Este é um passeio por parte do concelho de Lagos que nos permite testemunhar da sua diversidade. Começámos pela sua sede, a cidade de Lagos, uma das mais bonitas e dinâmicas do Algarve.

A presença humana em Lagos é muito antiga, vindo já do Paleolítico. À semelhança de outras cidades costeiras algarvias, por aqui passaram os fenícios, os romanos e os muçulmanos, até os cristãos portugueses a tomarem definitivamente em 1249. Foi Lacóbriga com os romanos e Zawaia com os muçulmanos, até ficar Lagos com os portugueses, talvez designação com origem na água que vinha da Serra de Espinhaço de Cão, nas suas costas.

Na época dos descobrimentos chegou a ser a urbe mais importante do Reino do Algarve, centro da Escola de Sagres, daqui tendo partido as caravelas ao encontro de novos mundos. O Infante Dom Henrique é por isso lembrado, tendo sido levantada uma estátua em sua homenagem na praça que leva o seu nome. Esta praça está aberta para o canal por onde a Ribeira de Bensafrim corre para o Atlântico, Marina e Meia Praia de um lado, Forte da Ponta da Barreira do outro, seguindo ao longo da muito agradável marginal. Ao seu redor fica o Mercado dos Escravos, a Igreja de Santa Maria e, pouco mais adiante, o Castelo dos Governadores.

Construído no século XIV sobre a antiga alcáçova islâmica, este pano de muralha surge imponente – e conservado – de frente para o mar. Entramos pelo Arco de São Gonçalo para o que foi a Viladentro, outrora rodeada pela muralha conhecida pela Cerca Velha. Hoje restam alguns outros panos de muralha e baluartes.

As ruas da Lagos antiga entrecruzam-se e são estreitas, nem sempre planas, com edifícios maioritariamente brancos. Típico da região. Mas o que Lagos têm de diferente é que essas ruas do centro estão cheias de cafés, bares e restaurantes, com esplanadas que se estendem calçada afora. O movimento é intenso. As praças Luís de Camões e Gil Eanes são exemplo do bulício, aqui se juntando as lojas de comércio. Nesta última praça fica a estátua de Dom Sebastião, obra de João Cutileiro que não deixa ninguém indiferente. “O Desejado” foi quem elevou Lagos a cidade e daqui partiu em 1578 para se perder no nevoeiro de Alcácer Quibir e nunca mais voltar.

Mas, dito isto, parece que Lagos é só história. Nada de mais errado. É certo que o Terramoto de 1755 a abalou em demasia e perdeu protagonismo para Tavira e, depois, Faro. Mas não deixa de ser uma cidade moderna onde as artes marcam presença, em especial a arte urbana. O LAC, Laboratório de Actividades Criativas, por exemplo, é uma associação cultural com sede na Antiga Cadeia de Lagos. Este espaço de criação artística, onde hoje os seus inquilinos se movem com total liberdade, possui salas de trabalho e de exposição donde resulta uma criatividade que não se fica entre portas, antes sai para as ruas da cidade, contribuindo para a tal dinâmica que falávamos ao início.

E o turismo é, claro, o grande motor da cidade e da região.
Da Marina de Lagos saem com enorme frequência barcos para um passeio até à Ponta da Piedade (cerca de 15 euros por pessoa por 1 hora). Sem risco de errar, este é um dos pontos mais bonitos da costa portuguesa. As suas falésias douradas têm formas diversas, algumas delas incríveis, permitindo-nos dar largas à imaginação. Será um elefante, um urso, um bolo de noiva? Certo é que os miúdos arranjam maneira de subir a algumas destas falésias para mergulhar nas águas transparentes deste pedaço de Atlântico. Passamos pelo Forte de Lagos, pela Praia do Estudante, pela Praia de Dona Ana e pela Praia do Camilo, das mais fotografadas do Algarve.



Algumas destas formações rochosas são rochedos no meio da água, espécie de ilhas que só terão bivalves e aves como habitantes, e outras erguem-se verticalmente acima do mar. Foi o vento e as marés que as foram esculpindo e dando este ar agreste e crespado, mas incrivelmente bonito. E, ponto alto do passeio de barco, formaram também as inúmeras grutas por onde adentramos pelos arcos desenhados nas falésias. O ambiente é fantástico, com um som que ecoa tranquilamente pelas caves e uma cor irreal, entre o azul e o verde, de uma transparência tocante.
Há que dizer, todavia, que não temos esta maravilha toda só para nós. Entre magotes de outros barcos, kayaks e sups, o congestionamento marítimo é intenso.
Mas a Ponta da Piedade pode e deve ser também apreciada de cima. Junto ao seu Farol saem caminhos, quer para ocidente quer para oriente, pelo topo das falésias. O recorte da costa visto daqui é de uma beleza esmagadora, percebendo-se na perfeição o contraste entre o azul do mar e o dourado da falésia.




Da Ponta da Piedade pode seguir-se a caminhar por trilhos oficiais quer em direcção a Lagos quer à Praia da Luz. Desta vez poupámos as pernas e seguimos até esta última de carro, onde assentámos durante uma semana nas passadas férias de verão.
À primeira vista a Praia da Luz pode não ser uma beleza. Mas é, seguramente, uma das mais interessantes do Algarve, até pela estranheza de cenário que aqui encontramos. A falésia é mais escura e bruta, parecendo que pode cair a todo o momento – e pode, há avisos a dar-nos conta da sua instabilidade e do perigo de derrocada. E do outro lado temos o casario totalmente branco todo juntinho. Dá um ar de costa marroquina, a qual, aliás, não anda muito longe daqui.


A Praia da Luz já foi uma aldeia piscatória, mas hoje está inteiramente voltada para o turismo. É, no entanto, um lugar pacato. Tem uma curta promenade com palmeiras, uma igreja pitoresca e um forte que testemunha os tempos em que havia necessidade de proteger a povoação dos ataques dos piratas. Para lá do Forte da Luz fica a Prainha, fazendo jus ao nome.


Mas a grande atracção da Luz é mesmo o seu belo areal. Não chega a 1 quilómetro, mas é muito agradável caminhar por ele, sobretudo logo de manhã, até ao final da falésia e aí descobrir umas rochas negras que aí parecem ter sido aqui estrategicamente colocadas.
E para algo totalmente diferente neste concelho de Lagos – que não é apenas costa – eis uma capela com assinatura de um Pritzker erguida num discreto monte a meio caminho do mar e da serra. Barão de São João (juntamente com Bensafrim) é pura ruralidade e o arquitecto Álvaro Siza Vieira imaginou para aqui um dos seus projectos mais surpreendentes, pleno de simplicidade.


A Capela do Monte é um edifício com as linhas geométricas com que nos tem habituado, mas desta vez a cor alva foi substituída por um tom pastel. A vizinhança onde a Capela foi implantada é parte do segredo deste projecto ser tão tocante: rodeada de uma paisagem natural feita de arvoredo e vegetação rasteira. Avistamos a Capela ao longe e para lá chegarmos temos de atravessar a pé parte da propriedade privada do Monte da Charneca, um turismo rural que tem vindo a recuperar uma série de casas antigas. O casal suíço seu proprietário encomendou a Capela, parte do seu projecto turístico, a Siza e a sua inauguração em 2018 faz deste o primeiro e até ao momento único trabalho do arquitecto no Algarve.

Não está aberta ao público, mas podemos espreitar de esguelha para o seu interior e perceber uns belos azulejos com o inconfundível traço de Siza. Este é, pois, um lugar perfeito para nos despedirmos de Lagos, de uma tranquilidade superior onde os crentes e não crentes alcançam facilmente um momento espiritual.