Vila Flor é uma das mais surpreendentes povoações da região do Vale do Tua, sendo igualmente um bom ponto de partida para explorar o Vale do Sabor. A paisagem que a circunda é bem bonita, com a elevação de montes que nos permitem perceber melhor a sua implantação, um pedaço de urbanidade no meio da ruralidade, onde as vinhas e as oliveiras se destacam.

Comecemos, pois, por subir até ao monte da Senhora da Lapa, onde fica o Santuário de mesmo nome. Os locais dizem-nos para ir até às “Capelinhas”, uma alusão à fiada de capelas que vamos encontrar na nossa subida. Vila Flor está a cerca de 550 metros de altitude e no miradouro do monte imediatamente acima estamos a quase 700 metros. A vista é larga, já se viu. Para além do casario da vila conseguimos perceber a água da Barragem do Peneireiro, uma excelente área de lazer nas suas imediações, e mais adiante até ao infinito o Vale da Vilariça, terra fértil à beira de Torre de Moncorvo e do Sabor.


Já no centro de Vila Flor encontramos uma elevada concentração de solares. O Solar dos Lemos é um dos mais distintos, inclusive de Trás-os-Montes. Construído no início do século XVIII, é um edifício longo de dois andares com capela privativa e brasão belamente decorado que se prolonga acima da porta principal. Para além das portas, também as janelas estão envolvidas por uma decoração em granito.


E existem ainda uma série de apontamentos que farão a delícia de qualquer viajante. Desde logo, o Arco de D. Dinis, que nos serve de testemunho da história da vila. Conta-se que o rei aqui passou a caminho da fronteira com Espanha onde ia receber a sua noiva Isabel de Aragão, a futura Rainha Santa. Ficou tão deslumbrado com a beleza do lugar que logo rebaptizou a então “Póvoa d´Álem Sabor” como “Vila Flor”, concedeu-lhe foral e mandou levantar uma cinta de muralhas à sua volta. Dessa estrutura defensiva resta hoje apenas este Arco, nomeado em sua homenagem.

Perto do Arco de D. Dinis fica a Fonte Romana com a sua arquitectura bem diferente de tudo o resto. Construída sobre uma nascente subterrânea, é um pavilhão com colunas e uma cúpula como cobertura, fazendo lembrar os templos greco-galaícos. Pensa-se que possa ter sido usado como lugar de reuniões municipais pelos homens bons da paróquia.


Adentro pelo coração histórico, é um prazer caminhar pelas ruinhas de Vila Flor, passando pela Capela da Misericórdia e pelo pacato jardim à sua frente, bem como pela Igreja Matriz, Pelourinho e Solar dos Aguilares. Este último foi Domus Municipalis até 1937 e, apesar de ter sido reconstruído no último século, a sua traça remonta à construção original do século XIII e veem-se ainda na fachada as armas reais. Foi residência dos primeiros donatários de Vila Flor, os Aguilares, teve um sem número de funções e desde 1957 acolhe o Museu Municipal Dra Berta Cabral.


E porque o pretexto do nosso passeio pelo concelho é o Tua e o seu Vale, sigamos agora até ao apeadeiro e estação de Abreiro – Vieiro. Vieiro é concelho de Vila Flor e Abreiro concelho de Mirandela, separados por um pedaço encaixado do Tua e unidos por uma paisagem fantástica. Hoje há uma ponte moderna, mas antes havia por aqui uma ponte antiga, conhecida como a “Ponte do Diabo”, que unia as duas margens, da qual se percebe ainda parte da sua estrutura em ruína. Vale a pena parar junto ao antigo edifício do apeadeiro e caminhar um pouco ao longo da linha colada ao rio.


Mais no interior, impõe-se uma passagem por Freixiel. A paisagem que envolve esta povoação chega a ser delicada, com as serras que a rodeiam a deixarem por vezes sobressair as rochas nuas por entre as árvores, as vinhas e os terrenos de cultivo. É numa colina com vista para a aldeia e seu vale que encontramos a Forca de Freixiel, um testemunho único no nosso país do sistema medieval de punição pública que será contemporâneo da fundação da nacionalidade. São dois pilares de pedras graníticas com uns três metros de altura, onde assentava uma trave de madeira que funcionava como um sistema de garrote para punir com a morte aqueles que violavam as leis do Reino. Soa bárbaro e nem a paisagem terá apaziguado aqueles que sofreram tal pena. Região povoada desde há muito, não há aqui apenas testemunhos da época medieval, mas também romanos e castros e necrópoles pré-históricas. E nesta aldeia do concelho de Vila Flor nasceu um dos nomes maiores das artes portuguesas, Graça Morais, esperando-se que em breve seja inaugurado o Centro de Artes em sua homenagem na sede de concelho, juntando-se ao seu Centro de Arte Contemporânea que já existe em Bragança, sede de distrito.

Novamente junto ao rio Tua, é imprescindível espreitá-lo em Vilarinho das Azenhas e Ribeirinha, duas povoações à beira Tua que possuíam estações dessa antiga linha. Já havíamos referido em post anterior que a partir da Brunheda o Vale descansava da sua selvajaria. Se por Abreiro e Vieiro ainda corria apertado pelos rochedos, aqui entre Vilarinho e Ribeirinha ele corre à solta, com espaço de água e margens de vale mais largas e planas.




A beleza permanece, mas é agora mais tranquila. E num percurso de cerca de 3 quilómetros entre as duas aldeias podemos perceber a vegetação típica fluvial do Tua, com a sua galeria ripícola bem preservada neste troço. São freixos, choupos e amieiros que preenchem uma espécie de cortina junto ao rio, logo acompanhada dos carris da antiga linha de comboio do Tua, estendendo-se o vale para além dela com a ocupação de vinhas e oliveiras. Uma bela paisagem que merece ser desfrutada sem pressas.


De volta à estrada, uma última paragem em Vilas Boas, aldeia com um interessante conjunto de edifícios brasonados e até possibilidade de alojamento. No entanto, é mais uma vez a paisagem que a rodeia que nos deixa encantados, não precisando sequer de subir até ao alto do Santuário de Nossa Senhora da Assunção para a fixarmos na memória.