A Ponta de São Lourenço, Monumento Natural, é parte integrante do Parque Natural da Madeira, área protegida de reconhecido valor natural e paisagístico. Situada na parte mais oriental da ilha da Madeira, é uma península de origem vulcânica com cerca de 9 quilómetros que inclui no seu prolongamento o Ilhéu do Desembarcadouro (ou da Cevada ou da Metade) e o Ilhéu do Farol (ou de Fora).

O Caniçal é a povoação mais perto e passado o resort de luxo da Quinta do Lorde e sua marina estacionamos no final da estrada. É aqui que começa uma das mais fabulosas caminhadas da Madeira, por ser cenário único e singular na ilha (e em todo Portugal).

De dificuldade moderada, o PR 8 tem 8 quilómetros até ao Morro do Furado, acima do Cais do Sardinha (note-se que os últimos 500 metros de subida – e posterior descida – do percurso estão encerrados, pelo que é por nossa conta e risco que os percorremos). É um percurso oficial bem marcado e seguro, a evitar em dias de muito calor por ser completamente despido de árvores e, logo, de sombras. Em dias de muito vento deve igualmente ser evitado, uma vez que a grandeza deste passeio pela Ponta de São Lourenço está na contemplação da costa deste pedaço da ilha.

O vento é um dos maiores responsáveis pela enorme paisagem que aqui se observa e que, saiba-se, não tem nada a ver com qualquer outro ponto da Madeira. E, conta-se, foi o vento, presença assídua e constante, o móbil da escolha de nome para este lugar: quando aqui chegaram, os primeiros exploradores terão rogado a São Lourenço para que o vento acalmasse. Não admira, pois, que a aridez e a vegetação rasteira dominem o cenário deste ponto da costa madeirense. Não é delicado, é mesmo rude e bruto, mas é precisamente daí que vem todo o seu poder encantatório.

O início do percurso é fácil e logo a paisagem se vai compondo de várias cores: vermelho da terra, verde da vegetação rasteira, azul do mar e do céu. Porém, é a forma que o território toma, com montes ondulantes e escarpas nodosas, a grande atracção. A Baía de Abra percebe-se logo ao primeiro quilómetro e é a mais bonita das enseadas da Ponta de São Lourenço, capaz de tomar no seu mar uma cor azul irreal, de tão penetrante.




Para a esquerda ergue-se o Morro da Piedade, um cone vulcânico onde se chega tomando um desvio no trilho, caminho a ser tomado igualmente para quem quer seguir a direcção da costa nordeste. Não o subimos, mantivemo-nos no nosso trilho, e logo ganhámos a primeira perspectiva da costa nordeste. Uma perspectiva incrível das tais escarpas, falésias pronunciadas que descem abruptas para o mar, com veios que acentuam a sua rudez. Percebe-se a diferença nos rochedos rente ao mar da costa sul e da costa norte, sendo estes mais brutos pela maior e mais violenta ondulação, que vai erodindo e moldando as escarpas e formando pequenos ilhéus.

Caminhamos em direcção ao Cais do Sardinha, imaginando que mais parece que estamos na Islândia ou nas Ilhas Faroé, o destino por nós planeado para o ano que passou e abortado por força da pandemia da COVID-19. A paisagem é nos pouco familiar, e não nos cansamos de a gabar e admirar.

Após uma passagem mais estreita por uma língua de terra, chegamos à parte mais larga da península. Para diante à esquerda, logo se ergue um monte de forma gentil, parecendo totalmente liso e coberto de um verde feito de feno. Apesar da Ponta de São Lourenço ser reconhecida pelo seu fantástico recorte de costa, foi este cenário que mais me entusiasmou e que guardarei para sempre na memória.

Para além desta vegetação rasteira simples, encontramos diversas plantas, aquelas que conseguem prosperar em ambientes ventosos. Muitas delas raras e endémicas, das 138 espécies aqui identificadas, 31 são exclusivas da ilha da Madeira. Como curiosidade, refira-se que estão também aqui identificadas 24 espécies de moluscos terrestres, vulgo caracóis.

Passamos pelo Cais do Sardinha, um pequeno ancoradouro que serve igualmente de entrada para uns mergulhos no mar quando este o permite, e chegamos, enfim, à Casa do Sardinha. A Casa do Sardinha, rodeada de palmeiras, toma o nome de família dos seus antigos proprietários que aqui tinham um refúgio de lazer. Hoje é um dos centros de recepção do IFCN e serve de apoio aos vigilantes do Parque Natural da Madeira. Este é o ponto final do trilho oficial e a partir daqui a manutenção tem sido escassa, mas à nossa responsabilidade acabámos por continuar mais ao longo da península. Mas, na verdade, esta falta de manutenção não torna o trilho nem difícil nem perigoso, tendo subindo sem grandes problemas os 500 metros que nos deixam no alto do Morro do Furado, onde fica o miradouro mais grandioso da Ponta de São Lourenço. O vento aqui faz-se sentir mais forte do que em qualquer outro ponto do percurso.


Vemos todo o percurso que percorremos e mais uns belos pedaços da costa norte e da costa sul da ilha da Madeira. E daqui assiste-se na perfeição aos fantásticos contornos do ilhéu do Desembarcadouro e, logo a seguir, do ilhéu do Farol, onde está instalado, precisamente, um farol, o primeiro da Madeira, inaugurado em 1870. O cenário faz lembrar uma cauda de dragão. O Desembarcadouro, também conhecido por ilhéu da Cevada por aqui ter sido semeado em tempos este cereal, possui uma das maiores colónias de gaivotas da ilha e o Farol é lugar de nidificação de diversas aves marinhas, como a cagarra, a alma-negra, o roque-de-castro e o garajau-comum, que aqui vêm pousar em segurança face à ausência de predadores terrestres.

Mais ao longe, mas não assim tão longe, a apenas 12 milhas náuticas de distância boiam as Desertas, 3 pequenas ilhas – o Ilhéu do Chão, a Deserta Grande e o Bugio – nunca mandadas povoar por haver ali muitas rochas e nenhuma água. Mas, curiosamente, diz que vacas e ovelhas pegaram lá.


O trilho de volta é praticamente igual, apenas com a opção de seguirmos por umas poucas centenas de metros pelo lado contrário da enseada do Cais do Sardinha. Costa rendilhada, uma enseada cheia de recantos aonde não se aporta, as formações rochosas rugosas e cruas deste pedaço da costa continuam em grande nível. Infelizmente, não percebemos o Porto Santo, mas sabíamos que havia de estar por ali algures no horizonte com a sua costa de areia branca, mais um sinal da diversidade deste arquipélago da Madeira.