Marvão

Quando vemos um grupo de uns 40 chineses a ser descarregado em bando de um autocarro num ponto do interior de Portugal ficamos sem dúvidas: o Marvão pode ser um ponto perdido no meio da Serra de São Mamede, mas é um daqueles que tem obrigatoriamente de estar no caminho de, pelo menos, qualquer um de nós, portugueses. Pois então se até do outro lado do mundo o vêm conhecer.

A sua localização é especial, uma vila no alto de um cabeço a 843 metros de altitude, a mais alta povoação do Alentejo. E para torná-la ainda mais inexpugnável, muralhas e torres cercam-na e confundem-se com a rocha fabulosa que a natureza lhe ofereceu. O que não se confunde nunca, mesmo se avistado de longe, é o seu casario de cor alva durante o dia e as suas luzinhas amarelo-alaranjadas durante a noite. Parece mágico e é-o mesmo.

O nome “Marvão” tem origem no nome do fundador da vila, Ibn Marwan, o vizir da época muçulmana que levantou as fortificações no século IX. Três séculos depois, D. Afonso Henriques tomou-a aos mouros e integrou-a no reino de Portugal. Com uma situação geográfica estratégica, foi desempenhando ao longo dos tempos um papel muito importante no controlo e no povoamento da linha de fronteira. Marvão está a apenas 6 kms da fronteira com Espanha.

O acesso por estrada a Marvão é feito exclusivamente a partir da povoação de Portagem, lugar de bons restaurantes e de um parque fluvial aprazível junto ao rio Sever situado na planície da Serra de São Mamede. Daí é sempre a subir em direcção a Marvão. Antes de adentrarmos na vila medieval fortificada, encontramos o Convento e Igreja de Nossa Senhora da Estrela, construído pelos franciscanos em 1448.

Um pouco mais adiante chegamos, então, às Portas de Rodão, uma das entradas de Marvão. É muito boa ideia deixar o carro aqui fora para poder explorar livremente as suas ruas a pé.

Ultrapassada esta porta muralhada, logo nos surge uma ruinha a subir. Rua estreita mas longa, calçada antiga, casas brancas de um lado e do outro de dois pisos (tradicionalmente o primeiro para oficina ou guardar animais e o segundo residencial). O típico de Marvão que nos há-de acompanhar por toda a jornada.

E por esta rua logo chegamos ao Largo do Pelourinho e à Câmara Velha (também conhecida como Torre do Relógio), hoje Casa da Cultura, o lugar do antigo tribunal e da antiga prisão, um pequeno espaço museológico que vale a pena visitar. Mouzinho da Silveira foi juiz em Marvão e esse facto é aqui lembrado. Desde este centro da vila temos três opções: ou seguimos a mesma direção, sempre em frente, ou subimos as escadinhas junto à Câmara Velha ou viramos à esquerda, invertendo o sentido em direcção ao Castelo. Optámos por esta última no imediato, mas não deixámos de, mais tarde, seguir por todas as ruas que a pequena Marvão nos oferece.

Antes de entrarmos no Castelo passamos pela Igreja de Santa Maria, hoje transformada em Museu Municipal, e pelo bonito jardim de buxo à sua porta.

Situado sobre uma escarpa rochosa no ponto mais alto da vila, e na sua vertente mais oriental, o Castelo ergue-se vigilante. Esta é a única fortificação medieval portuguesa que manteve o seu valor estratégico até ao século XIX. Logo ultrapassada a sua porta de entrada encontramos uma das maiores cisternas de castelos portugueses, com 1 metro de altura e 46 cm de comprimento. Diz-se que aqui se acumulava água para 6 meses, essencial para uma vila altaneira onde não havia água.

Segue-se a segunda porta e um enorme terreiro (o antigo albacar) nos aguarda, a primeira de duas praças de armas. E a Torre de Menagem. É imprescindível subir à torre da bandeira ou, para quem tem vertigens, pelo menos caminhar pela muralha. As vistas da serra de São Mamede e da vila de Marvão são fabulosas (se bem que a vista que se obtém antes da entrada do Castelo, encavalitada na rocha, é mais fotogénica, pela agreste natureza moldada pelo Homem).

José Saramago escreveu em tempos que “de Marvão vê-se a terra toda”. Já o Prior Frei Miguel Viegas Bravo, nas Memórias Paroquiais de 1758, classificava Marvão como a “vila a mais inconquistável de todo o reino, só aos pássaros permite a entrada. Talvez por isso, Marvão é conhecida como “ninho de águias”.

Um novo terreiro, mais pequeno, aguarda-nos ainda para completar a surpresa que é a visita a este Castelo. Rodeado de altas muralhas, aqui ficavam os antigos paióis e armarias. A chamada Porta da Traição fica por aqui, assim como diversos baluartes. As vistas continuam largas.

Apreciada, então, Marvão de cima, e percebidos agora mais claramente os contornos desta vila muralhada, adentramos novamente pelas suas ruas.

Passamos pela fonte do concelho, pelo edifício apalaçado da antiga Casa do Governador com a sua sacada em ferro forjado, por lojas de artesanato e venda de castanhas, pela Igreja de Santiago em frente a mais umas formosas formações rochosas. Uma das mais bem conservadas vilas fortificadas portuguesas, Marvão não é, ainda para mais, um burgo fantasma. Tem vida, e não apenas pelos turistas que a visitam.

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