Aberta ao mar, a maior cidade do arquipélago dos Açores retém ainda a orografia e a marca arquitectónica da época em que as frotas da América e da Índia e do comércio com a Europa aqui faziam escala.
Situada na costa sul de São Miguel, não foi no entanto esta ponta delgada a primeira a ser povoada após o descobrimento da ilha, nem começou por ser o burgo mais importante – esse título pertencia a Vila Franca do Campo. Mas foi ela que logo no século XV começou a ganhar protagonismo e viria a crescer e desenvolver-se até se tornar o principal polo urbano. De tal forma que no fim do século XVI já o historiador Gaspar Frutuoso sobre ela escrevia em “Saudades da Ilha”:
“A nobre e populosa cidade de Ponta Delgada, tão célebre com generosos e poderosos moradores; tão rica, provida e abastada com diversos comércios e grossos tratos de mercadores riquíssimos; tão fortificada com fortaleza, baluartes e cubelos; tão acrescentada com custosos edifícios e casaria; tão religiosa com sumptuosos templos e mosteiros; tão visitadas e acompanhada dos naturais da terra; quase sempre tão frequentada de navios e infinita gente forasteira, em todo o tempo – primeiro foi solitário ermo, saudoso lugar e pobre aldeia, e depois pequena vila, a que agora é grande, rica, forte e tão afamada cidade”.
Nos nossos dias, Ponta Delgada é um contínuo de habitações estendidas pela costa e um pouco pelo interior que percebemos desde os vários miradouros altaneiros.
A marca distintiva de Ponta Delgada é o basalto negro dos vãos das janelas, portas e laterais dos seus edifícios a contrastar com a cor branca das fachadas das suas paredes. E não há maior imagem de marca da cidade do que as Portas da Cidade. De nome oficial Praça Gonçalo Velho (o descobridor da ilha no ano de 1444), a tripla arcada foi aqui colocada nos anos 50, altura em que a praça foi restaurada ao estilo “português suave”. Era aqui que ficava o antigo cais da urbe.
Junto a ela encontramos a Torre da Câmara, com a possibilidade de subirmos até ao seu terraço para grandes vistas da cidade e parte da ilha, e a Igreja Matriz com a sua torre do relógio.
A Igreja Matriz de São Sebastião rouba a nossa atenção pelos portais na sua fachada, um manuelino, outro barroco.
Desde a praça das Portas da Cidade muitas opções se abrem ao visitante.
Ou seguimos pela Avenida Marginal que percorre a cidade de uma ponta à outra, passando pela Marina ou, do lado contrário, pelo Forte de São Brás, único indício bélico nesta pacatez (e, mais para lá ainda na Doca, já junto à pista do aeroporto, pela obra de Vhils).
Ou adentramos pelo interior da cidade. Percorremos uma série de ruas pedonais, cheias de cafés, restaurantes e lojas e uns espaços que são tudo isso ao mesmo tempo, como o obrigatório Louvre Micaelense. E subimos levemente por ruas tão estreitas e de passeios mínimos que temos de nos encolher à passagem dos carros. Este é o centro histórico de Ponta Delgada, recuperado e revitalizado. Em especial, as ruas Carvalho Araújo, Pedro Homem e D’Água tomaram uma nova vida à boleia do projecto Quarteirão. Mais cafés e restaurantes, agora lado a lado com galerias e ateliês onde a cultura e a criatividade são rainhas.
Voltando às Portas da Cidade e ao centro histórico da parte baixa de Ponta Delgada, mais uma rua pedonal transporta-nos até ao Campo de São Francisco. Lá em cima já tínhamos apreciado a fachada super decorada da Igreja do Colégio da Companhia de Jesus e cá em baixo os esplêndidos portais da Igreja Matriz, mas é nesta praça / campo aberto que mais percebemos ser esta uma cidade de igrejas e conventos, sobretudo datados dos séculos XVI e XVII. Com um coreto e uma árvore de enorme porte no centro, aqui ficam a Igreja de São José, parte do antigo convento franciscano, hoje transformado em hospital, e a Igreja e Convento da Esperança. A sua capela é conhecida e local de veneração por conter a imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Cá fora, no muro do Convento, diz que está inscrita palavra “esperança”, a lembrar o local onde Antero de Quental se suicidou (mas perdi a inscrição).
Mais igrejas vão aparecendo no nosso caminho, mas uma delas fica fora dele. No Alto da Mãe de Deus não é a sua ermida que nos faz alargar caminho, antes a sua localização cimeira que nos permite contemplar em sossego parte da cidade e ilha por entre as copas das árvores.
Em Ponta Delgada encontramos ainda alguns pequenos jardins e parques verdes que lhe dão um charme adicional. E até uma ou outra casa solarenga a atestar a riqueza da sua gente abastada de outrora, como é exemplo o Solar Casa de Carlos Bicudo ou Solar das Sereias, com portal e capela na sua fachada do século XVIII.
O antigo e o moderno vão convivendo lado a lado, umas vezes de forma melhor conseguida do que outras.
Não podemos deixar a cidade sem uma passagem pelo Mercado da Graça, nem que seja para apreciar o colorido dos ananases, nem pelos seus dois icónicos espaços culturais, o Coliseu Micaelense e o Teatro Micaelense, pelo menos para conhecer as suas fachadas.
Impossível, ainda, deixar de entrar na Livraria Letras Lavadas, bem em frente à Igreja Matriz, e deixarmo-nos levar por uma ou mais edições dedicadas ao arquipélago, numa descoberta constante e que se quer sem fim.