Algumas notas soltas da ilha

Sendo São Miguel a maior ilha do arquipélago dos Açores, é natural a sua grande variedade não apenas de paisagens mas também de pontos de interesse.

De lagoas, cascatas, miradouros já aqui se falou. Falta falar do chá, dos ananases, do atum, dos ilhéus, da arquitectura e arte contemporânea, da ruína. Não necessariamente por esta ordem.

No restaurante da Caloura comi o melhor atum da minha vida. Dito isto já não é pouco, mas falta todo o ambiente à beira oceano que se desfruta enquanto se saboreia este naco de peixe. Infelizmente, a vista nublada não deixou ver a ilha de Santa Maria, a vizinha mais próxima que se pode avistar em dias limpos.

A plantação de Chá da Gorreana é a mais antiga da Europa e nos dias de hoje a única. Um negócio familiar iniciado em 1883, a sua fábrica instalada na costa norte, perto da Ribeira Grande, labora ininterruptamente até hoje graças às características ideais do clima da região. Quando nos aproximamos do lugar vamos vendo as riscas na paisagem verde, correspondentes à grande plantação – são 32 hectares. E junto da fábrica podemos embrenhar-nos na plantação, caminhando por entre as plantas enquanto avistamos ali perto o oceano azul. A Gorreana orgulha-se dos seus métodos de cultivo artesanais e de não usar químicos, apresentando assim um produto 100% orgânico. Na fábrica vemos a maquinaria secular ainda utilizada para a produção e podemos provar o chá preto e o chá verde da marca.

Um dos produtos pelos quais os Açores são conhecidos é o ananás, o qual já foi o principal produto de exportação do arquipélago, daí que faça todo o sentido visitar uma plantação de ananases em São Miguel. Também secular, a Plantação de Ananases Augusto Arruda, às portas de Ponta Delgada, permite-nos conhecer as várias fases da produção e crescimento do ananás. Até à II Grande Guerra Mundial, esta plantação chegou a ser uma das maiores exportadoras de ananases do mundo. A plantação instalada na propriedade familiar dos Arruda vai hoje na 3ª geração e dedica-se sobretudo a dar a conhecer os métodos de produção originais, únicos no mundo. O cultivo destes ananases é feito em estufas de vidro caiado, no sentido de recriar as características naturais próprias dos climas húmidos e quentes de onde este fruto é originário. Dentro das estufas, por onde podemos caminhar em algumas delas, vêem-se canteiros separados por caminhos de pedra e cada uma destas estufas apresenta um estágio diferente da produção dos ananases.

A um pulinho de Ponta Delgada pela via rápida fica a segunda cidade da ilha, a Ribeira Grande, lugar do Arquipélago – Centro de Artes. A surpresa é podermos encontrar neste sítio um centro destes, mais do que um museu, um espaço criativo que se pretende constante, com oficinas e residências artísticas multidisciplinares que se propõe a não estar de costas voltadas para a comunidade local. A possível estranheza e o desafio passam precisamente por aqui: o Arquipélago fica no meio do oceano, fora da capital Ponta Delgada, a poucos minutos de Rabo de Peixe, uma das povoações mais carenciadas e problemáticas de Portugal, e o projecto foi desenvolvido e inaugurado em tempo de crise. Aberto desde 2015, talvez mais do que as exposições que possa receber, o seu edifício é ele próprio uma obra de arte, obra dos arquitectos João Mendes Ribeiro, Cristina Guedes e Francisco Vieira de Campos. Construído no lugar de uma antiga fábrica de álcool e tabaco em ruína, foram aproveitadas algumas destas estruturas, incluindo a alta chaminé, e construídos novos edifícios. Podemos entrar quer pela avenida virada para o mar quer pela rua principal que vai dar ao centro da Ribeira Grande, mas em qualquer dos casos damos com caminhos labirínticos que fazem de átrio a céu aberto por entre os edifícios em betão enegrecido pela pedra vulcânica de basalto. O interior do edifício de exposições não é menos labiríntico, salas maiores lado a lado com espaços que parecem pequenas celas, a que se junta o negro e misterioso espaço da cave, espécie de catacumbas. Na sala mais ampla de exposições, muito bonita a solução de romper pequenas janelas que deixam ver para o exterior, em especial o mar.

O ilhéu mais conhecido de São Miguel pode ser o ilhéu de Vila Franca do Campo, mas os esbeltos e formosos ilhéus de Mosteiros são igualmente um regalo para a vista. Levam este nome por se assemelharem a igrejas.

A imaginação não chegou para manter vivo o sonho de um hotel com vista para a grandiosa Lagoa das Sete Cidades, pelo que hoje resta a ruína. Corria o ano de 1989 quando foi inaugurado o Hotel Monte Palace, bem junto à Vista do Rei, o miradouro mais famoso e concorrido da ilha. O hotel acabaria por fechar portas logo um ano e meio depois e até hoje segue encerrado, embora com a sua estrutura em pé. Mas a partir de 2010 ficou sem segurança, pelo que as suas portas, apesar de hoje inexistentes, ficaram escancaradas ao saque e à vandalização. O estado de abandono e ruína é profundo, mas com cuidado vale a pena entrar no edifício e deambular pelos seus espaços hoje abertos para descobrir os graffitis que o inundaram e as vistas para a Lagoa que os antigos quartos proporcionavam. O edifício do antigo hotel já esteve à venda até no Olx e existem projectos para o recuperar. Resta-nos pensar que nem sempre uma localização magnífica traz frutos à ambição.

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