A primeira impressão à aproximação de Castelo de Vide, que vamos vendo instalada no alto de uma colina a 469 metros de altitude, é a de que é uma povoação extensa de casas brancas protegidas por um castelo no meio da Serra de São Mamede.
Castelo de Vide recebeu carta régia em 1180 e o primeiro foral em 1310 por D. Dinis, o qual construiu o castelo que lhe dá o nome e as muralhas que perduram até hoje. Não é, no entanto, deste rei a estátua com que nos deparamos à entrada do centro histórico. Na larga Praça D. Pedro V é este esbelto rei que nos dá as boas-vindas e logo percebemos que é uma vila bem conservada a que nos recebe. Não que seja monumental, nada disso. São antes as suas ruas e o seu casario e apontamentos arquitectónicos e decorativos discretos mas abundantes o que nos seduz. Ou seja, há que caminhar e palmilhar as ruas estreitas e íngremes de Castelo de Vide para melhor a sentirmos e ganharmos.
Na Praça D. Pedro V ficam os antigos Paços do Concelho, um edifício com arcos quebrados e portais góticos, uma construção nobre do século XVIII que ostenta um brasão com as armas de Portugal e a cruz de Avis. E aqui ficam ainda mais uns quantos edifícios interessantes.
Uns interessantes pela sua arquitectura surpreendente, com pequenos torreões acastelados, uma, e com trabalhos de estuque e cores vivas, a outra. Outros ainda interessantes pelo facto de neles terem nascido personagens históricas, como Mouzinho da Silveira, por exemplo. Ao lado da Igreja Matriz da Devesa fica um pequeno largo que leva o nome de outra figura que desempenhou um papel decisivo no nosso Portugal contemporâneo: Castelo de Vide é a terra que viu nascer Salgueiro Maia.
Tamanhos vultos só podem significar ser esta uma terra grande e mais adiante nomearemos ainda um outro, só para tirar qualquer dúvida que ainda pudesse existir.
Antes, porém, subamos até ao castelo. Pelas tais ruas estreitas e íngremes. Sempre preenchidas com o casario branco com frisos amarelos, tão típico dos povoados alentejanos. Mas aqui as ruas de traçado medieval estão todas floridas. E as portas ogivais e manuelinas sucedem-se sem que nos cansemos de as observar.
A entrada no Castelo e a descoberta de um novo burgo permite-nos perceber que Castelo de Vide são como que duas povoações, mas ambas unidas pelo mesmo carácter e atmosfera. No entanto, o enorme trabalho de conservação e restauro da vila não chegará para tudo e aqui dentro do castelo veem-se alguns espaços abandonados.
Mas a maioria segue inteira e mimosa aos olhares forasteiros. Uma placa de uma das ruas anuncia ter sido esta, em tempos, a vencedora de um prémio de rua mais florida e uma velhinha à sua porta dedica-se ao artesanato e à venda dos seus produtos.
No burgo intra Castelo destaca-se o pequeno largo onde fica a igreja de Nossa Senhora da Alegria, conhecida pelos seus azulejos.
É possível caminhar um pouco pelas muralhas e até descê-las e voltar ao centro histórico da vila pela encosta contrária à entrada principal do castelo.
Não o fizemos e optamos apenas pela a imprescindível subida à Torre de Menagem. Daqui se aprecia os contornos da serra que envolve a vila de Castelo de Vide que se espraia aos nossos pés.
E se subimos até ao Castelo, agora toca-nos descer.
A Judiaria, o bairro judeu medieval, é o conjunto de casas e ruelas instaladas numa encosta que vai da porta do castelo até à fonte da vila. No século XV um édito dos Reis Católicos de Espanha levou a que inúmeras famílias judias fugissem do outro lado da fronteira e aqui procurassem refúgio. Foi assim que aqui se foi instalando uma comunidade judaica que muito viria a contribuir para o desenvolvimento da vila. No edifício do que se pensa (sem muita certeza) ter sido a sinagoga fica hoje um espaço museológico que nos conta a história e tradições desta comunidade que se dedicou sobretudo a artes e ofícios como a sapataria, tecelagem e cardação. Ficamos a saber, por exemplo, que as tradições pascais da vila (comuns, aliás, a muitas regiões do país) terão ainda hoje influência de ritos judaicos. E que Garcia da Orta pode ter escapado em vida à fogueira, o que não aconteceu com a sua irmã, mas os restos do seu corpo já no túmulo não tiveram a mesma sorte, vítimas da Inquisição. É isso mesmo, Garcia da Orta, o mais histórico dos botânicos portugueses, é também um dos filhos ilustres de Castelo de Vide.
Saídos da sinagoga descemos a bem descer até à Fonte da Vila, construção do século XVI em forma quadrangular e com uma cobertura piramidal suportada por colunas de mármore. Despedindo-nos desta fonte singular, subimos mais uma rua e já cá estamos novamente diante dos antigos Paços do Concelho. Diversas ruas irradiam daqui para cima, até lugares que nos oferecem uma panorâmica irresistível do castelo e da Serra de São Mamede e mais além.
Na outra ponta da Castelo de Vide fortificada há até mais um forte para além do castelo, o forte de São Roque, e pelo meio diversos baluartes. Haja fôlego para repetir as subidas. Cá em baixo, porém, vários jardins e igrejas nos aguardam. E bons restaurantes. E doçaria típica, como a boleima, mais uma tradição da comunidade judaica.
Não é fácil deixar o encanto de Castelo de Vide, mas saímos convencidos do bom trabalho na conservação de uma vila pitoresca no interior de Portugal.
Não podemos, no entanto, deixar de vaguear pelos seus arredores. Região onde a ocupação humana é muito antiga, vários exemplares do megalitismo estão por aqui presentes, como antas e menires. Junto a Marvão, ali perto, temos até a cidade romana de Ammaia para conhecer.
Mas a melhor forma de nos despedirmos de Castelo de Vide é subir até à Capela Nossa Senhora da Penha, um miradouro incrível donde tudo se alcança, e avistá-la de longe por entre o arvoredo e as rochas agrestes.
Para pernoitar, uma sugestão à medida da pacatez que a interioridade do Alentejo nos oferece. Existem várias opções de alojamento, mas talvez nenhuma tão surpreendente como a Pensão Destino, instalada na antiga estação de comboios de Castelo de Vide, a 4 kms do seu centro histórico. Aqui pudemos desfrutar do sossego absoluto da serra, apenas entrecortado pelo latido dos cães ou o cacarejar das galinhas, enquanto nos deixamos estar na sua esplanada com a companhia dos belíssimos azulejos e relógio da antiga estação e da desactivada linha do comboio ali mesmo ao lado.
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