Numa colina sobre o Tejo ergue-se o Castelo. Lisboa é cidade antiga. Antes de sermos lisboetas, habituámo-nos a receber a visita dos fenícios, dos romanos, dos visigodos e dos muçulmanos, até que chegou D. Afonso Henriques e os seus amigos cruzados e a Alis Ubba (dos fenícios), a Olissipo (dos romanos), a Ulixbuna (dos visigodos) e a Al-Ushbuna (dos muçulmanos) tornou-se a Lisboa que hoje nomeamos.

As colinas, e em especial esta a que agora dedicamos a nossa atenção, já lá estavam todas no século VII a.C., quando o lugar começou a ser povoado. Foram, no entanto, os romanos quem no século I a.C. primeiro começaram a construir uma cidade estado murada, com uma construção primitiva no topo do que hoje conhecemos como colina do Castelo, muralhas essas que acabariam por ser aproveitadas pelos muçulmanos para, a partir do século X ou XI, erguerem a sua Cerca Moura. Da Cerca Moura, ou Cerca Velha, pouco resta hoje de visível para além do troço junto ao terraço das Portas do Sol (escadaria da Rua Norberto Araújo), donde se avista o que era então o arrabalde de Alfama encosta abaixo até desaguar no Tejo. Eram, então, cerca de 1250 metros de muralha e mais de 20 torres (são visíveis, ainda, troços de muralha dentro de vários edifícios como os da Fundação Ricardo Espírito Santo e da Casa dos Bicos) e, hoje, um circuito pedonal circular entre a Rua Chão da Feira e a Rua Milagres de Santo António, com 16 totens informativos espalhados pelo caminho, permite-nos conhecer este sistema defensivo medieval que perdurou até à construção da Muralha Fernandina, ou Cerca Nova, no século XIV, sete vezes maior do que a anterior.

Se destas muralhas que acabaram por ser aglutinadas pelos espaços urbanos pouco vemos, a muralha da Alcáçova, essa, ainda lá está para recriarmos uma imagem do nosso passado medieval. Da actual Rua Chão da Feira entramos para a parte mais alta da medina de outrora, a qual era protegida, precisamente, pela Alcáçova. Era aqui, no topo da colina, que ficavam os bairros residenciais da elite administrativa, religiosa e militar e o castelo. E para sul desenvolvia-se o núcleo urbano da cidade – a medina -, com comerciantes, artesãos, banhos públicos, mercados e mesquita, tudo isso ainda no interior da cerca urbana. Só depois vinham os arrabaldes.

Em 1147 D. Afonso Henriques e o seu exército de cruzados levaram 17 semanas de cerco a Al-Ushbuna até a tomarem. A construção muçulmana não era fácil de penetrar. Para além de estar localizada no alto de uma escarpa, a cada porta seguiam-se estreitos corredores em cotovelo, o que tornava difícil a entrada mesmo depois da porta derrubada, encurralando o invasor. Aliás, quando entramos pela Rua do Chão da Feira percebemos isso mesmo, uma entrada logo seguida de uma curva apertada.
A partir daqui estende-se o castelo e o bairro do Castelo.

São 4 ruas e 1 beco, mais coisa menos coisa. Ruas sempre estreitas, como já o eram aquelas que rodeiam o bairro e a Alcáçova (é obrigatório iniciar este périplo pelo Castelo por um passeio pela Rua da Costa do Castelo e/ou pela Calçada do Menino de Deus, onde os bairros da Mouraria e de Alfama se confundem com o bairro do Castelo).
E 2 praças separadas por um pano de muralhas e 11 torres.

Na primeira praça, a Esplanada, apesar da estátua de D. Afonso Henriques marcar o momento histórico da conquista da cidade, a história é completamente ultrapassada pelo miradouro em que se transforma o Castelo. A paisagem que daqui se avista é épica, tudo se registando aos nossos pés, 360° graus de ícones lisboetas.


A segunda praça é vivida já no interior do castelo, ultrapassado o fosso e a barbacã. Subimos à muralha, por ela caminhamos, subimos a uma torre, descemos, caminhamos mais um pouco pela muralha, subimos a outra torre, e assim vamos continuando. Por cada torre que passamos acrescentamos mais uma vista fantástica para um ponto cardeal da nossa Lisboa. É o Tejo, é a Baixa, é a Graça, é São Vicente, tudo, tudinho. Como curiosidade, destaque para duas destas torres. Uma, a Torre do Tombo, foi o lugar do inicial arquivo documental do reino. Outra, a Torre de São Lourenço, a única construída num lugar baixo, ao fim de uma longa escada que nos leva quase até à actual Praça do Martim Moniz – era lá abaixo que os antigos habitantes iam buscar água em segurança, com a Torre a servir de garantia de acesso seguro a um poço situado fora do castelo.




O Castelo de São Jorge, nome pelo qual o conhecemos desde o reinado de D. João I, no século XIV, não terá sido usualmente residência de reis. Talvez D. Sebastião tenha usado o lugar como paço, mas terá sido o último a fazê-lo e com a dinastia Filipina o paço real passou definitivamente para o Paço da Ribeira, no Terreiro do Paço, tendo o Castelo a partir daí tido sobretudo uma função militar, de defesa de quem vivia na Alcáçova e suas imediações.

Foi já no decorrer do século XX que se redescobriu o Castelo de São Jorge. Nos anos 1938-40 foi objecto de obras de restauro, à semelhança de muitos castelos país fora, numa recriação nacionalista do Estado Novo (daí que se afirme que o Castelo de São Jorge é uma criação do Estado Novo). A essa época já o Castelo tinha chegado em muito mau estado, ruína mesmo, em consequência dos terramotos de 1530 e de 1755 e do descaso dos Homens que o tinham maltratado com o uso de um conjunto de quartéis. Se foram essas obras de há apenas escassos 80 anos lhe deram a imagem de fortificação com torres e ameias que vemos hoje, foi também desde aí que se tem vindo a perceber os vestígios do antigo paço real e da alcáçova islâmica e as vivências de outrora. Trabalhos arqueológicos que continuam o seu curso permitem-nos traçar 3 épocas de presença humana na colina do castelo: idade do ferro (com vestígios de estruturas habitacionais que remontam ao século VII a.C.), bairro islâmico (século XI – XII, ligado à fundação do castelo e área residencial das elites do governo da cidade) e época cristã (século XV a XVIII, com antigo paço episcopal e palácio dos Condes de Santiago, o último dos palácios da antiga alcáçova medieval que se manteve habitado até ter ruído com o terramoto). Marcas do conjunto destes vestígios podemos encontrá-los no “sítio arqueológico” que testemunham estes três períodos significativos da história de Lisboa. E na exposição permanente instalada no espaço daquele que se acredita ter sido o antigo paço real podemos ainda ver uma colecção de objectos encontrados na área arqueológica, os quais permitem traçar a evolução do povoamento desta colina que permaneceu o centro da cidade de Lisboa até ao século XVI.

No sítio arqueológico vemos a igreja da Alcáçova, a igreja Santa Cruz do Castelo, a qual já existiria quando os muçulmanos chegaram à cidade.

Invenção do Estado Novo ou não, o que é certo é que o Castelo de São Jorge é o monumento mais visitado do país e o miradouro número um da cidade de Lisboa. Assim como já o tinha sido na cidade de Alis Ubba, de Olissipo, de Ulixbuna e de Al-Ushbuna.
(…) Olá, excelente relato histórico, com alma olissiponense, daquele que é, de facto, o monumento ex libris desta Lisboa de povos e culturas.
Muito obrigado
Vou divulgar merece, tornar-se, sugestão para revisitar e olhar com melhor informação para este símbolo da capital e a sua história.
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O Castelo anda por ali, dominador, não há como não o perceber e tentar entender. Obrigada.
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