Porto da Cruz é uma vila do concelho de Machico, situada no nordeste da ilha da Madeira. Foi uma das primeiras da costa norte a ser explorada e habitada e em 1577 já era freguesia. Enquanto freguesia é extremamente diversa geograficamente: tem floresta, tem serra e tem mar. Só não tem planície, que nesta zona acidentada da ilha não há cá monotonia.

É por entre todos estes elementos naturais que a povoação do Porto da Cruz se desenvolve. A beleza, está visto, é garantida. Mas historicamente e culturalmente tem também diversos pontos de interesse que desde há muito vão deixando a sua marca na paisagem. Desde logo a vinha americana, cujo vinho tinto seco dá fama à localidade. E, depois, a cana de açúcar. O historiador Gaspar Frutuoso, na sua obra “Saudades da Terra”, referia ter o Porto da Cruz boas terras de canas e muitas águas e conta-nos que já em 1535 havia registo de um engenho na povoação. Plantação secular, a cana de açúcar foi levada para a Madeira por iniciativa do Infante Dom Henrique, tendo origem talvez na Sicília, Valência ou até Algarve (não se sabe com certeza), e espalhou-se rapidamente por quase toda a ilha. Pioneira nas técnicas e sistemas de fabrico do açúcar e da aguardente, nos séculos XV e XVI abundavam os canaviais e os engenhos na Madeira, de tal forma que essa época ficou conhecida como a do “ouro branco”. No século XVI esta agressiva indústria do açúcar (esgota a terra, devora a floresta e seca os cursos de água) entrou em quebra na ilha por motivos vários, como a concorrência de outras paragens no Atlântico (com o Brasil à cabeça), a peste e a falta de mão de obra. Hoje ainda há alguns canaviais e existem apenas três engenhos activos. Um deles está, precisamente, no Porto da Cruz e é o da Companhia Engenhos do Norte, criada em 1927 (e os outros estão no Ribeiro Seco e na Calheta). É, aliás, o único engenho a vapor ainda em funcionamento na Europa. Produz aguardente de cana e está aberto a visitas, onde se fazem provas de rum ou de poncha. O mel de cana e a aguardente são os grandes responsáveis pela sobrevivência destes engenhos, fabricando os tão gabados e amados bolo de mel e poncha. E a chaminé do seu edifício – a única intacta – é mais um marco na paisagem.

O topónimo Porto da Cruz é nos explicado por Gaspar Frutuoso: quando aqui chegaram os primeiros exploradores da ilha logo arvoraram na sua enseada uma cruz feita de paus recolhidos da ribeira local. O que não explicou, porque certamente a expressão será mais tardia, é que os seus habitantes têm a alcunha de “broquilhas”, também sinónimo na Madeira para pessoa pouco instruída ou ignorante. Não há de haver relação nem sei se tomam o apodo como ofensivo. De qualquer forma, se houver ofensa os habitantes de Porto da Cruz bem a podem combater demostrando uma desculpável eventual sobranceria por viverem em lugar tão fantástico. Se os campos ao redor do Porto da Cruz são dos mais bonitos da ilha, com a pujança verdejante dos seus penhascos e vales, o centro da vila à beira mar tem um encanto natural. Desde logo pela natureza brutal e altaneira das falésias que a protegem. A Penha de Águia é a mais marcante, um emblema monumental de toda a ilha, mas que aqui serve de vigia bem especial.

Dela escorrem de forma luxuriante e directamente para o Atlântico umas quedas de água majestosas. A poucos metros, uns surfistas remam para as ondas e nelas deslizam tentando não se distrair diante deste cenário grandioso. É a praia da Alagoa, uma pequena enseada, talvez aquela onde terá sido cravada a tal cruz que dá nome à terra. O Engenho do Norte tem exactamente esta vista. E por ele acima ergue-se um morro de forma curiosa, de origem basáltica e com tufos verdes a cobri-lo. No seu topo jazem as ruínas de um pequeno forte do século XVIII que defendia esta zona da costa dos ataques corsários.

Circundando-o junto ao mar vamos dar a umas piscinas de água salgada – até porque a água do mar as galga amiúde. É uma espécie de promenade, com alguns restaurantes com esplanadas com vistas privilegiadas enquanto nos deliciamos com umas lapas ou um picado de atum.


A praia da Maiata, de calhau rolado, é uma longa praia que se estende num cenário belíssimo feito de um recorte de costa poderoso. Talvez a entrada para banhos não seja fácil, mas a contemplação deste panorama magistral ninguém nos impede de o viver. Aqui ficava o antigo engenho das Casas Próximas, hoje com a sua chaminé em destacada ruína.

Tanto a Maiata como a Alagoa são praias onde é possível surfar, daí que não espante que pelas pequenas e escassas ruas da vila se vejam lojas de escolas e material de surf. É uma forte alternativa ao Paul e Jardim do Mar, na costa oposta. Tal como o surf, o trail running é também uma modalidade que ajuda a colocar a freguesia no mapa dos aventureiros, graças aos muitos trilhos na região. E com esta ideia e esgotados os adjectivos nos despedimos de Porto da Cruz, pasmando uma vez mais diante da monumental Penha de Águia.