Caldas da Rainha

Poucos nomes de povoações descrevem com tanta exactidão um lugar: Caldas da Rainha, o lugar a caminho da Batalha onde no final do século XV a Rainha Dona Leonor deu com umas pessoas a banharem-se numas águas. E, a partir desse momento, o nascimento e desenvolvimento das Caldas da Rainha seria imparável.

À boleia da excelência das suas águas, por iniciativa da Rainha seria aqui fundado o mais antigo hospital termal do mundo, com a princesa perfeitíssima – a mulher do rei D. João II, o príncipe perfeitíssimo – a experimentar ela própria dos benefícios destas águas. Terra benquista da realeza e de artistas, a sua monumentalidade e aprazibilidade são evidentes e após a sua visita dela saímos maiores.

A fundação do Hospital Termal e da povoação foram actos coincidentes. Corria o ano de 1485 quando sobre nascentes de águas curativas se começaram a erguer os edifícios que ainda hoje são centrais. O Largo da Rainha Dona Leonor é dominado pelo edifício joanino (posterior) em tons pastel que corresponde ao Hospital.

Contíguo a este edifício surge a surpreendente Igreja de Nossa Senhora do Pópulo, contemporânea da época da criação do Hospital, um monumento com uma mistura de estilos: manuelino, renascentista, maneirista, barroco e revivalista neo-manuelino. Admirar a sua distinta torre sineira e do relógio, com o corpo principal pleno de pormenores como uma espécie de ameias e gárgulas é uma satisfação. No início serviu como capela privada do Hospital Termal, mas com o crescimento da povoação transformou-se em igreja matriz. Também ela foi erigida sobre uma das nascentes termais e aqui se apresentou o Auto de São Martinho, de Gil Vicente, patrocinado pela Rainha Dona Leonor.

Mas as Caldas não foram frequentadas apenas pela rainha que lhe dá nome. Aliás, foi D. João V o monarca que mais amiúde aqui veio em busca dos benefícios dos seus banhos. E foi ele quem encarregou o engenheiro Manuel da Maia de remodelar o edifício do Hospital no século XVIII, mandou construir o Chafariz das Cinco Bicas (um dos três chafarizes que fazia parte do abastecimento da povoação) e abrir o novo Rossio, a actual Praça da República / da Fruta, fazendo dele o novo centro político, administrativo e económico (já lá passaremos). Mais tarde, no final do século XIX, o Hospital seria objecto de nova intervenção, desta vez a cargo do arquitecto Rodrigo Berquó. D. Carlos I, o último monarca a apaixonar-se e frequentar as termas e a cidade das Caldas, juntamente com a Rainha Dona Amélia e seus filhos, já aproveitou esta nova face da povoação, criada sob o ideal da época do romantismo que então se vivia e que pretendeu fazer das Caldas da Rainha uma estância termal que rivalizasse com as suas congéneres europeias.

O Parque D. Carlos I e os Pavilhões do Parque são os grandes exemplos desta época. Começamos por perceber as traseiras dos Pavilhões desde o Largo da Rainha Dona Leonor, e logo ficamos entusiasmados pelo que nos espera, e entramos no Parque vindos do Hospital Termal pelo “Céu de Vidro”, uma passarela coberta em ferro e vidro.

O Parque já existia desde o tempo de D. João V, mas tal como o vemos hoje é uma intervenção iniciada em 1888 sob projecto de Rodrigo Berquó. Está bem no coração da cidade, junto ao Hospital Termal, e é um jardim romântico. Uma zona verde com inúmeras espécies vegetais, espaço de lazer de excelência, cheia de caminhos e alamedas, não lhe faltando apontamentos artísticos como esculturas e estátuas e um lago artificial onde se pode navegar num barquinho a remos. Em 1904 já o Parque tinha iluminação pública, mais uma desculpa para desde há mais de um século não se perderem nele os passeios a qualquer hora do dia.

Os Pavilhões do Parque são igualmente um projecto do arquitecto Berquó e começaram a ser construídos a partir de 1893. A função inicial que lhe foi traçada era a de servir o novo hospital, destinando-se a lugar de internamentos e outros serviços, enquanto que o hospital até então existente se dedicaria exclusivamente a balneário. Todavia, apesar de erigidos os Pavilhões, esse projecto nunca se concluiu e cumpriu, restando a elegância e a magnificência dos três edifícios junto ao lago. Apesar de enormes, o equilíbrio deste trio é extremamente bem conseguido, a que se lhe junta os incríveis reflexos na água. Um ambiente pleno de romantismo.

Todo este conjunto – hospital, parque e pavilhões – traduzir-se-ia num complexo termal que possuía tudo o que era necessário para ser um sucesso. Mas a própria povoação estava – e está – à altura. Já falámos da Igreja do Pópulo, do Chafariz das Cinco Bicas, poderíamos acrescentar a Mata da Rainha Dona Leonor e mais do que uma mão cheia de edifícios de fachadas interessantes, muitos deles revestidos a azulejos.

Ao redor da Praça da República, mais conhecida como Praça da Fruta, veem-se alguns deles, em especial aquele que é hoje morada da junta de freguesia e que, construído no tempo de D. João V, serviu de nova casa da câmara. A Praça da Fruta é um amplo terreiro onde desde o século XVIII muitos vêm para vender os seus produtos agrícolas e faianças. É o verdadeiro coração das Caldas, um mercado diário e vibrante a céu aberto. Um lamento, porém: as suas dezenas de bancas não deixam apreciar devidamente a calçada portuguesa que serve de tapete a este rossio.

Vale a pena caminhar pelas ruas que irradiam desta praça, apreciando não apenas as fachadas em azulejo, mas também algumas portas decoradas.

E que dizer das alegres placas de cerâmica que anunciam os nomes das ruas? As faianças são, claro, uma das marcas distintivas das Caldas. As características da água fizeram com que a produção de barro se tornasse uma indústria central na economia local. A tradição cerâmica já vinha de longe, há quem diga que remonta aos tempos do Neolítico, mas certo é que pelo menos desde a data da fundação da povoação, no século XV. A partir do século XIX a cerâmica passou de uma produção estritamente funcional, do mero uso de loiça, para uma produção de elementos decorativos, tornando-as peças artísticas. Mantém-se viva até aos nossos dias e é um elemento que qualquer português reconhece como parte da identidade das Caldas. A atestar esse reconhecimento, e como forma de o laçar ao turismo, a Câmara Municipal das Caldas da Rainha criou a Rota Bordaliana, com a sugestão de itinerários pedestres pelas ruas da cidade ao longo dos quais podemos dar com diversas peças de cerâmica à escala humana. Não faltam, claro, alguns dos elementos e personagens tornados famosos por Rafael Bordallo Pinheiro. O artista não nasceu nas Caldas, mas viveu aqui durante uns tempos e em 1884 fundou a Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha. Ainda em laboração, não podemos perder a sua loja, mesmo diante de uma das entradas do Parque D. Carlos I.

Não muito longe fica o Museu de Cerâmica, instalado num palacete do século XIX em estilo revivalista acompanhado de um jardim com floreiras e lago, esculturas e decoração azulejar. O museu apresenta uma variada colecção de cerâmica portuguesa e estrangeira, com peças desde o século XVI aos nossos dias, de Bordallo Pinheiro a Cargaleiro, passando por muitos outros.

Mas a arte e cultura nas Caldas da Rainha não se fica pela cerâmica. Podíamos ainda ter visitado muitos outros espaços museológicos, entre os quais o Museu do Hospital e das Caldas ou o Museu Leopoldo de Almeida, mas ficámo-nos pelas suas obras no Parque D. Carlos I. É aqui que terminamos – em beleza – o nosso passeio pelas Caldas, visitando o Museu José Malhoa, o museu do naturalismo, rodeado de vegetação e arte. José Malhoa nasceu nas Caldas, em 1855, e em sua homenagem em 1940 foi inaugurado este edifício no coração do Parque, o primeiro em Portugal a ser criado de raíz para servir de museu. No seu interior apreciamos obras várias, não apenas de Malhoa, mas também de outros grandes naturalistas portugueses e artistas com ligações às Caldas (e até umas peças em terracota representando a Paixão de Cristo da autoria de Rafael Bordallo Pinheiro). Diz-se de Malhoa que foi um pintor etnógrafo pelas suas representações da cultura popular, não prescindindo igualmente das grandes pinturas ao ar livre, como esta.

E entre as suas muitas obras em exposição não falta aquela em que já quase no final da sua vida retratou a Rainha Dona Leonor, a fundadora da sua terra natal.

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