Faial, volta à ilha pela costa

Faial, “a ilha azul”, como lhe chamou Raul Brandão. Tal foi a influência desta cor na sua passagem pela ilha que o autor escrevia, a dado passo, “estou encharcado de azul”.

E assim é.

Saímos da Horta para dar a volta à ilha, iniciando a jornada pela costa sul no sentido dos ponteiros do relógio, e logo chegamos às piscinas naturais da Laginha. O mar azul invade-nos, mas são as rochas basálticas, tão negras, que nos seduzem. A água entra por elas adentro e ali fica tranquila formando pequenos recantos que nesta altura do ano ainda são exclusivos dos bicharocos marinhos.

Um pouco mais adiante, antes mesmo de chegarmos à Poça da Rainha, na Feteira, estas rochas tornam-se mais altas e a erosão rasgou-as e criou-lhes formas diversas, ficando a zona conhecida como Penedo Furado.

Mas falando em formas e em penedos, o Morro do Castelo Branco é um dos elementos mais distintos da ilha. Esta bela e imponente estrutura geológica, lembra com a sua forma altaneira um castelo medieval. Isso, juntamente com as suas paredes laterais de cor branca, resultou no seu nome: Castelo Branco. Este é ainda um lugar de nidificação de aves marinhas e o cuidado nos arranjos paisagísticos e marcação de trilhos e miradouros que a administração local tem levado a cabo nos últimos anos faz com que aqui tenha sido montado uma espécie de anfiteatro ao ar livre para que possamos contemplar não apenas as vistas para o Morro e Atlântico, mas também deliciar-nos com os cantos das cagarras.

A costa oeste da ilha inicia-se, precisamente, com o Morro do Castelo Branco e segue até ao vulcão dos Capelinhos. Pelo meio, o Varadouro é uma povoação que possui um porto, praia, piscinas naturais e até vinhas. Pela estrada costeira fora até ao Capelo vamos vendo desfilar tudo isso, passando pelo farol do Vale Formoso e parando nos miradouros que se nos atravessam no caminho. Esta zona da ilha era, tradicionalmente, donde os baleeiros avistavam as baleias e saiam para a sua caça. No Porto Comprido, mesmo abaixo do vulcão dos Capelinhos, encontramos a Casa dos Botes como testemunha dessa época.

À semelhança da região do Capelo, também a Praia do Norte, já na costa norte da ilha, foi a que mais sofreu as consequências da erupção do vulcão dos Capelinhos em 1957/58, com o soterramento e a destruição de grande parte das habitações e a consequente emigração para os EUA. Acontece que a Praia do Norte já tinha sido vítima da outra erupção histórica do Faial, aquela que aconteceu em 1672 por conta do Cabeço de Fogo e que levou, então, a uma emigração massiva para o Brasil.

A costa norte dos Capelinhos até à Praia do Norte não é acessível por terra. A estrada que nos transporta até lá envolve-nos numa vegetação luxuriante em ambos os lados da estrada. Poucas habitações há a caminho e até o Bar do Fim do Mundo se encontra encerrado.

Quando o verde dá uma folga, o primeiro lugar que podemos contemplar é a Fajã. E que lugar. Quer visto de baixo, à cota do mar, quer visto de cima, no miradouro da Ribeira das Cabras, a sua implantação é fantástica. Cá em baixo, as ondas fortes rolam sozinhas até à praia sem areia mas cheia de pequenas pedras. E lá em cima, um enorme panorama se abre para esta baía de falésias enormes e para a parte mais jovem da ilha do Faial, a península do Capelo e seus cones vulcânicos.

Cada uma das povoações que atravessamos, por mais pequena que seja, tem a sua igreja, sempre branca com apontamentos a preto que as tornam distintas do que estamos acostumados no continente (esta é a da Ribeira Funda). À hora da missa, os veículos estacionam em fila na estrada, deixando apenas uma via livre. Nada que perturbe as muitas vacas e os poucos condutores que usam as estradas da ilha.

Passamos Cedros e Salão e seguimos directamente para a Ribeirinha, já na costa leste do Faial. O nordeste é a zona mais antiga da ilha e teve origem na primeira fase da sua formação com o antigo vulcão da Ribeirinha. Esta região é belíssima. O Atlântico abre-se novamente para nossa contemplação em todo o seu esplendor, ao mesmo tempo que a encosta da ilha revela as suas muitas formas e mostra os seus tapetes verdes divididos em várias tonalidades.

A crise sísmica de Julho de 1998 provocou graves danos na freguesia da Ribeirinha, tendo cerca de 80% das suas habitações ficado afectadas. Os maiores exemplos da destruição estão nas ruínas da igreja e do farol. O farol da Ribeirinha foi inaugurado em 1919 para auxílio à navegação entre ilhas neste triângulo, tendo sido desactivado e substituído por um farolim. A sua ruína, nesta ponta da ilha, é como que uma síntese do viver nos Açores. O verde dos montes e o azul do mar – “o mar mais belo do mundo”, nas palavras de João de Melo, obra da natureza criadora das ilhas, de origem vulcânica. O sobressalto das diversas crises sísmicas, consequência dessa mesma origem. E, neste caso específico, neste fim de terra com o mar no horizonte, a solidão marítima aplaca-se com a visão da ilha em frente. É aqui, no lugar do farol da Ribeirinha que temos a felicidade de avistar a ilha do Pico e a ilha de São Jorge (e, com muita sorte, até a ilha da Graciosa), as chamadas ilhas do Triângulo. Voltando a João de Melo, “o Faial é o Faial e mais a vista para o Pico e São Jorge que o acompanha, inseparáveis, os três do Canal, a Trindade do Canal”.

Esta visão é ainda mais magnificente desde o miradouro do Cabeço das Pedras Negras, interior verde da Lomba.

Novamente junto ao mar, a praia do Almoxarife, embora de areia negra, é uma das mais famosas da ilha. Mesmo à sua frente, a imagem do Pico rouba uma vez mais a atenção.

Antes da chegada à Horta, que já se pressente, passamos ainda pelos moinhos de vento da Lomba, com uma mimosa baleia a encimar um deles.

E a Horta fica, finalmente, aos nossos pés na Ponta da Espalamanca. Será esta a melhor vista da Horta?

Antes de finalizar esta volta à ilha do Faial pela costa, não resisti a adentrá-la uma vez mais até ao Monte do Carneiro. E, com isso, a dúvida só se adensou: será esta a melhor vista da Horta?

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