Penha Garcia

Penha Garcia é uma aldeia do concelho de Idanha-a-Nova com uma localização impressionante por entre as fragas de um rochedo situado na vertente sul da Serra do Ramiro, perto da Serra da Malcata. O cenário é magnífico, um daqueles que parece saído dos livros do fantástico e só possível na ficção. Não espanta, pois, que no final de 2021 as gravações da prequela da Guerra dos Tronos tenham decorrido por lá.

O nome “Penha Garcia” parece óbvio: “penha” por referência ao penhasco e “garcia” a um senhor medieval com esse nome proprietário do lugar. No entanto, as origens do seu povoamento são mais remotas, acreditando-se que tenha existido aqui um castro e uma fortificação anterior à construção do castelo. Até porque o monte Garcia possuía – e possui – uma localização geográfica excepcional, a quase 550 metros de altitude, dominando visualmente a imensa planície ao seu redor.

Após a reconquista da povoação no início do século XIII, terá sido doada à Ordem de Santiago e, depois, à Ordem dos Templários. Pelo meio, ganhou foral em 1256. O castelo cuja ruína ainda comanda o topo do penhasco terá sido construído por esta última Ordem naquele século ou no início do século seguinte. Inserido na linha de defesa da fronteira leste de Portugal, articulava-se com outros castelos da Ordem dos Templários, como os de Salvaterra do Extremo, Idanha-a-Nova, Castelo Branco, Monsanto e Bemposta.

Uma excelente forma de conhecer a aldeia e a sua envolvente, quer ao nível histórico e cultural, quer paisagístico e geológico, é seguir a Rota dos Fósseis, um percurso pedestre oficial com 3,5 kms que nos leva a passear por entre as ruas da aldeia e pelo Parque Icnológico de Penha Garcia.

Com início na bela varanda natural que serve de estacionamento e entrada no casco antigo, passamos pelo Pelourinho quinhentista com as armas nacionais, subimos até à igreja e descemos ao vale do rio Ponsul. Já lá em baixo, seguimos pacatamente junto ao mesmo rio por entre umas casinhas de xisto e passamos pela praia fluvial do Pego, pela Casa dos Fósseis e pela Barragem de Penha Garcia até subirmos ao Castelo de volta à aldeia.

O Vale do rio Ponsul está incluído no Geopark Naturtejo da Meseta Meridional, parte do Geoparque Mundial da Unesco, e nas suas margens em Penha Garcia erguem-se imponentes penhascos quartzíticos. Quando se começaram a formar na Era Primária ou Paleozóico, há 480 milhões de anos, todo o território português estava submerso e nesta paisagem moldada pela água os penhascos de hoje eram apenas areia no fundo do mar. Os movimentos tectónicos que se seguiram ao longo dos tempos transformaram a areia em rocha e a criação de diversas camadas que se levantaram verticalmente – o cenário magistral que agora observamos. Mais rico ainda, a erosão do rio Ponsul há 2 milhões de anos fez com que vestígios do anterior oceano ficassem a descoberto. Mas isso só foi percebido na década de 80 do século passado quando um paleontólogo analisou as marcas cravadas na rocha e deslindou a sua origem: pequenos seres vivos marinhos designados tribolites, animais extintos há milhões de anos que fossilizaram nas laje de quartzito. A descoberta de uma enorme variedade de fósseis fez com que Penha Garcia seja reconhecida como uma referência internacional para o estudo destes seres primitivos. A Casa dos Fósseis é um pequeno espaço museológico instalado numa das casinhas de xisto no fundo do vale que nos permite interpretar o património geológico do lugar feito de quartzitos e tribolites.

Podemos ainda visitar outras dessas casinhas hoje recuperadas que em tempos faziam parte do maior conjunto de moinhos de rodízio do concelho. Foram reunidos vários utensílios do antigamente junto das famílias da aldeia que agora decoram uma destas casas, proporcionando-nos uma viagem no tempo. E numa outra foi recuperada a antiga mó e o Senhor Domingos está sempre pronto para nos mostrar como funciona – se encontrar as ditas casas de portas fechadas não se preocupe, que certamente ele andará por perto.

Chegados a este ponto já passámos a belíssima praia fluvial do Pego, à qual não falta sequer uma cascata. O seu açude foi delimitado por muros e houve ainda o cuidado de colocar uns bancos de madeira e umas floreiras à sua volta para que tudo ficasse ainda mais bonito. Mas é a sua implantação, no fundo do vale do rio Ponsul, encaixadíssima nas escarpadas fragas, que nos arrebata. Na praia fluvial estamos imediatamente abaixo delas e quase parece que nos vão esmagar. Metem medo e subjugam-nos. É uma garganta quartzítica que resulta numa paisagem agreste feita de socalcos criados pela própria pedra. São as fragas do consolo, capazes do belo e do horrível, como alguém já as definiu.

A subida ao castelo, depois de atravessado o paredão da barragem, consegue ser igualmente fabulosa. O seu enquadramento segue o padrão paisagístico-geológico do lugar, possuindo uma muralha quartzítica no alto do penhasco que com ele se confunde. Ou seja, esta antiga fortificação gótica aproveita de forma brilhante a morfologia do terreno, estando as suas estruturas implantadas por entre os afloramentos rochosos escarpados. Apesar de já não estar inteiro, podemos entrar no que foi a cidadela do castelo que ainda mantém as ameias.

A vista do castelo é incrível, claro, mas desta vez não apenas para a barragem e Vale do Ponsul como também para as suas costas, com a povoação de Penha Garcia instalada monte abaixo e destacando-se na vasta planície o cabeço de Monsanto. Aplausos.

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