Peniche

Os amantes do mar não se decepcionarão com uma visita a Peniche, generosamente banhada pelo Atlântico e senhora de uma geografia incrível que é um paraíso para os geólogos e uma atracção singular para todos aqueles que se encantam com a forma das rochas. A costa marítima portuguesa tem neste ponto algumas das suas grandes curiosidades.

A península que até por volta dos finais do século XIV era uma ilha formou-se por conta da acumulação de areias em consequência dos movimentos marítimos e fluviais. Com isso, a península de Peniche ficou bem delimitada ao centro, enquanto duas longas enseadas e areais em curva se formaram em cada uma das suas vertentes, a norte até ao Baleal e a sul até à Consolação. No entanto, atentando ao topónimo “peniche”, uma derivação do latim “pinniscula” (de significado “quase-ilha”), pode entender-se que a sua formação terá tido avanços e recuos ao longo dos tempos por efeito das marés, indo de península a ilha e, depois, novamente península. Certo é que o povoamento da região vem desde há muito, com registos nas suas grutas de uma ocupação humana pré-histórica. Mais recente, a presença romana está igualmente testemunhada pela pesca, conservas e produção de ânforas, incluindo na Berlenga, a mágica ilha vizinha.

Até se tornar definitivamente ilha (pelo menos até aos nossos dias), Peniche esteve na dependência de Atouguia da Baleia, povoação doada por D. Afonso Henriques aos cruzados franceses que o ajudaram a tomar Lisboa aos mouros e que na Idade Média seria não só banhada pelo mar como deveria haver nela um centro pesqueiro que incluía a pesca de cetáceos, aludindo o seu topónimo a esse facto. Com a formação do cordão dunário que a ligou ao continente os papéis inverteram-se e hoje é Atouguia da Baleia que depende administrativamente e economicamente de Peniche. Assim, em 1609 Peniche foi elevada a vila e dois núcleos urbanos foram-se destacando: Peniche-o-Velho (a actual Peniche de Cima) e Ribeira (a actual Peniche de Baixo). Vítima de pirataria e de ataques que poderiam colocar em causa a nacionalidade, pela sua proximidade à capital, até ao século XVII foi sendo desenvolvido um sistema defensivo com várias fortificações na região: fortes da Berlenga e Consolação, Fortim do Baleal e, o maior testemunho deste sistema, Fortaleza de Peniche.

Construída no século XVI e tornada praça de guerra, nas suas imediações foram construídas muralhas e baluartes. A cidadela e praça de guerra correspondem à fortaleza abaluartada levantada numa escarpa rochosa que dá imediatamente para o mar e é delimitada por um fosso de água onde desagua a ribeira na sua frente urbana. Constituiria um género de ilha praticamente inexpugnável. Mas, se desde a sua origem conseguiu evitar ataques de piratas e outros a este pedaço da costa, não foi capaz de impedir as invasões napoleónicas. Mais, depois de ser convertida em prisão política de alta segurança para opositores do Estado Novo, foi palco em 1960 da célebre e espectacular fuga de Álvaro Cunhal. Um memorial logo à entrada da Fortaleza presta homenagem, com o nome de cada um, a todos aqueles que ousaram resistir à ditadura e lutar pela liberdade e, por isso, aqui estiveram presos.

Em 2017 o Governo determinou que na Fortaleza fosse instalado o futuro Museu Nacional Resistência e Liberdade, um espaço de memória e símbolo da luta pela liberdade. Enquanto esse desígnio não se cumpre, o seu interior acolhe o Museu da Cidade de Peniche e algumas exposições. Da visita aos seus espaços destaca-se a vista para o infinito do mar desde o Fortim do Redondo e, sobretudo, o Parlatório, o espaço da prisão política onde os presos recebiam as limitadas visitas dos familiares e amigos. A este propósito, realce-se o registo histórico da solidariedade das gentes de Peniche para com os presos que então lutavam pela liberdade no nosso país, quer através da conivência e silêncio das fugas de que foi testemunha, quer na cedência de instalações para a estadia dos familiares em visita aos seus.

A povoação de Peniche, em si, não tem especial graça. Raul Brandão dizia mesmo ser Peniche “horrível”. Não chegamos a tanto e insistimos em caminhar pelas suas ruas com edifícios que terão evoluído de antigas habitações de pescadores para vulgares prédios do século passado, seguindo desde o molhe / porto (donde partem os barcos para as Berlengas) com a orientação dos baluartes. O casco urbano mais antigo estende-se ao redor das Igrejas da Misericórdia e de São Pedro.

Junto a esta fica o Museu da Renda de Bilros, provavelmente o mais destacado aspecto etno-cultural de Peniche e a mais reconhecida peça de artesanato local. A sua origem remonta aos tempos em que os homens se dedicavam à pesca e à agricultura, ao passo que as mulheres à salga do peixe e à renda como complemento ao rendimento do casal. Ficavam, então, à porta de casa a rendilhar as peças que hoje (re)conhecemos como a renda de bilros de Peniche. Esta tradição virá do século XVII e em 1887 foi criada a Escola de Desenho Industrial Rainha D. Maria Pia e incentivado o ensino da renda de bilros.

Destaque para o castiço bairro perto da Fortaleza e seu miradouro Carreiro e São Marcos.

Mas é a forma que a costa toma na península o enorme atractivo de Peniche. Em cerca de 8 kms rodamos ao longo dela, desde a Papoa à Fortaleza. A rocha calcária rude cheia de cortes e lascas preenche todo o contorno de terra e mar, não apenas na península de Peniche mas também na península vizinha do Baleal. Pequenas reentrâncias, falésias com rochas afiadas e outras redondas, parece haver formas para todos os gostos.

A erosão marinha é a grande responsável por este cenário ao mesmo tempo caótico e pacífico – sobretudo quando o mar ousa manter-se calmo. A Ponta do Trovão e a Nau dos Corvos são dois bons exemplos desta paisagem criada há dezenas de milhões de anos e que revela a evolução geológica do Jurássico no nosso país. Junto à rocha que ganhou o nome pela sua morfologia parecida com a de uma nau existe mesmo um campo de lápias. E, depois, há uma série de grutas (que não visitámos), como a da Furninha, onde se encontraram vestígios de presença humana desde a época do Homem de Neandertal, sendo considerada o sítio Neandertal mais ocidental do mundo.

Andamos pelo Cabo Carvoeiro, com o seu farol que ajuda a evitar naufrágios neste mar muitas das vezes desassossegado. Do alto das falésias do ponto mais ocidental de Portugal a norte do Cabo da Roca avista-se na perfeição o arquipélago das Berlengas, mar afora a apenas cerca de 12 kms da costa continental.

E em terra firme mas bem junto à costa temos o Santuário de Nossa Senhora dos Remédios. Construído no século XVI, reza a lenda que uma imagem de Nossa Senhora terá sido encontrada numa caverna neste lugar e, em devoção, os peregrinos habituaram-se a vir até este lugar frequentemente em romagem. Vale a pena passar para lá das casas que serviam de abrigo aos romeiros e da praça murada que serve de antecâmara à capela para nela descobrir um interior quase na totalidade decorado a azulejos.

E já que estamos pela península de Peniche, não podemos deixar de desviar um pouco mais a norte e visitar a península vizinha do Baleal. Muito mais pequena em área, também aqui se encontram formações rochosas incríveis que parecem guardar as poucas casas que se estendem pela meia dúzia de ruinhas.

É por aqui que se sente melhor a surf city que Peniche se tornou. Na praia norte do Baleal fica a onda de topo do Lagido, enquanto que na praia sul o Cantinho da Baía é inundado por surfistas iniciantes.

Já a sul da península de Peniche fica outro longo areal, o da Consolação, que recebe a onda de Supertubos, uma das melhores de Portugal. E, claro, todas estas praias são boas para um refrescante e revigorante mergulho seguido de um descanso na toalha estendida na areia branca deste pedaço de costa portuguesa.

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