Pela EN2, na companhia de um castelo e de um mergulho

“Viajar, num sentido profundo, é morrer. É deixar de ser manjerico à janela do seu quarto e desfazer-se em espanto, em desilusão, em saudade, em cansaço, em movimento, pelo mundo além.” – Miguel Torga.

Chaves, km 0.

A Estrada Nacional 2 (EN2) começa bem a norte de Portugal, a menos de 10 kms da fronteira com Espanha, terra de contrabandistas, aventureiros por excelência. A EN2 não é bem uma estrada, é antes um conjunto de vários troços, um projecto que 75 anos depois não passa de uma amálgama de estradas, nacionais, regionais, ips, ics, rotundas… Começa numa rotunda em Chaves e termina numa rotunda em Faro, 739 kms depois de muita aventura, de muito caminho. Porque é de um caminho que se trata, nunca de um destino.

Um caminho com início em Trás-os-Montes, a mais distante das províncias portuguesas, o Reino Maravilhoso de Miguel Torga. É por isso que iniciamos este texto com as palavras de Torga, o mais telúrico dos nossos escritores e aquele que mais nos emociona com as suas descrições da paisagem portuguesa. E é por isso que nos fizemos acompanhar da sua obra “Portugal”, desfazendo-nos mais em espanto do que em desilusão por este corte norte-sul quase a direito pelo interior deste nosso rectângulo de terra.

A EN2, criada pelo Estado Novo e integrada no Plano Rodoviário em 11 de Maio de 1945, é a mais longa estrada portuguesa e uma das poucas no mundo a atravessar o país na sua longitude (só nos EUA, com a Route 66, e na Argentina, com a Rita 40, encontramos estrada semelhante). Entre Trás-Os-Montes e Algarve, passa por 11 distritos, 35 concelhos, inúmeras serras, rios e albufeiras. Atravessa povoações, segue por curvas e rectas, sobe e desce montanhas e vales e revela toda a imaginação dos portugueses na arte de dar nome às suas terras. Muito património e tradições do nosso país estão ou à beira da estrada ou a curta distância dela. Uma enorme diversidade, revelada até mesmo na gastronomia: carne de vaca barrosã a Norte, cabrito no Centro, porco no Alentejo, peixe no Algarve. E vinhas um pouco por todo o país, embora muito mais esmagadoramente presentes na região do Douro, em especial no mais cénico troço da Estrada, a subida e logo depois descida de Vila Real ao Peso da Régua. E se levava a ideia de que a EN2 iria atravessar muito mais povoações, nunca como até rolar por ela me tinha apercebido da quantidade de montanhas que irrompem por Portugal. E, depois, claro, todos conhecemos da desertificação do interior do nosso país, mas não pensei encontrar tão pouco tráfego por quase todos os 738 kms da Estrada. Bem sei que está distante das grandes cidades portuguesas e que muitas outras opções mais rápidas lhe fazem concorrência, mas tal revela o insucesso do projecto enquanto empreendimento rodoviário. Resta-nos, e não é pouco, conduzir por ela sem pressas, contemplando a paisagem que nos calhou em sorte receber e, como passatempo, ver desfilar os seus icónicos marcos: uns bem à vista, sim, mas outros enterrados, caídos, em falta, escondidos na erva ou a descansar à sombra de uma azinheira.

A pergunta inicial que se impõe numa qualquer jornada pela EN2 é em quantas etapas a vamos dividir. E a resposta só pode depender do interesse de cada viajante. Podemos deixá-la ao improviso, mas será sempre melhor planear para não perdermos as maravilhas que ela nos oferece. Na verdade, a piada da EN2 é percorre-la, mas também ir desviando, ora à esquerda ora à direita, no mapa deste nosso Portugal. Porque, repita-se, é o caminho que nos interessa, não o destino.

Esta empreitada fizemo-la em Julho, tempo de calor, e apresenta-mo-la agora em Agosto, igualmente tempo de calor. Ou seja, cada uma destas etapas teve de integrar um momento para um mergulho refrescante, fosse ao início, meio ou final do dia, junto à EN2 ou pouco dela distante. E porque, dissemos, os desvios são momentos altos desta épica viagem e os interesses de cada um são quem os deve guiar, o mote desta travessia da EN2 foi percorrê-la o mais integralmente e integramente possível (uma vez que há troços já muito abastardados) visitando em cada etapa um castelo. Daí o nosso título: “Pela EN2, na companhia de um castelo e de um mergulho”.

Foram, assim, seis as etapas da nossa EN2 e cinco os desvios mais longos, a saber:

1ª etapa – Chaves – Vila Real

(1° desvio – trilho Fisgas do Ermelo)

2ª etapa – Vila Real – Lamego

(2° desvio – caminhada Provesende Pinhão)

3ª etapa – Lamego – Vila Nova Poiares

(3° desvio – caminhada Vinho do Porto)

4ª etapa – Vila Nova de Poiares – Sardoal

(4º desvio – Rio Ceira da foz à nascente no Açor)

5° etapa – Sardoal – Castro Verde

6ª etapa – Castro Verde – Faro

(5° desvio – Barrocal algarvio)

2 Comments Add yours

  1. Blasco Alfonso diz:

    “Viajar, num sentido profundo, é morrer. É deixar de ser manjerico à janela do seu quarto e desfazer-se em espanto, em desilusão, em saudade, em cansaço, em movimento, pelo mundo além.” – Miguel Torga.” – QUE BELA ESTA DECLARAÇÃO DO ESCRITOR -Faz o desejo assaltar-nos,e reflectir sobre a questão: porque não vamos á descoberta e á aventura que lhe é intrínseca??? A janela ainda tem que esperar muito tempo. E as experiências contadas no café, entre amigos,ainda não fazem, por si só,cinema. E sobretudo espantar-se é o regalo que este quotidiano rotineiro, não dá.

    Inquietou-me esta declaração do escritor mas tb o texto/crónica que escreveu. É singelo mas chamativo. Depois de o ler sei que ombreia com qualquer crónica sobre viagens que vem nas revista da especialidade ou na secção de lazer dos jornais.

    Aventure-se a enviar estas crónicas de viagens para um jornal. Pode que existe um editor que lhe dê uma “chance”

    Até mais

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    1. Muito obrigada pela sugestão e apoio. Pode ser que um dia…

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