De Elvas a Olivença com passagem pela Ponte da Ajuda

Elvas é das cidades alentejanas mais interessantes e magnificentes. É sempre um prazer rever as imagens dos seus Aqueduto da Amoreira e Forte de Nossa Senhora da Graça.

Há muito tempo já tínhamos escrito sobre esta cidade da raia aqui, mas merece novas palavras.

A sua implantação geográfica, na fronteira com Espanha, fez com que a vila medieval que conserva ainda a topografia característica dessa época, bem como o castelo, se tornasse numa praça de guerra. O crescimento e desenvolvimento da cidade fez com que à cerca do núcleo urbano primitivo fossem acrescentadas mais duas cinturas de muralhas, tendo cada uma delas produzido uma malha urbana diferente. É, pois, impossível não dar com um troço de muralha, um muro de fortaleza, um baluarte, uma porta. Aliás, várias portas e todas elas únicas.

Um bom exemplo deste “palimpsesto” é o Arco do Dr. Santa Clara, construído no século XIX sobre uma antiga porta muçulmana. Em estilo romântico, este é um dos símbolos de Elvas que mais aprecio. Daqui até ao castelo, a Elvas do século XII é feita de ruas estreitas e labirínticas, bem ao estilo mouro, com casas caiadas com riscas amarelas e decorações com plantas e flores à porta.

Mas do Arco do Dr. Santa Clara para baixo o espaço é maior, com a ampla Praça da República, rasgada no século XVI, a acomodar, entre muitos outros edifícios, a Igreja Matriz e os antigos Paços do Concelho (hoje Casa da Cultura), pitoresco na sua varanda quinhentista com arcos. Para lá da Rua da Cadeia, uma outra Elvas, agora com ruas um pouco mais direitas, numa busca imperfeita da ortogonalidade ou numa intencional quebra da melancolia. Mas sempre com o branco e amarelo presentes nos seus edifícios.

E, a rodear tudo isto, um sistema fortificado de 10 kms, incluindo os Fortes da Graça e de Santa Luzia, fazendo de Elvas uma autêntica cidade fortaleza abaluartada.

Saímos de Elvas em direcção a Olivença, 25 kms praticamente em linha recta atravessando a nova Ponte da Ajuda sobre o Rio Guadiana. No entanto, é obrigatória uma paragem no lugar onde jaz a velha Ponte de Nossa Senhora da Ajuda.

A ruína desta ponte é incrível. E ter as águas tranquilas do Guadiana como cenário ajuda. Esta era uma ponte fortificada – ainda lá está a antiga torre em ruína – de que restam 8 arcadas na margem direita e 5 na esquerda. Construída no século XVI, foi logo nesse século que começou a desabar em consequência de ventos e cheias. Foi reconstruída, mas no século XVIII acabou novamente destruída, desta vez pelo exército espanhol. Há que contextualizar historicamente. A construção da velha Ponte da Ajuda aconteceu numa época em que Elvas e Olivença pertenciam a um mesmo país. [já oiço alguns a questionar, então mas ainda não são ambas Portugal?] E foi no contexto da fortificação e defesa de Olivença que a ponte foi construída, também no sentido de ligar as duas margens do Guadiana, permitindo um intercâmbio de pessoas e bens. A verdade é que o rio é uma fronteira natural e durante séculos a Ponte da Ajuda ali esteve, interrompida no seu tabuleiro original de 453 metros de comprimento. Assim como há dois séculos dura a disputa de território entre Portugal e Espanha. No ano de 2000 foi inaugurada a nova Ponte da Ajuda, a 400 metros da antiga, obra totalmente financiada pelo governo português, não fosse a aceitação de contribuição dos usurpadores espanhóis significar algo mais do que isso, a construção de uma ligação entre as margens portuguesas do Guadiana.

Mas, dizia, o lugar natural onde foi construída a original Ponte da Ajuda é de uma inspiração sem limites. Descemos pela Capela instalada num ponto alto relativamente ao rio e caminhamos até onde podemos pelo que resta do tabuleiro da ponte. Na outra margem, desligada, percebemos que alguém faz o mesmo que nós, cá deste lado. Meia volta e, ainda que com atenção para evitar os buracos, espreitamos e percebemos que uma criança brinca lá em baixo na água do Guadiana. Também queremos explorar o lugar por inteiro e descemos até à beira do rio. As pedras irregulares em ambas as margens são perfeitas para compor este postal de fim do mundo, onde não há dúvida de que é a natureza e o correr dos tempos quem mais ordena.

Olivença, então. Não recordo alguma vez aqui ter estado. A relação que a maioria dos portugueses terá com a “Questão de Olivença” será não a da disputa territorial, mas antes a curiosidade de aqui encontrar, ou não, elementos portugueses. Quanto à língua, basta caminhar uns segundos pelas ruas para que se torne evidente de que aqui não se fala português.

Uma montra da Caixa Geral, na Av. de Portugal, suscita a atenção, mas logo ela é desviada para os estores debruçados para lá dos varandins das janelas. Assim como para as janelas e portadas ao nível do chão protegidas de alto a baixo pelas grades verticais em ferro forjado.

A Plaza de España tem calçada portuguesa e uns bancos de jardim com decoração em azulejos que contam em imagens e palavras a história da cidade e região. As ruas com edifícios brancos e árvores com laranjas em flor também nos confundem, de tão familiares.

A Plaza de Santa Maria é o coração do centro histórico de Olivença. Passada umas das suas portas, aqui fica o Alcázar del Castillo, a Torre del Homenaje e a Parroquia de Santa María del Castillo. Alcázar é fortaleza, torre de homenaje é torre de menagem e parroquia é igreja matriz. Os nomes das ruas, anunciados em placas em azulejo azul e branco também comportam duas versões: a espanhola actual e a correspondente portuguesa original. Simpática a lembrança. Nas ruas de Olivenza só quase se veem turistas portugueses a passear, assim como nas de Elvas são os espanhóis a maioria. Mas pelo menos Elvas é Elvas, em português ou espanhol.

Continuemos na busca de elementos “nossos” na povoação portuguesa anexada pelos espanhóis em 1801. Foram os Templários quem, no século XIII, começaram por erguer castelo e igreja no novo burgo que se queria povoar. Pouco mais tarde, à semelhança do que fizera com muitas outras vilas do reino, D. Dinis mandou ampliar as primitivas linhas defensivas dos Templários e o seu sucessor, D. Afonso IV, construiu a alcáçova. Depois, no século XV D. João II mandou levantar a Torre de Menagem. A tal que hoje é conhecida como Torre del Homenaje, mas que continua a carregar as armas nacionais na fachada. Diz que esta torre com 36 metros de altura era das mais altas de todo o reino.

Não podemos, ainda, deixar de reparar na familiar exuberância decorativa com Esfera Armilar e Cruz de Cristo do portal manuelino do antigo Palácio dos Duques do Cadaval, hoje edifício do Ayuntamiento. Mais um superior exemplo do manuelino é a Igreja de Santa Maria da Madalena, única em Espanha. Ops. Baralhei-me novamente. De qualquer forma, espanhola ou portuguesa, Olivença merece repetidas visitas.

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