Serra de Montejunto

A Serra de Montejunto está situada entre os concelhos do Cadaval, a norte, e de Alenquer, a sul, e é parte integrante do Maciço Calcário Estremenho, no prolongamento sudoeste da Serra dos Candeeiros. O seu ponto mais alto alcança os 666 metros de altitude, o mais alto da Estremadura, e apesar de a Serra ser relativamente pequena possui muitos pontos de interesse.

É, desde logo, um miradouro natural de excelência da Região do Oeste. Vêem-se diversas povoações que descem pelas suas encostas afora e se estendem em direcção ao Atlântico e ao Tejo. Mesmo num dia com algumas nuvens, como aquele que nos tocou, não é difícil perceber a Lagoa de Óbidos a desaguar na Foz do Arelho nem os característicos contornos da península de Peniche. Num dia de céu limpo, então, consegue-se ver toda a costa de Sintra à Nazaré.

O Centro de Interpretação Ambiental da Serra de Montejunto, instalado na antiga Casa do Guarda Florestal, quase no topo da Serra, dá-nos um muito bom enquadramento do lugar e sua envolvente, sendo pois o ponto de partida ideal para sair a visitá-lo. Classificada como Paisagem Protegida em 1999, a Serra preserva vários ecossistemas. Estão aqui registadas cerca de 400 espécies de plantas e 75 de aves. Há manchas de pinheiros, mas é o carrasco e alecrim que mais predominam, havendo ainda a destacar a existência de uma espécie rara de orquídea, a piramidal, que tivemos a sorte de observar. Mas a Serra de Montejunto acolhe ainda uma série de elementos patrimoniais de âmbito histórico-cultural. Geologia, com formações várias típicas das zonas calcárias, arqueologia, com diversas necrópoles e castros, arquitectura, com construções medievais, e até uma indústria do século XVIII.

Comecemos por aqui. A Real Fábrica do Gelo foi pioneira no implementar de técnicas de refrigeração no nosso país. A utilização da neve é milenar, mas terá sido Marco Polo quem, após a sua viagem pelo Oriente, trouxe a prática para a Itália e, logo, Europa. O hábito dos sorvetes e dos gelados – com o uso da neve, e não do gelo – existia já no século XVI em França e Itália. Eram então produtos de luxo. A Portugal chegou durante a dinastia Filipina, que introduziu no nosso país um costume que Espanha já possuía, o hábito dos gelados e de beber bebidas frescas no Verão, sendo então a neve trazida da Serra da Estrela (mas, como está bom de ver, perdia-se em grande parte). Apesar de não ter sido uma encomenda régia, antes uma iniciativa privada, em 1741 abriu uma fábrica de gelo no nosso país. Ou seja, da mera utilização da neve passou-se a manufacturar gelo. O nome ficou Real Fábrica do Gelo, uma vez que o gelo servia principalmente a casa real e a corte. O lugar escolhido para a implementação desta fábrica foi a Serra de Montejunto, um lugar frio e a meros 40 kms de Lisboa. Virada a norte, aqui se passou a fabricar, armazenar e conservar gelo. A água era colocada nos 44 tanques a céu aberto e de noite as temperaturas desciam de tal forma que a água gelava, sendo depois deslocada para uns silos e armazenada sob técnicas inovadoras. Era uma fábrica singular, mesmo a nível europeu, daí estar classificada como Monumento Nacional, e laborou até finais do século XIX. Por altura da nossa visita o espaço estava encerrado para obras de requalificação, daí termos visto apenas a bonita fachada do seu edifício principal e alguns tanques para lá das redes que delimitam a propriedade.

Mas após o processo de manufactura do gelo, que servia depois para confeccionar gelados ou tratamentos medicinais, havia que o transportar até Lisboa, seguindo depois para a corte e para a Casa da Neve, onde era vendido a particulares (como curiosidade, diga-se que esta Casa da Neve foi inaugurada pelo Marquês de Pombal e acabou substituída pelo Café Martinho da Arcada, que perdura até hoje). Depois de cortado e embalado, o gelo era transportado no lombo dos burros serra abaixo, seguindo depois em carroças até ao Carregado e daí de barco pelo rio Tejo até Lisboa.

Note-se que nessa época não havia estradas – daí o recurso aos burros. Hoje tudo é diferente e acedemos ao topo da Serra de Montejunto por uma estrada confortável, caso não desviemos o olhar para o precipício que a espaços surge à nossa mão direita. Mais inteligente será deixarmo-nos distrair pelas cristas rochosas que vamos percebendo à aproximação da Serra. Já se disse, são os calcários que predominam na Serra.

Os imensos blocos nas escarpas são os que mais impressionam, mas na Penha do Meio Dia encontramos ainda uns afloramentos típicos destes ambientes geológicos, as lápias, havendo que os calcar com algum cuidado para não nos desequilibrarmos. Um marco geodésico assinala o lugar, acompanhado da torre de vigia para detecção de incêndios florestais. A vista para norte é larguíssima, a tal onde percebemos a Lagoa de Óbidos e Peniche. Mas pela Penha do Meio Dia há ainda que admirar a falha escarpada que desce por ela abaixo, permitindo até que a bela e pitoresca aldeia de Pragança se aninhe na encosta, formando um autêntico anfiteatro natural.

Os relevos calcários, já se sabe, são facilmente sujeitos a processos erosivos, deixando-se tomar pelas águas das chuvas que os vão moldando e dando origem a formas características, como as ditas lápias. Mas há mais exemplos pela Serra, como algares e grutas. Abaixo da Penha do Meio Dia e perto do Miradouro Salvé Rainha encontramos a gruta de mesmo nome. Esta gruta, como outras vizinhas, foram utilizadas pelos povos pré-históricos como necrópoles, lugares de enterramento dos seus mortos e nelas foram encontradas não apenas ossadas como também objectos cerâmicos e metálicos, testemunhos do povoamento da Serra desde o Paleolítico Superior (20000 a.C). Sim, a Serra é de povoamento antiquíssimo, tendo sido escolhida precisamente por ser um lugar alto de onde era possível dominar toda a paisagem envolvente. Alguns castros aqui encontrados, como o da Rocha Forte, Pragança e Salvador revelam-no. No entanto, dado o clima adverso, foi sendo progressivamente abandonada, optando os nossos antepassados longínquos por se estabelecerem nos terrenos ao redor.

Mais férteis e acolhedores, foram surgindo aldeias onde se trabalhavam os campos agrícolas, cultivando-se trigo, milho, batata e hortícolas. Hoje é a vinha, igualmente antiga, a cultura dominante na região, fazendo-se sentir visualmente nas encostas e várzeas da Serra. Havia também lugar para o pastoreio, mas foi diminuindo e sendo substituído pela florestação de pinheiros e eucaliptos. Aliás, a paisagem de Montejunto foi sendo moldada pelo Homem ao longo dos séculos, e o seu coberto vegetal seria maioritariamente o carvalho português, que terá subsistido até ao século XVI. Hoje a floresta mantém-se apenas em alguns vales mais inacessíveis e domina sobretudo o carrasco e o alecrim. No entanto, é possível encontramos breves nichos encantados, como uma pequena mas bem bonita álea de árvores por onde passámos, para além da impressiva fileira de arvoredo do parque de merendas junto ao Centro de Interpretação. Há, inclusive, um percurso pedestre circular de 1,8 km, correspondente à Estação da Biodiversidade de Montejunto, que nos guia por matos e floresta de castanheiros, assinalando as plantas e animais que podem aqui ser observados – repita-se a existência da orquídea piramidal anteriormente referida, já a romper por altura da nossa visita.

Outro dos elementos trazidos pelo Homem à Serra foram os moinhos de vento. Perto da Penha do Meio Dia já havíamos passado por um, mas é na vertente contrária, virada a sul, que eles preenchem o horizonte. A maior parte deles caiados de branco e com dois ou três pisos, telhado em forma de cone e mastro de madeira, apesar de hoje desactivados são um testemunho da época da cultura dos cereais.

Nesta vertente, donde se avista a Ota e Vila Verde dos Francos, deslumbra a série de relevos com um sem número de cabeços verdes, fazendo lembrar as ondulações açorianas. Foi eleita a vista mais bonita deste nosso passeio pela Serra de Montejunto.

Daqui houve que subir por uma encosta coberta de cascalheira para completar a lista de lugares icónicos e interessantes da Serra com a vertente religiosa. Construção medieval do século XIII, a Capela da Senhora das Neves é dona da mais antiga e maior romaria de Montejunto, que já vem desde a Idade Média. Escolhida pelos monges dominicanos para aqui viverem em contemplação, a Serra ficou conhecida como “Monte Sacro”, tendo os monges aqui instalado o seu convento em 1218, talvez o primeiro convento dominicano em Portugal. Praticantes de ascetismo, a vida no lugar para onde se recolheram revelou-se tão isolada e agreste que a acção missionária dos monges foi mais do que difícil. Optaram, então, por se instalar em Santarém e Montejunto passou a servir apenas de casa disciplinar ou de recolhimento, sendo pouco habitada. Para além da Capela, resta a ruína do restante conjunto monástico. Uma ruína cheia de ambiente, na verdade, uma daquelas que se presta a que deambulemos pelo seu interior esventrado e contemplemos o exterior pela silhueta das antigas janelas. E é assim que enquadramos artisticamente a Estação de Radar e as antenas do Emissor de televisão de Montejunto.

Pouco mais acima do convento, a Ermida de São João Baptista marca o limite dos concelhos do Cadaval e Alenquer, instalada por entre rochedos calcários a 661 metros de altitude.

De volta ao Centro de Interpretação, desce-se pela Calçada dos Frades, a mesma utilizada pelos monges e ainda bem conservada no seu piso de pedra.

E, já junto ao Quartel da Estação de Radar, surge uma lagoa, a Lagoa de Montejunto com a sua água espelhada. Não poderíamos terminar este texto sem uma lenda. No imaginário local, a Serra de Montejunto é oca ou rota por dentro, e um braço de mar entra pelas suas cavidades naturais. É o “ouvido do mar” nesta Serra de Neve que nunca fica seca, mesmo nos verões mais rigorosos. A Lagoa aí está para o comprovar.

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