Entre muitas outras belezas naturais, a ilha das Flores tem mais de uma mão cheia de lagoas. São 7 as que resultaram em caldeiras de antigos vulcões e nem precisamos de chamar o Poço da Ribeira do Ferreiro a esta história para ficarmos por elas irremediavelmente arrebatados.

O PR3 – FLO é um percurso pedestre que liga o Miradouro das Lagoas ao Poço do Bacalhau, na Fajã Grande. São quase 8 kms em cerca de 4 horas e diz que se só pudermos caminhar por um dos trilhos oficiais da ilha este é o rei pela paisagem diversificada que nos oferece – desde o centro da ilha até ao mar. De qualquer forma, e tendo em conta que caminhadas podem não ser para todos (e esta tem uma longa e acentuada descida que a pode qualificar como “difícil”), um breve deambular pela zona do Miradouro das Lagoas já nos deixa suficientemente exaltados com tanta beleza. Antes, porém, passaremos revista às 3 lagoas que não estão junto a este miradouro – e para isso vamos lá de carro – embora todas elas estejam situadas no planalto central da ilha.

A Lagoa da Lomba é a mais pequena das sete principais caldeiras da ilha e tem 15 metros de profundidade. A 550 metros de altitude e protegida por um caminho rodeado de árvores, parece também a mais tímida, talvez por se ter habituado a estar sozinha.

A vista na estrada acima das Lagoas Funda e Rasa foi aquela que mais me extasiou em toda a ilha. Passámos por lá três vezes: a primeira sob um nevoeiro esmagador que nada deixou perceber, a segunda com um céu nublado aceitável para as Flores e a terceira com um céu limpo como presente para a persistência. A imagem do vale das Lajes rodeado de montes rendilhados com inúmeras e inimagináveis tonalidades de verde, com o oceano Atlântico como pano de fundo e duas lagoas no meio é soberba, uma daquelas para entrar na lista de cenários para se ver uma vez na vida. Mais, apesar destas duas lagoas estarem lado a lado, não estão à mesma altitude (a Funda a 360 metros e a Rasa a 530 metros) e isso torna a paisagem que delas resulta ainda mais irreal.


Há um miradouro na estrada que as separa, mas “a” vista é a outra. A Rasa, com uma profundidade de 17,5 metros, está logo ali ao nosso nível, emoldurada por dois montes ondulantes. A Funda, com 26,9 metros de profundidade, fica mais abaixo e está margeada por densa e exuberante vegetação a toda a volta. Apreciada esta maravilha, sigamos, então, até ao Miradouro das Lagoas, lugar de início do nosso percurso pedestre, a 6 kms de distância de carro deste Miradouro das Caldeiras Funda e Rasa.

A primeira imagem que nos toca é a das Lagoas Negra e Comprida igualmente lado a lado. Mas não podiam ser mais diferentes uma da outra, quer na forma quer na tonalidade da sua água. A Lagoa Negra é mais oval e a Lagoa Comprida mais alongada. Mas, estranhamente a atentar pelo nome, no dia em que as pudemos apreciar a Negra tinha água mais esverdeada e a Comprida água mais escura. Apesar de não termos mergulhado em nenhuma delas – estão proibidos os banhos em qualquer destas 7 caldeiras – acreditamos que a Lagoa Negra seja a mais profunda de todas, com 130 metros.



O percurso pedestre do PR3 tem início oficial junto à Lagoa Comprida e começamos por contorná-la num caminho de vegetação rasteira mas diversa, com urze, louro, cedro do mato, sanguinho e azevinho. A lagoa está inteiramente cercada desta vegetação e a cada passo vamos percebendo nela novas e variadas formas, estendendo-se de uma forma delicada. No lado contrário, em direcção a onde vamos, tem até uma queda de água que faz com que dificilmente não se torne uma das nossas lagoas favoritas.

(impõe-se uma nota: o dia da caminhada estava típico das Flores, céu fechado, céu mais ou menos, céu aberto; o dia anterior estava tão terrivelmente nublado que nos forçou a adiar a caminhada; mas o dia seguinte estava quase perfeito, daí que as fotografias aqui publicadas possam não ter sido tiradas todas no mesmo dia)

No final da Lagoa Comprida atravessamos a estrada, uma longa recta que se propõe a que apreciemos demoradamente a paisagem feita de montes e de verde que tão bem caracteriza a ilha das Flores.

E logo surge nova lagoa, a da Caldeira Seca, um charco cujo fundo na verdade nunca está seco.



E é a partir daqui que começamos mesmo a perguntar-nos se achávamos que já tínhamos visto muitas cores de verde. O facto de ser uma zona húmida e de nevoeiros proporciona esta panóplia de cores, a que se juntam amarelos. Ora pisando um trilho de terra ora de pedra, é impossível evitar encharcar o calçado de água. Mas se o mais certo é pormos o pé na poça, há que ter toda a atenção para não escorregar.

Agora é a Lagoa Branca, na verdade com as margens de um verde amarelado, que nos vai fazendo companhia. Lugar de paragem de aves migratórias, vista de um ponto elevado (do miradouro na estrada ou na estrada para o Morro Alto) esta lagoa assemelha-se a um olho, pelo que não resisto a partilhar esta fotografia tirada fora do trilho.

A vegetação rasteira continua intensa, mas é o sistema de turfeira que mais rouba a nossa atenção. É na ilha das Flores que encontramos as mais antigas e extensas turfeiras, um ecossistema típico de zonas húmidas que funciona como esponja e pode acumular até 20 vezes o seu peso em água. O musgão é extremamente cativante e dá vontade de tocá-lo e senti-lo, de tão bonito e fofo que é.


O Morro Alto é a maior elevação da ilha, a 914 metros de altitude, e desde o alto vigia todas estas caldeiras (e muito mais) por onde temos passado. Podemos conduzir até lá pela estrada de bagacina que agora iremos tomar. Um caminho de terra vermelha, para adicionar ainda mais colorido ao passeio. O nevoeiro e o musgão nas margens do caminho tornam o ambiente místico, como se de um outro mundo se tratasse. Há flores, há fetos, há diversidade. À medida que subimos a panorâmica da caldeira Branca vai-se tornando mais e mais incrível.



A 620 metros de altitude deixamos a estrada de bagacina e desviamos para novo trilho. Daí a 3 kms estaremos ao nível do mar. Graças ao nevoeiro que por ali estava assente, do primeiro quilómetro pouco pudemos perceber – valha que o trilho estava bem marcado, com as tradicionais riscas amarela e vermelha a aparecerem com frequência. Mas, de repente, ainda com as nuvens ao nosso nível e até abaixo de nós, avistamos o Atlântico e a falésia que guarda a Fajã Grande: é para lá que vamos.



O vale que rasga o topo da falésia é incrível e para lá dela conseguem erguer-se montes ainda mais altos. Não há qualquer tipo de monotonia na paisagem; pelo contrário, há aqui um cenário onde tudo parece em movimento, quer pelas formas que a terra toma, quer pelos ângulos grandiosos que se abrem a cada passo. O ilhéu de Monchique, o ponto mais ocidental da Europa, está lá ao fundo, tranquilamente assente no mar à distância de uma milha da costa e daqui do cimo é uma emoção ainda maior poder apontá-lo.


Do cimo da falésia, eis a Fajãzinha à esquerda e a Fajã Grande adiante. Socalcos numa, parcelas na outra. Verde por todo o lado. Que maravilha. São vistas destas que se ganham quando nos propomos a caminhar pela ilha das Flores.


Continuamos a descer pela antiga vereda que durante séculos foi o melhor caminho para a população ir da Fajã Grande a Santa Cruz. A vereda desce por degraus de pedra, bem mantidos mas não isentos de perigo de se escorregar pela costumeira humidade ou vegetação (mas, afinal, esta descida está longe de ser difícil ou perigosa em comparação com a descida para a Fajãzinha do PR2 Lajedo – Fajã Grande).

Continuamos a descer, agora por um belo bosque.


Finalmente cá em baixo, praticamente junto ao mar, é inacreditável olhar para cima, para o topo da falésia, e realizar que descemos aquela parede imensa. A água das ribeiras faz-se sentir e os muros de pedra dividem as pastagens. A igrejinha da povoação da Ponta, pequeno lugar mais afastado da Fajã Grande, embeleza ainda mais a paisagem desta língua de terra aninhada na falésia.

Estamos na Fajã Grande e chega a vez das enormes quedas de água que jorram falésia abaixo se tornarem as protagonistas da caminhada. A primeira delas, acessível por um caminho de pedra muito bem arranjado e ladeado por uns moinhos antigos, é o Poço do Bacalhau.


A Ribeira das Casas corre lá para cima até se transformar em cascata e cair por uns 90 metros numa lagoa natural. A água do Poço do Bacalhau é fresquinha, fresquinha, mas não há como resistir a um mergulho neste paraíso. E a verdade é que os seus poderes mágicos logo se revelam: se custa a entrar, o frio logo desaparece e não mais queremos de lá sair, boiando enquanto vemos aquela água magnifica a despenhar-se junto a nós.