluminam a picada rodeada de coqueiros. Respiramos felicidade. Tudo ali é lindo e exótico.