Carrazeda de Ansiães

É no concelho de Carrazeda de Ansiães que o rio Tua se junta ao rio Douro, entrando pela sua margem direita no lugar de Foz Tua. Primeira paragem – quilómetro 0 – da Linha do Tua, que ligava Foz Tua a Mirandela, encerrada em 2008, a sua estação ainda recebe os comboios da Linha do Douro. Dois rios, duas linhas ferroviárias históricas; e uma barragem que veio mudar o rumo e a paisagem de uma região.

É em dois dos antigos armazéns da estação, entretanto requalificados, que estão hoje instalados o Centro Interpretativo do Vale do Tua e a Porta de Entrada de Carrazeda do mesmo vale. Não há melhor forma de iniciar a visita ao Tua e seu vale do que a visita a estes espaços, os quais permitem um enquadramento prévio dos três elementos acima referidos: rio, linha e barragem. O Centro Interpretativo, quase todo ele interactivo, proporciona-nos uma autêntica viagem pelo património natural e construído do Vale do Tua e logo entramos por um túnel de cortiça que nos deixa experimentar pelo toque e pelo cheiro o território que visitamos.

Junto à Porta de Entrada do Vale do Tua de Carrazeda tem início o percurso pedestre circular de Foz-Tua, 3,5 kms que nos fazem sair da linha para acompanhar o rio, seguindo ora por um trilho ora por uns breves passadiços até ao exacto lugar onde o Tua desagua no Douro e, depois, pela própria linha agora desactivada até ao miradouro da Barragem. Há por aqui uma série de estruturas que prendem a nossa atenção: a ponte ferroviária em ferro sobre os rios por onde passa o comboio da Linha do Douro, a ponte rodoviária de Foz Tua que nos permite alcançar por estrada a povoação (um dos primeiros projectos do engenheiro Edgar Cardoso, também conhecida por “mini ponte da Arrábida”) e o enorme paredão da barragem, começada a construir em 2011. Os ambientalistas e a Unesco colocaram muitas reservas à empreitada e devo confessar que não gosto da imagem pesada que esta obra trouxe ao lugar, mesmo se o impacto paisagístico e visual da Central Hidroeléctrica do Tua foi suavizado pelo toque do arquitecto Souto Moura. E o meu estado anímico piora se me ponho a imaginar o cenário natural selvagem que teria até há pouco mais de 10 anos. Estes primeiros metros do troço ferroviário Foz Tua – Mirandela eram os mais espectaculares, com as fragas e os penhascos a marcarem a paisagem e só vencidos à conta de túneis e pontes que os furaram para trazer a mobilidade ao Homem. A esmagadora maioria das estruturas foram inundadas pela barragem, mas ainda se vêem algumas delas, como este tabuleiro verde em ferro agarrado ao rochedo e a preparar-se para o adentrar.

O rio Douro tem em Foz Tua um dos seus pacatos pontos. Colinas e mais colinas que ondulam a terra à beira da água, cobertas de arvoredo e de socalcos com vinha. Uma beleza.

Deixando o Douro lá em baixo e seguindo pelo interior, a paisagem feita de montes sobrepostos e vinhas não cessa. Parece que no alto de cada monte há uma capela e cada um deles é um miradouro privilegiado, como o da Senhora da Boa Morte.

No entanto, há um que é de visita obrigatória, o Miradouro dos Olhos do Tua, um pouco mais adiante na aldeia de Castanheiro do Norte. A estrutura que serve de plataforma para o miradouro é obra do escultor Paulo Moura e pretende representar a quilha de um barco, lembrando que até há pouco tempo o Tua era navegável. Mas é a incrível paisagem que temos pela frente que nos esmaga e nos faz amar o Tua e levá-lo sempre na memória. Por entre a amálgama de montes, o rio faz aqui uma curva de uma elegância tão generosa que (quase) nos faz esquecer a ideia da construção da barragem e o fim do Tua selvagem.

Na estrada que desce da povoação de Pombal até às termas de São Lourenço encontramos o Miradouro de São Lourenço. Projectado pelo mesmo artista do anterior miradouro, a estrutura é igualmente inesquecível, desta vez um convite a que entremos na silhueta de São Lourenço e abracemos este pedaço do Vale do Tua.

Lá bem em baixo, à beira do Tua, para além do apeadeiro da estação que não foi submerso pelo enchimento da barragem, fica o antigo lugar de caldas de águas quentes e sulfúreas, iniciadas no século XVIII, e umas poucas casas de habitação de ocupação sazonal hoje em ruínas.

Ainda não cansados de miradouros e de vistas, há que visitar o miradouro da Brunheda, mais um com uma atractiva plataforma em ferro que nos deixa suspensos sobre o vale e rio Tua. As linhas das vinhas dispostas em socalcos são uma constante que adoçam a paisagem, entrecortada aqui e ali pelas oliveiras.

Na Brunheda havia uma paragem e apeadeiro da Linha do Tua e foi até um pouco antes deste lugar, nos seus primeiros 16 kms, que a linha foi totalmente inundada pela construção da barragem. Ao chegar à Brunheda, o vale vai ficando mais tranquilo e o rio mais largo, com os penhascos iniciais substituídos por montes mais suaves. Igualmente, e como melhor veremos já no concelho de Vila Flor, em especial entre Ribeirinha e Vilarinho das Azenhas, também a vegetação na margem do Tua se transforma numa típica vegetação fluvial, com salgueiros, choupos e amieiros. Há planos para reabrir a antiga Linha do Tua entre as estações da Brunheda e Mirandela, mas em conversas com os locais percebe-se que já não acreditam que tal venha a acontecer.

A sede do concelho de Carrazeda de Ansiães é a vila de mesmo nome, pela qual passámos rapidamente em direcção a Ansiães e seu Castelo e Vila Muralhada. Era aqui o centro da povoação medieval, com ocupação humana desde há milénios, mas a qual acabou por ganhar maior preponderância durante a Reconquista Cristã, quando a defesa da linha do Douro foi essencial para fazer face aos mouros. Quando passamos a entrada em arco da antiga vila e castelo percebemos bem o porquê da sua importância estratégica: do alto do monte escarpado a 810 metros de altitude tudo se avista, desde o Vale do Tua às várzeas do Sabor, incluindo o Vale do Douro.

A carta de foral concedida a Ansiães é anterior à fundação do Reino de Portugal, dada pelo rei leonês Fernando Magno no século XI, e foi sobretudo a partir do século seguinte que a vila se desenvolveu. Todavia, à medida que os mouros foram recuando e a fronteira portuguesa passou a ser defendida mais a oriente, no que hoje são as terras da raia, a defesa do reino virou-se para os castelos instalados na Ribacoa. Igualmente, por volta do século XVI as aldeias vizinhas de Ansiães começaram a ganhar população e embora sendo estes lugares menos naturalmente estratégicos eram mais confortáveis e de mais fácil expansão do que o penedo onde originalmente se assentou povoamento. Com isso, em 1734 os paços do concelho foram transferidos para Carrazeda, lá permanecendo até hoje. Do Castelo e Vila Muralhada de Ansiães resta a vista grandiosa, portas, troços de muralha, cisterna e ruínas de anteriores estruturas. De planta oval, é um recinto defensivo de grandes dimensões onde nos sentimos uns verdadeiros exploradores de cidades antigas enquanto por ele deambulamos.

E, imediatamente antes de entrarmos no que era o plano mais elevado do castelo, resta intacta a Igreja de São Salvador de Ansiães, um templo românico que se crê datar do século XII, com o seu belo portal com tímpano do “Pantocrator”, uma iconografia do cristianismo que representa Cristo em posição de majestade. Esta decoração faz da Igreja de São Salvador um dos exemplos mais interessantes do românico em Portugal, merecendo só por si uma viagem até à relativamente isolada Ansiães.

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