Pelos Lagos do Sabor – Dia 1

O passeio que se segue corresponde, com uma pequena extensão, ao Circuito Panorâmico Automóvel “Foz do Sabor”. Não serão muito mais do que 60 kms e começaremos, precisamente, na Foz do Sabor. O lugar onde o rio Sabor se encontra com o rio Douro é o cenário ideal para uma breve apresentação do que nos espera durante o resto do dia: espelhos de água acompanhados por montes, paisagens enormes que nos fazem sonhar.

Foz do Sabor, no Baixo Sabor, é a última povoação piscatória de Trás-os-Montes e o facto desta aldeia se espraiar junto a estes dois rios fez com que até há pouco tempo funcionasse como um importante porto fluvial na região. Aqui está uma das duas praias fluviais oficiais dos Lagos do Sabor (a outra é a do Azibo, mais a norte), uma daquelas impossíveis de esquecer. Tem relva e areia que ultrapassamos com prazer imediatamente antes de mergulhar na água surpreendentemente amena do rio e tem também um parque de merendas e restaurantes que servem peixes do rio.

Contígua a Foz do Sabor fica o Vale da Vilariça, uma longa planície entre serras que é de uma beleza infinita. Mas se para os visitantes o seu valor paisagístico é imediato e vale a viagem, é a fertilidade dos seus solos que contribuiu para a felicidade de todos nós. No final do Sabor, é a consequência de um rico e bendito acidente geológico que provocou uma falha tectónica rodeada por várias ribeiras e pelos rios Sabor e Douro e, muitas das vezes, por aluviões das cheias. Contado de forma breve e muito simplista, ao encontrar as águas mais fortes do Douro e que correm na direcção contrária, o Sabor faz com que o vale seja alagado o que, juntando-se às condições do solo e ao microclima local, acaba por resultar num dos vales mais férteis do nosso país. Hortícolas, fruta, vinho, olivais, tudo é aqui produzido e marca a paisagem.

Depois de espreitada a povoação Horta da Vilariça e seus arredores, saímos, enfim, pelo itinerário do Circuito Panorâmico que traçámos para este dia. Rumo a norte espera-nos uns miradouros fabulosos. O primeiro é o miradouro São Gregório, mesmo à beira da estrada, precisamente para o belíssimo Vale da Vilariça. Visto de um ponto mais elevado não há como negar toda a sua pujança.

Pouco mais adiante, após um pequeno desvio na estrada principal onde o nosso carro (ou a pé) segue por um caminho de terra, temos o miradouro Vale do Sabor. A Vilariça continua presente, mas agora a paisagem abre-se para nos dar uma ideia bárbara da real implantação do rio Sabor, contorcendo-se pela terra de forma a melhor se acomodar por entre os montes, incluindo a Serra de Reboredo com Torre de Moncorvo aninhada a meia altura. Até há pouco tempo o Sabor não tinha esta configuração, e a Albufeira do Baixo Sabor, a nossos pés, é a grande responsável pelo novo enquadramento dos elementos naturais e construídos que hoje podemos desfrutar. Mas que dizer, então, da imagem que o brutal miradouro da Póvoa, ainda mais adiante de volta à estrada principal, nos dá?

O Lago de Cilhades, com toda a sua magia e grandeza, apresenta-se-nos de uma forma incrível. Solto sem quaisquer amarras, foge-nos da vista e o azul espelho da sua água sente-se livre para contornar todas as elevações que lhe aparecem no caminho. Com a sorte de céu limpo que não tivemos no resto da viagem, este foi para nós o melhor postal dos novos Lagos do Sabor, de uma serenidade sem igual.

Cilhades era uma aldeia já abandonada quando foi inundada. Acabou por dar o nome a este que é um dos três novos lagos do Sabor e o maior deles todos. A quantidade de água impressiona, ainda mais se pensarmos que até há poucos anos haveria épocas em que em alguns pontos do rio talvez não passassem mais do que umas gotas de água. O Sabor corria muito mais encaixado por estes vales hoje alagados que já não nos deixam sequer perceber a altura dos seus montes. E onde antes só se avistava terra, hoje avista-se água e mais água, cortesia dos novos lagos. À semelhança do que aconteceu com a construção da Barragem do Tua, se a paisagem ficou melhor ou pior, não se sabe; ficou diferente, muito diferente.

Apesar de não ser opinião unânime, os promotores da construção da Barragem do Baixo Sabor insistem em defender que o habitat natural não será posto em causa; que poderá sofrer algumas transformações, mas que a maioria das espécies sobreviverão. O certo é que a diversidade biológica é aqui rica. Desde logo, peixes de rio como a boga e o barbo, mas também a enguia, a carpa e a perca, para além de cobras de água e anfíbios como sapos, rãs e salamandras. Pelos ares podem observar-se aves como o Grifo, Abutre do Egipto, Águia-real, Águia de Bonelli, Falcão Peregrino, Corvo, Gralha-de-bico-vermelho ou Bufo real. Em terra, o lobo, javali, raposa, coelho ou lebre.

É numa paragem não marcada como miradouro à beira da estrada, após passarmos pela estrutura da Barragem, que percebemos melhor a presença das oliveiras e das amendoeiras, podendo zanzar por entre elas e até abeirar-nos da água do Sabor. Mas há muito mais espécies arbóreas e arbustivas pelas margens do Sabor, como azinheira, giesta, urze e zimbro.

Num desvio já pelo Circuito Panorâmico “Lagos do Sabor” (que haveríamos de explorar melhor no dia seguinte), em direcção a Felgar e, depois, até junto ao rio, vamos ao encontro do miradouro de São Lourenço. Estamos no cimo do mesmíssimo Lago de Cilhades, mas num ponto diferente que nos oferece mais um cenário grandioso. Uma pequena capela marca a fortuna. E um baloiço – ah, a moda dos baloiços – garante que será não apenas visitado como fotografado. Mas ninguém vem ao engano: é verdade que aqui seremos felizes.

Este circuito automóvel fechar-se-á em Foz do Sabor, para mais um mergulho no final da tarde, até onde desceremos sem calcar muito a fundo no acelerador para prolongar a viagem pela estrada panorâmica que liga Torre de Moncorvo à aldeia piscatória onde iniciámos o dia. Antes, porém, uma visita à mais bonita vila do Baixo Sabor.

Torre de Moncorvo, já percebemos, tem vizinhos enormes: a Serra de Reboredo, o Vale da Vilariça e o rio Sabor (e o rio Douro). Não custa a perceber, pois, o porquê de na época medieval ter sido escolhido este lugar para se instalar uma povoação – apesar de o clima ter aqui uma das máximas amplitudes de todo o nosso país, com invernos muito frios e verões muito quentes. Acrescente-se, porém, que uma povoação anterior terá existido junto ao vale, então de seu nome Vila de Santa Cruz da Vilariça, mas as condições de insalubridade terão forçado a sua deslocação para mais acima, na encosta da Serra do Reboredo, a cerca de 400 metros de altitude. O seu nome mudou para Moncorvo já no século XIII, quando D. Dinis lhe concedeu novo foral, sendo uma provável derivação de Mendo Curvo, ou Mem Corvo, o nome de um guerreiro que defendeu estas terras frente aos mouros num tempo ainda anterior à nacionalidade.

Já teve muralhas e castelo a defendê-la, uma vez que a Linha do Côa constituía então a fronteira do reino. O castelo ficaria no lugar que hoje pertence ao edifício dos Paços do Concelho e, para além de um troço aqui e ali da muralha, resta uma porta antiga, a Porta da Vila, encimada pela capela de Nossa Senhora dos Remédios. As ruas nesta parte da vila, nas costas dos Paços do Concelho e da Igreja da Misericórdia, são irregulares e muito estreitas, ora subindo ora descendo. Já para lá da praça principal, onde se vê um chafariz filipino seiscentista na placa central, as ruas são um pouco mais rectas e largas q.b. Veem-se casas brasonadas e solares, um dos quais o de Santo António, de fachada longa e com capela de mesmo nome. Diante si, uma fonte em cantaria com duas bicas, datada de 1704, com o escudo de Portugal e as armas do concelho. Num edifício simples mas bonito, no que era o solar do Barão de Palme, fica o Museu do Ferro e da Região de Moncorvo, que nos dá a conhecer a história e o património arqueológico e industrial local, lembrando-nos que a Serra de Reboredo era senhora das jazidas de ferro mais importantes do nosso país.

O maior símbolo de Torre de Moncorvo é, no entanto, a igreja matriz, inconfundível na sua fachada em torre em cantaria, uma fachada “fria, forte e severa”, como nos diz o volume dedicado a Trás-os-Montes do Guia de Portugal, dona de uma austeridade que nos faz lembrar as igrejas castelhanas. Com data de 1567 inscrita na fachada, é um edifício enorme para a escala relativamente pequena da praça onde está instalada, uma das maiores igrejas de Trás-os-Montes. Foi construído para ser a sede do bispado, mas Miranda do Douro acabou por ficar com ela.

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