Genebra é a segunda maior cidade da Suiça.
A sua localização é fantástica, bordejando o Lago Genebra, Lac Léman para os franceses. Num dia de sol, então, a vida na cidade parece acontecer quase em exclusivo junto ao lago.
Tive a sorte de viver Genebra com sol e céu azul, a querer enganar os apenas 12 graus de temperatura exterior. Em relação à temperatura da água do lago não consigo mais do que imaginar que fosse inferior àquela, mas nem isso demoveu uns quantos banhistas de umas braçadas nos Bains des Pâquis, com o Jet d’ Eau e o Monte Branco por companhia.
Isto é, definitivamente, algo que falta a Lisboa, a possibilidade de um mergulho urbano. E os suíços sabem como aproveitar o que a natureza lhes deu, lagos e rios, mesmo se lhe tirou a praia e o tempo bonito e quente na maior parte do ano.
Iniciei, então, o passeio por Genebra pelos Bains des Pâquis, no Quai du Mont-Blanc, na margem direita do Rio Rhône, que desagua no lago. Água absolutamente e, diria, surpreendentemente transparente. Barquinhos, prainhas com areia artificial, umas piscinas interiores delimitadas, até uma prancha de saltos e, depois, acesso aberto ao lago. Ainda, espaço para refeições e para estender a toalha.
Estes banhos públicos, abertos desde 1872, parecem ter tudo por para se passar um bom dia de sol. Incluindo uma vista privilegiada para o Jet d’ Eau.
O Jet d’ Eau é, provavelmente, o maior símbolo de Genebra. Jacto de água, à letra, é uma torrente de água enviada para os céus, cerca de 500 litros por segundo até uma altura de 140 metros. É tão dominante que se avista de qualquer ponto do lago junto à cidade e mesmo desde ruas interiores.
Ainda no Quai du Mont-Blanc estava a exposição fotográfica Nai Qala da autoria de uma afegã que nos mostrava ali, no centro da Europa, a vida das mulheres do seu país. É um local certeiro para esta mostra. Genebra é uma das cidades mais cosmopolitas do mundo. Existem aqui pessoas de 184 nacionalidades diferentes e os estrangeiros fazem 45% da população de Genebra.
A Cruz Vermelha, símbolo maior da Suiça, de tal forma que é parte da sua bandeira, foi aqui fundada em 1863 e este movimento humanitário é o expoente maior do ideal de neutralidade que o país tem mantido ao longo de séculos. Na sequência da instalação da Cruz Vermelha na cidade, muitas outras organizações internacionais, humanitárias e não só, decidiram estabelecer a sua sede aqui. Hoje serão mais de 200 as organizações não governamentais, incluindo a ONU e o seu Palais des Nations, onde iremos mais adiante neste texto.
É, por isso, comum ouvir-se falar diversas línguas pelas ruas de Genebra, umas familiares, outras nem por isso.
O bairro de Pâquis, entre o lago e a estação central de comboios, é um exemplo deste melting-pot internacional. Para além de aqui ficarem muitas destas instituições, é evidente este cruzamento de gentes pelos bares, cafés e restaurantes de cozinha do mundo que vemos desfilar. Onde, a não ser no Curdistão, veremos tantas lojas e restaurantes curdos? Um ocidental a saudar um chinês com ni hao não será tão estranho, assim como um grupo de amigas mais velhas falarem entre si numa espécie de portunhol. Mas ver duas amigas jovens a falarem entre si em inglês, uma delas em holandês com o seu filho e outra em francês com a sua filha é capaz de dar uma noção exacta deste caldo de culturas.
Atravessada a ponte sobre o rio Rhône que nos deixa na margem esquerda de Genebra a multiculturalidade continua, mas agora bem reconhecível. A Tuna Académica da Faculdade de Medicina do Porto fazia uma familiar apresentação – que aos olhos do outro pode parecer algo exótica – da cultura portuguesa.
O Jardin Anglais, mesmo junto ao lago, traz outro dos símbolos da cidade, o Relógio de Flor. São cerca de 6500 flores que vão mudando conforme as estações do ano e, juntamente com a precisão suiça, dão as horas aos seus habitantes e visitantes.
Já estamos do outro lado do Rhône, mas pelo meio, instalados numa espécie de ilhas, ficam dois edifícios sobre os quais vale a pena deter o olhar. O primeiro, o antigo edifício industrial que servia de abastecimento de água à cidade, hoje a Cité du Temps, que além de albergar a colecção Swatch recebe ainda exposições. O segundo, o Batiment des Forces Motrices, hoje convertido em espaço cultural, um elegante edifício industrial muito bem observado desde a ponte Coulouvrenière.
Após um breve passeio pela Rua du Marché, a rua das compras, entramos na Vieille Ville, a cidade velha. Para lá chegarmos subimos um pouco e com surpresa percebemos, então, que a cidade começou por ser construída numa encosta. O centro histórico de Genebra é pequeno mas possui um ambiente único.
Era sábado e estava vazio e muito tranquilo, mas não é difícil imaginar a transposição dessa tranquilidade para outros dias da semana. Bairro literário – uma placa anuncia-nos que Jorge Luís Borges viveu aqui (e não muito longe dali, no cemitério des Rois, jaz ao lado de, entre outros, Calvino, Jean Piaget e Robert Musil) e a Casa de Rosseau e da Literatura também fica aqui – e cheio de galerias de arte, um bom local de partida para o explorar é a Place du Bourg de Four, a praça mais antiga de Genebra.
A Catedral Saint-Pierre é o elemento mais destacado da cidade velha, visível desde longe e ocupando um espaço enorme neste pequeno bairro. A sua arquitectura não é comum a uma igreja, com as suas distintas colunas neo-clássicas, embora o estilo que prevaleça seja o gótico. A Capela dos Macabeus é um exemplo exaltante disso.
A Catedral está ali desde 1160, mas escavações arqueológicas indicam vestígios que nos levam até aos tempos do Império Romano. Mas para os cristãos a sua importância é absoluta, uma vez que foi aqui que Calvino pregou durante parte da sua vida, fazendo de Genebra com as suas no século XVI a Roma Protestante.
A subida à torre da catedral é imprescindível pelas vistas fabulosas que nos oferece.
Já cá em baixo, ali perto fica a Maison Tavel, a mais antiga residência privada da cidade, a qual leva o nome da família que era sua proprietária. Hoje, este edifício construído entre o século XIII e XVI, o mais antigo e o melhor exemplo da arquitectura civil apalaçada da cidade, mais parecendo, no entanto, uma fortificação com a sua torre, é propriedade da cidade de Genebra. E aqui fica um pequeno museu da história urbana e da vida quotidiana da cidade desde a Idade Média até ao século XIX, com pinturas, mapas, mobiliário e outros objectos. Mas o ponto alto é a maquete da Geneva de 1850. Se da torre da Catedral de St Pierre podemos apreciar a Genebra de hoje, com esta maquete fantástica ficamos a conhecer como era Genebra antes da destruição das suas muralhas em 1850.
Numa das saídas da cidade velha, a Promenade de la Treille dá-nos ainda outra perspectiva da cidade. Lá em baixo fica o Muro da Reformação, no Parc des Bastion, uma homenagem àqueles que fizeram a Reforma Protestante, com destaque uma vez mais para Calvino.
Parques é o que não falta a Genebra. O pacato bairro de Eaux Vives é ideal para assistir ao cair do sol, estejamos na sua promenade junto ao lago ou no enorme relvado do Parc La Grange.
Visto o por do sol ao fim do dia desde Eaux Vives, o amanhecer aconteceu com um passeio por outro largo espaço verde no outro lado da cidade junto ao lago. É um conjunto de parques, mais conhecido como Parc de la Perle du Lac, onde a tranquilidade do Lago Genebra / Léman é inspiradora.
Por aqui vamos caminhando com a água novamente transparente por companheira, por um lado, e edifícios que ora mais parecem chalets ora são sede de diversas organizações internacionais – ou as duas coisas ao mesmo tempo -, pelo outro lado. No meio algumas esculturas e muito verde. Vemos árvores oferecidas por diversos países e até um painel de azulejos oferecido pelos nosso país.
Atravessado o Jardim Botânico chegamos, enfim, ao quartel general da ONU na Europa. A escultura que Daniel Berset fez, em 1997, para a ONG Handicap International tornou-se ela própria um símbolo de Genebra. A “Cadeira Partida” está ali mesmo em frente à ONU e do alto dos seus 12 metros lá se tenta manter erguida sobre as suas três pernas, a quarta perdida, um símbolo da luta contra as minas terrestres.
Muito mais haverá para conhecer em Genebra, com a visita ao bairro de Carouge e ao teleférico do monte Salève como destinos que gostaria de ter tido, mas por falta de tempo não consegui.
Como adepta das artes contemporâneas não pude, no entanto, deixar de conhecer o MAMCO, Museu de Arte Moderna e Contemporânea de Genebra. No bairro de Plainpalais, quase junto ao estreito rio L’ Arve, onde pescadores citadinos se entretém enfiados na água com as suas canas de pesca, fica este museu que ocupa hoje o espaço de uma antiga fábrica. A requalificação para novas funções está muito bem conseguida e as instalações em exposição são mais uma prova da diversidade de Genebra. Tudo tem vez nesta cidade.