A Ilha das Flores

“Campos, ravinas verdejantes, arvoredo
Vestindo os montes com um fofo terciopelo...
A tarde, um sino ao longe erguendo o seu apelo
Ao vespertino azul, fundo como um segredo...

A tarde, um sino ao longe... Estrelas ambarinas
Na limpidez do céu acordam, vacilante...
Mugem num tom suave os bois pelas colinas;
Afogam-se na sombra os contornos distantes...

Paisagem vesperal que palpitante espia
A estrela do pastor, que já no azul flutua...
A saudade sem causa, a vaga nostalgia
Que enche como um perfume este apagar do dia,
Gerou-se na minha alma ou acordou na tua?”

“Vesperal”, Roberto de Mesquita

Sem menosprezar o talento e a veia poética de homens como Roberto de Mesquita ou Pedro da Silveira, os mais reconhecidos poetas florentinos, a ilha das Flores é por si só uma fonte de inspiração. Não procuremos mais; esta é a ilha mais bonita de todo o arquipélago dos Açores.

Agreste, terna e exuberante à vez, a ilha das Flores é natureza em estado bruto. João de Melo, escritor micaelense, escreveu que “viver, na ilha das Flores, é uma aventura total entre a beleza de uma quase luxúria da paisagem e o modo precário dos dias”. A beleza entra pelos olhos e alma adentro, mas não desconhecemos o clima que muda num ápice e que se instala tormentoso durante longas temporadas. O isolamento é evidente, mesmo para aqueles de nós que não ousam senão lá deslocar-se nos meses de Verão.

O território mais ocidental de Portugal é o também da Europa. É o ilhéu de Monchique, que bóia diante da Fajã Grande, o ponto que marca com exactidão essa ocidentalidade, já em plena placa tectónica americana e a caminho dos Estados Unidos. Dizem que as Flores se têm vindo a aproximar cada vez mais da América e que daqui “a um nada” estará no regaço de Nova Iorque. Aproveitemo-la, então, enquanto a humanização não leva a melhor diante da natureza.

Este “excesso de paisagem”, recordando novamente as palavras de João de Melo, é “a ilha de todas as ilhas portuguesas” e nela encontramos “a síntese, a confluência de toda a paisagem insular”, reunindo “em si tudo o que há de mais essencial nas outras”.

Caldeiras de antigos vulcões, quedas de água vertiginosas, lagoas formosas, poços revigorantes, piscinas atlânticas naturais moldadas pela lava, montes e vales ondulantes de todos os tons de verde e floridos, terras rendilhadas por muros de pedra, rochas magnetizantes, costas escarpadas e impenetráveis, baías de água cristalina, ilhéus desenhados, fajãs acolhedoras, aldeias renascidas, povoações esquecidas e memória baleeira recordada. E, aquilo que define e dá a noção de arquipélago, a presença da ilha companheira diante si: Flores e Corvo, uma parelha perfeita.

É difícil escolher a imagem mais perfeita do que é a perfeição das Flores, mas terá a ver com água, ou não estivéssemos numa ilha. Mas aqui, a nossa escolha até fica facilitada, uma vez que por toda a ilha são às centenas as nascentes de água. Já em 1645 o frade Diogo Chagas escrevia no seu “Espelho Cristalino” que “toda ela, assim no centro como na costa do mar é um chafariz perene de água, porquanto se não andam 20 passos assim pela costa, como pelo sertão, que não deem em ribeiras, regatos e fontes de água”.

Do ponto mais alto da ilha, o Morro Alto, a 714 metros de altitude, observa-se o mar. Mas tanto lá como a caminho percebemos mais, sobretudo o quanto é alta e recortada, quer no interior quer na costa.

A designação “Flores” é óbvia, em especial quando a vistamos no Verão. O nome provém das cubres e das vidálias, mas ainda que estejam registadas 56 espécies autóctones e que não se encontram em mais lado nenhum, são as hortênsias que apesar de originárias do Japão mais dominam a paisagem – elas estão entre os muros das pastagens e seguem estradas e caminhos afora.

A ilha é pequena, não estamos a mais de meia hora de carro de um ponto ao outro. Mas não é visitando-a apenas de carro que ficaremos a conhecer a magia das Flores, é caminhando por ela adentro. Foi isso que também tentámos fazer, chegando a lugares com vistas e mais vistas a que de outra forma não chegaríamos. Como este, onde a Europa se despede.

4 Comments Add yours

  1. rimbaud70 diz:

    Olá, o que perdemos,todos, por não ir à ilha das Flores. Assim descrita Ulisses ,lá no Olimpo, saberá quão incompleta foi a sua passagem pelo Atlântico., E terá pena.
    Tal como eu ,depois de ler este relato,terei se por sortilégio geológico a América nos roubar a ilha.
    E obrigado por esse ,tão belo, poema de Roberto Mesquita.

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    1. Sem querer desvalorizar o talento de Roberto de Mesquita, a ilha das Flores é ela própria uma inspiração 🙂

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  2. Apesar de ainda não conhecer todas as ilhas, para mim, ela é a mais bela dos Açores! Não acredito que alguma possa ser mais bonita e “intensa” do que as Flores!

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    1. A escolha da ilha mais bela dos Açores, eis um desafio impossível. Mas, sim, a das Flores consegue condensar todos os elementos de beleza do arquipélago num só lugar. E que lugar!

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