O reclame “Seixal, uma baía no coração do Tejo” não é propaganda. Por mais voltas que se dê, a grande atracção da região é a baía e é ela que sempre levaremos na memória numa visita ao Seixal.

A sua marginal ribeirinha é enorme, cerca de 14 kms de pura paisagem. Este conjunto de braços de mar fica em pleno Estuário do Tejo, um lugar que abriga diversos ecossistemas e rico em biodiversidade e, para nós leigos, sobretudo precioso pela sua beleza natural paisagística.
As comunidades que ao longo dos tempos se foram estabelecendo no Seixal tiveram desde sempre uma forte ligação com o rio e, se em tempos idos dependiam dele para a sua sobrevivência, hoje parecem depender dele para o seu lazer. Desde os passeios de barco pelo rio (em embarcações típicas que outrora faziam o transporte de mercadorias entre as margens do Tejo) a actividades náuticas de recreio várias, a azáfama junto ao rio continua.

O topónimo “seixal” derivará da grande quantidade de seixos que aqui existia, os quais terão servido na construção das embarcações. A ocupação humana do lugar data pelo menos da época romana, como o atestam os sítios arqueológicos da Olaria Romana da Quinta do Rouxinol, em Corroios, e da Quinta de São João, na Arrentela. Sempre ligada ao mar, era então uma terra de pescadores e rural, produtora de cereais, vinho e fruta, para além do peixe. Com os Descobrimentos a sua bela localização geográfica tornou-se ainda mais estratégica, um lugar favorável ao transporte fluvial donde se escoavam os produtos para a capital e daí para qualquer outro lado. A indústria naval proliferou, o aproveitamento das marés passou a ser utilizado com a construção de moinhos de maré (entre muitos que chegaram aos nossos dias, destaque para o de Corroios) e quintas senhoriais e fábricas instalaram-se aqui. Mais tarde, já no século XX, a Siderurgia Nacional e a construção da ponte sobre o Tejo viriam a transformar definitivamente o Seixal num lugar industrial, deixando a sua faceta rural e passando a ser um pólo urbano, periferia de Lisboa, até.

Cingindo-nos apenas à povoação do Seixal, hoje cidade, iniciamos este passeio por uma visita a uma das tais quintas senhorias, a Quinta da Fidalga.

A chegar ao centro do Seixal, na avenida ribeirinha, encontramos esta quinta que terá origem no século XV. Crê-se que Paulo da Gama, irmão de Vasco da Gama, tenha sido seu proprietário numa altura em que para aqui veio para acompanhar a construção de caravelas num estaleiro local. Depois disso o lugar passou para a propriedade da família Gama Lobo, servidores régios, e o Terramoto de 1755 terá destruído parte da quinta que acabou por ser restaurada. Um salto grande no tempo diz-nos que no século XX Salazar vinha aqui amiúde como visita dos seus proprietários e que em meados da década de 50 o arquitecto Raul Lino foi o responsável por um novo projecto para a casa, capela e jardim.



Hoje a Quinta da Fidalga é propriedade da Câmara Municipal do Seixal e está aberta a todos aqueles que desejem um passeio pela história, sentindo o ambiente das antigas quintas agrícolas e de recreio. O edifício principal, correspondente ao palacete, está muito bonito na sua fachada cuidada, mas não conhecemos o seu interior. Seguimos, sim, pelos jardins de buxo, com fonte no meio, um miradouro num patamar superior com vista para o Tejo e um corredor em latada que nos leva até ao lago de maré – este último talvez seja o elemento mais surpreendente da propriedade, com a sua água alimentada pela subida da maré e com duas casas de fresco, uma de cada lado, a embelezar ainda mais o cenário que serviu de momentos de sociabilização pada os proprietários da quinta e seus convidados.


Pelo meio, diversos apontamentos azulejares bem conservados, uma zona de pomar e mais uma fonte, esta com embrechados. E, cereja no topo do bolo para os amantes da arquitectura contemporânea, o Centro de Artes Manuel Cargaleiro, um projecto de Álvaro Siza Vieira. As linhas rectas deste edifício branco que parece desmultiplicar-se não enganam, é mesmo uma obra do nosso grande arquitecto. E Cargaleiro, artista multifacetado mais conhecido pelas suas obras em cerâmica, é um filho da terra e tem aqui o devido reconhecimento neste espaço municipal.

Outra das quintas históricas do Seixal é a Quinta da Trindade, igualmente junto ao Tejo mas do lado contrário da cidade. Aqui estão instalados diversos serviços da câmara municipal, sendo o acesso condicionado, pelo que acabei por não visitar esta quinta. Com pena, no entanto, uma vez que esta é reconhecida pela sua riqueza azulejar, contando-se no seu espólio cerca de 8000 azulejos com datas entre o século XV e o XX.

Mas o Seixal é também, como já se referiu, rico pelo seu património industrial. Durante quase todo o século XX a Mundet foi central em diversos domínios da vida seixalense, como o urbanístico, económico e social (a este respeito, por exemplo, a Mundet proporcionava creche e serviços de saúde para os seus funcionários e família). A maior empresa corticeira de Portugal encerrou em 1988 mas deixou marcas e hoje a enorme fatia do terreno que ocupava, junto à antiga Quinta dos Franceses onde Cargaleiro passou a sua juventude, tem vindo a ser reinventada de forma a que todos a possamos fruir. Desde logo, dois dos edifícios da antiga fábrica são hoje espaços culturais, um acolhendo a Escola de Música e outro um dos núcleos do Eco-Museu Municipal – preservando e divulgando a memória da antiga fábrica, mantendo-a viva; outro dos edifícios foi adaptado a restaurante; construiu-se um pavilhão desportivo; e o facto da Mundet se desenvolver encosta acima permitiu que parte dos seus antigos terrenos tenham sido reconvertidos no novo Parque Urbano do Seixal.


O Alto Dona Ana é uma pequena elevação que se ergue nas costas do centro histórico do Seixal. Pequena, com não mais de tinta metros acima do mar, mas o suficiente para nos garantir uma vista fabulosa para o largo Estuário do Tejo. Seguindo por entre um pequeno bosque com algumas árvores, por entre caminhos vários e zonas para se estar, este miradouro natural dá-nos uma vista privilegiada para o Barreiro e Amora – povoações imediatamente à direita e à esquerda -, casario do Seixal mesmo debaixo do nosso olhar, Ponta dos Corvos logo à frente, Almada mais adiante e, parecendo coladinhos a ela, o Cristo e Rei e as duas torres vermelhas da Ponte 25 de Abril. Segue-se toda a Lisboa espraiada ao longo Tejo. E é precisamente o Tejo, seus contornos e suas manhas, que ficamos a perceber melhor com esta enormíssima perspectiva.



Depois de um bom tempo a apreciar esta beleza, descemos ao centro histórico para passear pelas suas ruas. Edifícios baixos, maioritariamente com dois pisos, este é um aglomerado urbano coeso e coerente que se desenvolveu por duas ou três ruas rectas ao redor da Igreja de Nossa Senhora da Conceição.



Alguns edifícios são históricos pelas memórias que guardam, como é o caso dos das duas sociedades filarmónicas e do da Associação Náutica do Seixal. Mas é o rio que volta a estar no horizonte. Aliás, em vários prédios encontramos nas suas fachadas modestas painéis de azulejo alusivos a barcos e à pesca.



Como nunca se está distante do Tejo, é para ele que voltamos, caminhando pela frente ribeirinha. Restaurada e cuidada, cheia de esplanadas de cafés e restaurantes, ao longo dela voltamos a apreciar a paisagem, agora acompanhando mais de perto os barcos que por ali passam ou estão ancorados. É uma beleza pitoresca, permitindo que a natureza seja aqui fruída de forma plena.
Há uns bons anos, talvez uns 9 ou10 fomos conhecer o Seixal e visitamos a maioria dos locais aqui indicados. Na altura não havia ainda o Centro de Artes Manuel Gargaleiro.
Visitamos também um local que gostei imenso, o “Espaço memória – Tipografia Popular do Seixal”, que espero ainda exista.
Entretanto já lá voltei, mas apenas para percorrer toda a zona ribeirinha.
Porque gosto daquela zona, apreciei bastante deste post!
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A zona ribeirinha do Seixal é, realmente, uma delicia. E para além do Centro de Artes há também a novidade do Parque no Alto Dona Ana e a sua vista fabulosa. E ainda mais virá com a reconversão da Fábrica Mundet 🙂
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