Vindos da costa norte, o miradouro do Salto do Cavalo é a introdução ideal à enorme paisagem do Vale das Furnas.
Daqui seguimos para o Pico do Ferro para mais um miradouro, e que miradouro, desta vez mais próximo, deste vale e da Lagoa das Furnas.
As Furnas é uma povoação conhecida não apenas pela sua paisagem natural, mas sobretudo pelas suas caldeiras e piscinas de água térmica. Muitos elementos de interesse encontraremos aqui, mas começaremos pela sua Lagoa.
Enorme e acompanhada por uma densa vegetação, a Lagoa das Furnas é um belo parque para se caminhar a contemplar a beleza de mais um elemento originado pela cortesia dos vulcões. Mas aqui, como em nenhuma outra lagoa da ilha, a actividade vulcânica marca uma presença incrível e até assustadora. Como escreveu Gaspar Frutuoso, é fenómeno natural mas parece sobrenatural. São as fumarolas – ou caldeiras – das Furnas, que exalam os seus gases deste o interior da terra, numa ebulição constante, deitando fumo acima da terra e deixando a cor amarelada do enxofre um pouco por todo o lado.
Marca identitária das Furnas e da ilha é, claro, o seu Cozido, carne ou bacalhau deixados a cozinhar sob o calor geotérmico nuns buracos abertos debaixo da terra. Há que prová-lo pelo menos uma vez na vida, o que, não sendo dada a cozidos, agradeci agora já o ter feito há uns tempos largos. Se bem que, devo confessar, lembro que nessa época repeti a dose, pelo que o Cozido das Furnas é mesmo bom.
Socorrendo-me novamente de Gaspar Frutuoso, já no século XVI escrevia este sobre as Furnas: “de água tão quente que pelam-se nela leitões, porcos, cabras e cabritos, metendo-os dentro e tirando-os logo, que também os podem cozer nela se os deixarem estar mais tempo; e do peixe que nela se mete não fica senão só a espinha”.
Do outro lado da Lagoa das Furnas, junto à imensa Mata José do Canto, fica a Capela de Nossa Senhora das Vitórias, em exemplar gótico estranho de observar no meio do Atlântico. Esta é uma ermida particular construída em 1886 como acto de amor do casal José do Canto e Maria Guilhermina Canto.
A actividade vulcânica das Furnas faz-se notar igualmente nas suas águas termais, sejam nas nascentes ou nas piscinas. Mas nem todos suportam provar, bebendo, as suas águas minerais, e são sobretudo as piscinas que trazem hoje grande parte dos turistas, e também locais, às Furnas.
A Poça da Dona Beija é imperdível. Tão imperdível que toda a gente já o sabe, pelo que quando vir a notícia de que a entrada é de 2 ou 3 euros, esqueça, isso foi ontem. Hoje a entrada está a 6 euros, se estiver a ler hoje, porque amanhã é provável que o preço já tenha aumentado. No entanto, a experiência vale cada cêntimo. São 5 piscinas / tanques de água a 39° vinda de uma nascente férrea próxima onde relaxamos ao ar livre, seja de dia ou de noite. Optámos pelo fim de tarde, céu nocturno cerrado, infelizmente sem estrelas para contemplar. Mesmo com uns 17° cá fora qualquer hipótese de frio cessa logo à entrada na água natural termal que, aliás, chegamos a pensar não ir aguentar de tão escaldante. Mas não, uma leveza logo se instala no corpo todo e não há mais do que fazer a não ser sentarmo-nos no tanque com os ombros dentro de água e deixarmos o tempo passar devagar. Uma atmosfera fantástica rodeada de uma vegetação exuberante. De acrescentar que o curioso nome da Poça deve-se à telenovela brasileira Dona Beija que passava nas televisões portuguesas em 1988, data da abertura ao público deste espaço, o qual levou um restauro integral e modernizador em 2010.
Outro lugar imperdível é o Parque Terra Nostra.
A sua piscina / tanque de águas barrentas de cor amarela, à semelhança das da Poça da Dona Beija, deve-se à presença de cianobactérias que, em ambientes ricos em ferro, oxidam. No final da década de 1980, era eu nadadora, o meu clube foi fazer um estágio a São Miguel. Detalhe: não havia senão uma piscina de uns 12 metros para nadarmos. Acabámos por fazer uma espécie de estágio turístico e improvisar os lugares de nado. Um deles foi o do tanque em frente à Casa do Parque, onde, depois de nadarmos aos ziguezagues, jogámos polo aquático para vencer a estranheza da imersão em águas barrentas.
O conjunto constituído pelo tanque, escadaria e Casa do Parque Terra Nostra é um dos maiores postais de São Miguel e dormir uma noite no seu hotel um objectivo a alcançar em futuro que se quer próximo. Criado em 1775 e desenvolvido constantemente desde então pelas famílias proprietárias (desde os Viscondes da Praia até à actual Bensaude), o Parque Terra Nostra é riquíssimo no seu património vegetal e paisagístico.
Um jardim botânico que apresenta espécies endémicas e de muitas partes do mundo, constituindo um recanto exuberante de vegetação. E belo. Para lá da Casa do Parque – antiga residência de Verão do fundador do Parque, Thomas Hickling, então cônsul americano na ilha – e sua piscina de água termal, descobrimos o canal por onde corre a agua férrea que alimenta o tanque, grutas, avenidas com arvoredo imponente – a Avenida das Palmeiras é gloriosa -, caminhos delicados, jardins e uma mata generosa. E flores, muitas flores. Destaque para as colecções de camélias, fetos, cycadales e azáleas. E jardins de água onde poisam, tranquilos, os nenúfares.