Tomar é uma das povoações portuguesas com mais história, beleza e charme. Instalada à beira do tranquilo rio Nabão, tem o monumental Convento de Cristo como vigia no alto da colina que se levanta pela Mata dos Sete Montes e o seu harmonioso centro histórico como personagens à altura.

Antiga sede da Ordem dos Templários, mais tarde Ordem de Cristo, os cavaleiros foram decisivos no desenvolvimento da cidade e, até, da criação do reino de Portugal. Vivíamos o reinado de D. Afonso Henriques quando Gualdim Pais, seu escudeiro, fundou Tomar depois de receber estas terras como prémio pelos serviços prestados nas Cruzadas. Estávamos em 1160 quando a figura histórica que hoje se confunde com Tomar começou por erguer o Castelo e Convento num lugar mais elevado na margem direita do rio, estabelecendo aí a sede da ordem de que era grão-mestre. O Castelo fazia então parte da Linha do Tejo, companheiro de outros como o não muito distante Almourol. Este conjunto, distinguido como Património da Humanidade pela Unesco, vale, por si só, uma visita a Tomar. Começaremos este passeio por aqui, mas, não contentes, seguiremos à descoberta da sua vizinhança.

Entramos no Castelo de Tomar pela sua Porta de Santiago, a que se segue a Porta do Sol, ambas rasgando a imponente muralha. Com a Alcáçova e a Torre de Menagem à direita e um belo jardim à esquerda, logo temos diante nós o largo terreiro donde se admira a arquitectura do Convento, em especial a elegante Charola. Ainda estamos no exterior e já estamos conquistados.

Mas nada se compara ao interior da Charola. O oratório templário foi inspirado nas fortificações da Terra Santa e pretende reproduzir a Igreja do Santo Sepulcro – não esquecer que os templários eram monges guerreiros e Jerusalém era o lugar da sede desta ordem multinacional. Com uma planta centrada, em forma de rotunda, nesta evocação de Jerusalém por parte dos Templários celebra-se a ressurreição de Cristo, com painéis com cenas da Paixão de Cristo a toda a volta. É uma estrutura incrível, uma daquelas que depois de vista jamais se esquece e à qual se deseja voltar repetidas vezes.

E, depois, claro, a grandeza do Convento de Cristo passa também pela Janela Manuelina, na Casa do Capítulo, enorme na profusão dos seus elementos decorativos e parte da identidade artística do nosso país enquanto exemplo maior da arte manuelina.

Os inúmeros claustros por onde vamos passando na visita ao Convento são outros dos momentos fortes: claustro do cemitério, claustro principal, claustro da hospedaria, claustro dos corvos e claustro da micha. Mas é o claustro principal, também dito de D. João III, o que mais impressiona pela monumentalidade da sua arcaria e colunas, um momento alto da arte renascentista no nosso país. Está visto que muitos estilos arquitectónicos e decorativos vagueiam pelo Convento de Cristo, testemunhos das diversas épocas que viu atravessar.

Ao redor do edifício do Convento erguem-se as muralhas do Castelo. Construído no século XII, trouxe algumas inovações arquitectónicas, como a torre de menagem alta e isolada e o alambor, estrutura de muralha reforçada que procurava evitar ainda mais a entrada do inimigo no castelo.


Abaixo, uma enorme mancha verde parte integrante da cerca conventual, a Mata Nacional dos Sete Montes, até à qual descemos por um acesso de ligação junto à Torre da Condessa. Tem uma série de caminhos agradáveis a serem percorridos por entre vegetação cerrada e para além da vista do aqueduto destaca-se nela a Charolinha, uma casa de fresco constituída por uma pequena torre com um tanque circular à volta.

E após percorrermos este parque chegamos à entrada do centro histórico de Tomar. Um breve desvio à direita leva-nos até ao enorme terreiro que correspondia ao antigo rossio da urbe medieval. A Várzea Grande, donde se destaca um padrão filipino ao centro, é dominada pelo edifício do Tribunal e pelo da Igreja e Convento de São Francisco. Do complexo religioso resta a igreja, sendo o antigo convento ocupado hoje por serviços da câmara.

Tínhamos saído do Convento de Cristo, agora estamos diante do Convento de São Francisco e o curioso é que falta ainda visitar outros dois conventos, o de Santa Maria do Olival (com a sua bela torre e rosácea) e o de Santa Iria, ambos na margem esquerda do rio Nabão, cada um deles em cada um dos lados da cidade, correspondentes aos pontos cardeais, como se de um quadrado quase perfeito se tratasse. Ou seja, houve arte no planeamento e execução da cidade medieval.


O coração do centro histórico é a Praça da República. Espaço largo mas equilibrado, pavimentado com calçada, aqui convivem, de um lado, o edifício quinhentista de fachada clássica dos Paços do Concelho (um dos maiores do nosso país relativamente àqueles que lhe são contemporâneos), e do outro, a Igreja de São João Baptista, e no meio o monumento levantado em homenagem a Gualdim Pais. Juntam-se-lhes, ao redor deste conjunto, diversos edifícios que compõe o cenário de forma muito bem conseguida. E ainda falta o Castelo e Convento de Cristo, que se erguem majestosamente colina acima.



As ruas em volta desta Praça são estreitas, umas mais resguardas do que outras. A principal, e pedonal, é a Rua Serpa Pinto, antiga Corredoura, hoje centro comercial por excelência, mas onde encontramos alguns dos edifícios mais simbólicos da cidade. O Café Paraíso (a par do Estrelas de Tomar uma confeitaria obrigatória – a não perder um “beija-me depressa”, pela piada de pedir a coisa e também de saborear um doce de ovo), mas também uma série de fachadas outrora pertencentes aos proprietários mais abastados.

Por aqui perto ficava a Judiaria de Tomar, de que resta ainda a sua Sinagoga. Implantado numa rua estreita orgulhosamente florida, donde se avista ao fundo o Castelo, este edifício terá sido construído no final da primeira metade do século XV na sequência de financiamento por uma elite de judeus que seriam próximos da Ordem de Cristo e da família real. É representativo de uma época em que as diversas religiões conviviam de forma relativamente pacífica, ainda que os edifícios judaicos não pudessem ultrapassar em altura os cristãos, nem pudessem ostentar luxo ou ter portas e janelas abertas directamente para a rua. Ou seja, esta sinagoga em estilo gótico seria, forçosamente, arquitectonicamente diferente do que se apresenta hoje, restando o testemunho da prática religiosa e cultural de um determinado grupo de habitantes da Tomar de outros tempos.

E Tomar é, claro, a terra onde se realiza a Festa dos Tabuleiros, um evento tradicional que se realiza de quatro em quatro anos (o próximo está previsto acontecer em Julho de 2023), momento em que as ruas e janelas se decoram para ver passar o cortejo. Um grafitti numa parede do centro histórico a ela alude.


A caminho do rio Nabão outros motivos surgem. Como a rua dos Arcos e, sobretudo, os Estaus, outro símbolo de Tomar. Apesar de marcantes, apenas restam dois arcos monumentais e dois arcos ogivais na fachada de um prédio pertencentes ao primitivo edifício mandado construir pelo Infante D. Henrique, no século XV, para servir de hospedaria de apoio aos feirantes da feira franca nabantina.



Do outro lado da rua, colado ao rio surge a Casa dos Cubos, hoje destinada a serviços camarários, a qual remete para a época da Ordem de Cristo, altura em que desempenhava as funções de celeiro. Atravessada a Ponte Engenheiro Eduardo de Arantes e Oliveira, uma espécie de ilha flutua no rio. O hoje Complexo Cultural da Levada é o resultado da transfiguração de um espaço que já teve muitas vidas. No século XII aqui existia uma antiga estrutura hidráulica composta por moagens, moinhos e lagares que aproveitavam a força motriz da água. Mais tarde deu lugar a uma fábrica de fiação e, depois, a uma central eléctrica – um pequeno núcleo museológico que preserva o antigo património industrial explica-nos isso mesmo e a chaminé que daqui sai de rompante em direcção ao céu confirma-o. A requalificação e reabilitação arquitectónica da Levada de Tomar, iniciativa da Câmara, é surpreendente e aqui podemos ainda ver diversos outros espaços com exposições contemporâneas, parte da sua mais recente vida.


E eis que chegamos à Ponte Velha, outro dos postais de Tomar. Na outra margem do Nabão, até à qual fazemos questão de atravessar, fica o Convento de Santa Iria, implantado no século XVI no lugar onde se diz que Santa Iria terá sido degolada e durante anos pouso de freiras clarissas.

Por aqui é onde o Nabão ganha mais cor e movimento. Há um pequeno açude e uma nora, mas há sobretudo muito espaço verde. Numa ilha fica o Parque do Mouchão e para lá dela o Jardim da Várzea Pequena, com coreto e um género de pérgola. Depois de nos sentarmos num banquinho a sentir o ambiente, caminhamos breve até à Capela de São Gregório. Construída no início do século XVI, possui uma arquitectura alpendrada com colunas dispostas em círculo e há quem veja nela semelhanças com a Capela de Santo Amaro, em Lisboa, sendo porém menor.

Diante da Capela de São Gregório fica a Vila Tomé, com a fachada vivamente decorada.

Neste ponto mais a norte do centro histórico de Tomar invertemos a marcha e retornamos até ao lado contrário, não sem antes apreciar mais um tranquilo largo. É o Largo do Pelourinho, mais um protegido pelo castelo, com um belo pelourinho barroco ao centro rodeado de casas caiadas de branco com frisos amarelos.

Aqui termina o passeio a pé pelas ruas da cidade. E começa o roteiro de carro pelos seus miradouros. O da Capela de Nossa Senhora da Piedade fica mesmo acima da Capela de São Gregório, após uma algo longa escadaria. Tudo se avista, centro histórico de Tomar e Castelo e Convento de Cristo reunidos numa só mirada.


Mais perto do Convento fica outra bela vista, desta vez desde a Ermida de Nossa Senhora da Conceição.


Mas a monumentalidade de Tomar não acabou ainda. Falta percorrer uns poucos quilómetros de carro até ao vale de Pegões, momento épico do aqueduto de mesmo nome. Também conhecido como Aqueduto do Convento de Cristo, foi construído entre 1593 e 1614 com a finalidade de abastecer de água o convento e sua cerca. Neste vale de Pegões torna-se grandioso, com os seus 58 arcos de volta inteira sobre 16 arcos ogivais apoiados em pilares, numa altura máxima de 30 metros. Durante quase 500 metros, a distância que medeia entre as duas estruturas abobadadas do Aqueduto, podemos caminhar no alto deste canal de água, desafiando as vertigens. Esta aventura pode não ser para qualquer pessoa, mas seria uma grande perda não visitar a belíssima imagem do Aqueduto dos Pegões pelo menos desde a sua inspiradora base.