A EN2 tem início em Chaves e dificilmente poderíamos desejar começo mais feliz para uma jornada que se espera inesquecível.

Antes de nos metermos à estrada em direcção a sul há que passear nesta que é uma das mais bonitas, históricas e singulares povoações portuguesas. A Ponte de Trajano, da época romana, com os seus incríveis reflexos no rio Tâmega, encaminha-nos praticamente até à Rua Direita, o coração da urbe medieval. O centro histórico está bem conservado e é único no colorido das varandas, janelas e portadas de madeira das suas casas estreitas de dois ou três pisos. Quase todas elas possuem varandas avançadas sobre as ruas, uma forma de rentabilizar o pouco espaço interior das casas, dando uma imagem bem típica e castiça a Chaves.


Por aqui fica o Castelo de Chaves, elegante na sua Torre de Menagem. Do seu alto reforçamos a ideia do quão bela é a cidade. E a antiga Aquae Flavie é, claro, a cidade das águas termais, donde não podemos sair sem provar um copo da sua água. Ou do seu presunto. Ou do seu pastel, que aproveitamos para levar uns quantos a pensar no almoço. Depois disto tudo e de uma passagem pelo Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso, com obras de arte do artista flaviense no interior e projecto de arquitectura de excelência (mais uma) de Siza Vieira, é altura de voltarmos a atravessar o Tâmega rumo ao bairro da Madalena, onde numa rotunda encontramos o icónico marco zero da nossa EN2.
E assim iniciamos a primeira de seis etapas da nossa jornada.
A saída de Chaves percorre a Estrada ladeada de muitas oficinas, stands, lojas de pneus e algumas lojas de móveis. A indústria não mora por estes lados. As habitações vão-se prolongando pela Estrada, mas antes de chegarmos ao Vidago ja elas desapareceram.

A vila do Vidago é igualmente famosa pelas suas águas minerais naturais e, sobretudo, pelo seu centenário Vidago Palace Hotel. Ideia ambiciosa do rei D. Carlos, o seu assassinato em 1908 fez com que não chegasse a viver para assistir à inauguração do hotel em 1910. Aliás, nem nenhum outro rei, uma vez que o Palace abriu portas no dia seguinte à queda da monarquia. Não deixou, porém, de ser lugar frequentado pela aristocracia portuguesa e europeia no tempo da “belle époque” e depois dela, lugar central no turismo termal, aproveitando a fama das propriedades terapêuticas das suas águas. O hotel, depois de obras de restauro e renovação, reabriu em 2010 com a novidade da inauguração do novo edifício correspondente ao Spa, projectado por Siza Vieira, que lhe está adossado. Mas o antigo edifício mantém toda a sua elegância com as múltiplas janelas e o interior é de um requinte imenso – inesquecível a sua escadaria dupla. Ao redor do Palace podemos caminhar pelas alamedas do Parque Natural e pelo arvoredo e descobrir as suas quatro fontes, duas delas activas e onde provamos a famosa água.

Mas no centro do Vidago, atravessado pela EN2, vale também a pena uma paragem para pelo menos duas visitas: à esguia Torre do Alto do Côto e à Casa-Museu João Vieira, um centro de arte dedicado à obra do dadaísta que nasceu nesta terra.

As Pedras Salgadas são a próxima paragem. O ambiente e a vivência da terapêutica das águas termais prossegue no seu belo Parque, o qual merece uma caminhada sem pressas. O antigo Grande Hotel está abandonado, quase em ruína, mas o edifício do Casino e a Fonte de Pedras Salgadas (donde provém a Água das Pedras) preservam o esplendor e beleza da sua arquitectura. Pelos seus 20 frescos hectares passamos ainda por outras fontes termais, pelo renovado Balneário Termal, por uma capela, um chalet e um lago e pelas inspiradas eco-houses e tree-houses, completamente envolvidas pela floresta. Deve ser uma delícia dormir num destes alojamentos em que a propaganda do género “venha viver no meio da natureza” não podia ser mais certeira, mas há que seguir caminho pela nossa EN2.

Fazê-mo-lo apreciando os rolinhos de palha artisticamente arrumados à beira da Estrada e não é preciso dela desviar para encontrarmos tractores no caminho ou homens e mulheres com o resultado do seu labor empilhado à cabeça. Esta é uma região que mantém ainda as raízes rurais. Mas é, igualmente, uma região mineira. Minas de ouro que vêm dos tempos em que os romanos por aqui andaram, como a incrível Tresminas e a contemporânea Jales. Não o fiz desta vez, mas vale muito a pena o desvio até Tresminas, onde há anos tivemos oportunidade de fazer uma visita inesquecível que contámos aqui.

A EN2 à aproximação e à saída de Vila Pouca de Aguiar é bonita, com a Serra do Alvão de um lado e a da Padrela do outro. E, sem muito esforço, o nosso castelo do dia entra-nos pelos sentidos adentro. É o Castelo de Pena de Aguiar, à direita do nosso olhar num penedo granítico não muito distante da Estrada. Ao princípio não parece mais do que um amontoado de belas rochas, mas quando subimos a estrada que nos leva até ao cimo e percorremos os últimos metros a pé vamos percebendo que esta era uma fortificação que, resistente, chegou perceptível aos nossos dias. O monte terá sido usado pelos romanos para fins militares, mas foi no século XI que se terá erguido o castelo. Ainda que em ruínas, o lugar é mágico e as vistas grandiosas.

De volta à EN2, agora em direcção a Vila Real, percebemos ainda mais como rolamos entre serras. Vila Real será o lugar do final desta primeira etapa, mas antes de visitarmos a cidade e terminarmos o dia impõe-se um desvio que deve estar presente em qualquer roteiro pela EN2: a visita à Casa Mateus, talvez o ponto mais alto no quesito “património junto à Estrada”.

As origens do Palácio Mateus são mais remotas, mas o edifício barroco de cal branca pontuado pelo cinzento do granito que hoje podemos apreciar é uma criação do século XVIII da autoria de Nicolau Nasoni (o mesmo arquitecto dos Clérigos, no Porto). Mas o espelho de água que o enquadra – a primeira imagem que temos do lugar logo após percorremos a curta alameda carregada de árvores – é obra de Gonçalo Ribeiro Telles, já da década 60 do século passado. A imagem é belíssima, uma verdadeira obra-de arte que dispensa palavras, apenas contemplação. Depois disso, visitamos o interior da Casa (por marcação) e vagueamos pelos jardins. Muito bem decorados com arcos de buxo, canteiros e inúmeras flores coloridas, até um túnel de cedros, é um prazer apreciá-los e, depois, sentarmo-nos a uma sombrinha admirando mais uma vez a fachada traseira da Casa.


E já que estamos por Mateus, vale a pena mais um desvio breve até São Martinho de Anta, a “primeira terra do Douro”, para prestar homenagem a Miguel Torga na terra onde nasceu e onde está sepultado. O Espaço Torga, projecto de arquitectura de Souto Moura, dá-nos a conhecer a sua vida e obra e daqui seguimos com mais vontade de descobrir e conhecer Portugal.
Obviamente, as visitas a estes dois últimos espaços culturais estão sujeitas a horários pré-definidos, pelo que é importante não só planearmos e fazermos escolhas como levantarmo-nos cedo para melhor aproveitar o dia. Então, com dias longos e de calor, nada melhor do que a recompensa de final de dia de um mergulho para refrescar, não? E para isso, nesta jornada, a menos de 10 kms de Vila Real, nada melhor do que a Cascata de Galegos da Serra, em pleno Parque Natural do Alvão. A Ribeira do Arnal vem correndo lentamente, proporcionado vários lugares para molharmos os pés por entre as pedrinhas, mas a determinado momento a água decide cair abrupta no lugar de uma breve falha de uns oito metros de altura, despenhando-se numa piscina natural onde podemos mergulhar e até dar umas curtas braçadas.

De volta a Vila Real, encontramos o seu centro histórico esventrado com obras, a Sé fechada e a Casa de Diogo Cão com um carro vermelho estacionado mesmo à sua porta de propósito para estragar a fotografia. Não faz mal, já conhecíamos Vila Real e sabíamos da sua alteza, cidade carregada de edifícios brasonados. Seguimos para a Pastelaria Gomes e para a Casa Lapão e de cada uma delas saímos com uma crista de galo (doce, ao invés do também típico covilhete, salgado), lambuzando-nos enquanto caminhamos pelas agradáveis ruas pedonais de Vila Real.
(…) que etapa esta na 66 portuguese road. Muito sugestiva esta descrição. A empolgar vontades de conhecer e experimentar este dialogo com a natureza e a história destes lugares. E pensar que, emoções se podem viver..
Nem preciso agendar. Esta experiência partilhada, fica-me na memória e na ansiedade de tb eu, um dia, “turistar” por ali
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