A Horta é uma cidade com um enquadramento belíssimo. Uma baía dupla à beira do Atlântico guardada por montes e vigiada por uma encosta feita de tapetes verdes e cones vulcânicos à espreita. Podemos vê-la desde o mar, com destaque para as torres das suas igrejas à aproximação da terra, ou desde cima, de um desses vários montes: do Monte da Espalamanca, do Monte Queimado, do Monte da Guia ou até do Monte Carneiro. Mas, por enquanto, percorramos a sua história e as suas ruas.
O nome “Horta” provirá do apelido do colono flamengo que no século XV primeiro povoou a ilha, Van Huerter (uma surpresa para quem dava por adquirido que haviam sido os portugueses os primeiros a ocupar todas as ilhas do arquipélago). Por curiosidade, diga-se que deste nome derivará o apelido Utra e, depois, Dutra.
A Horta é hoje considerada a mais cosmopolita das cidades açorianas, graças à sua localização geográfica, no grupo central do arquipélago. A sua forte ligação ao mar é real e por isso foi sendo procurada ao longo dos séculos para algumas iniciativas que lhe moldaram a história e o carácter.
Desde logo, os jesuítas escolheram-na como ponto de escala e descanso nas suas viagens transoceânicas. Ainda hoje podemos visitar o antigo colégio jesuíta, edifício longo construído no século XVII, actual Igreja Matriz do Santíssimo Salvador que acolhe também o Museu da Horta e a Câmara Municipal.
No início do século XIX instalou-se na cidade o cônsul americano John Bass Dabney e com ele veio o investimento na construção naval, tendo as gerações seguintes desta família expandido os negócios para o comércio de laranjas e vinho do Pico. A casa de veraneio dos Dabney no Monte da Guia é hoje um espaço museológico que recria a herança desta família em termos culturais, históricos e científicos no contexto da ilha.
No fim do século XIX a Horta assumiu um papel fundamental na história das telecomunicações a nível mundial ao ter sido escolhida para lugar de amarração dos antigos cabos telegráficos submarinos que ligaram a Europa à América. À boleia desta actividade vieram para a cidade diversos técnicos alemães e ingleses que aqui se fixaram.
Em 1919 foi a vez de a Horta entrar para a história da aviação mundial como o primeiro porto de escala aérea na primeira travessia aérea do Atlântico Norte por hidroavião.
E, por fim, a partir das décadas de 50 e 60 do século XX a Horta tem sido um centro de iatismo de recreio que continua a trazer à ilha o tal ambiente cosmopolita. A Marina da Horta foi o primeiro porto de recreio dos Açores e são inúmeros os iates e veleiros aqui aportados. Já se sabe, cada um dos visitantes faz questão de provar a sua travessia mítica do Atlântico Norte deixando uma pintura nos murais do molhe, até porque, crê-se, isso dá sorte aos iatistas.
Em resumo, o ambiente da Horta é hoje um de lazer e de reunião, um lugar para onde vem gente de todo o mundo que espera encontrar outros como eles.
O que talvez muitos estrangeiros não saibam é que foi daqui, da Horta, que saiu o primeiro presidente da república portuguesa: Manuel de Arriaga, aprendemos na escola nós, portugueses, e uma estátua à entrada da Marina assim o assinala.
Da Marina da Horta o cenário para a ilha do Pico é privilegiado, como se a Horta assistisse a um filme digno de Óscar da primeira fila. Ou, como escreveu Nemésio na sua obra maior, “a cidade era um camarote de frente para aquele palco de todo o ano”. Por acaso, a vista do meu alojamento era essa mesmo, a da Marina com o Pico em frente. Adormeci com o Pico coberto, na ilusão de acordar com ele inteiro. Mal suspeitava que apesar de os próximos dias ir andar mais próximo dele só o voltaria a ver desde São Jorge, a outra ilha que compõe o Canal do Triângulo.
O café Peter fica neste pedaço da Marina, provavelmente a maior marca da Horta. Hoje é um quase império que deixou de passar apenas pela fama do seu gin. Tem também o Museu de Scrimshaw, fechado nesta minha passagem pela cidade, mas do qual recordo ainda os seus dentes de baleia esculpidos.
O Forte de Santa Cruz, de frente para a Marina, acolhe hoje uma pousada. O Jardim Infante Dom Henrique está totalmente vedado, em obras, mas reparo ainda assim num seu edifício de gaveto em tom verde clarinho com uma pequena estatueta do Navegador no seu topo.
Seguindo pela Avenida Marginal percebemos que esta porta de entrada da cidade não traz com ela os edifícios mais distintos. As igrejas, por exemplo, ficam todas numa segunda linha. A já referida Igreja Matriz (antigo Colégio dos Jesuítas), a Igreja de Nossa Senhora do Carmo e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário (Misericórdia). Também a Torre do Relógio, parte da antiga matriz entretanto demolida.
A arquitectura da Horta não é feita de palacetes. Tudo é pacato e equilibrado. Destaque, no entanto, para as suas janelas e varandas.
E para o edifício em art deco da sociedade Amor da Pátria, projecto de Norte Júnior, com um possante dragoeiro junto à escadaria da entrada.
O Jardim da Praça da República e o Jardim Florêncio Terra são espaços aprazíveis cujos coretos lhe conferem alegria.
Para aqueles interessados em história e etnografia, a visita à cidade da Horta não fica completa sem uma passagem pelo Museu da Horta. Através de vários núcleos expositivos, ficamos a saber mais sobre a já referida centralidade da cidade no tempo da telegrafia por cabo submarino e das colónias estrangeiras que para aqui trouxeram novas dinâmicas sócio-culturais, bem como sobre o papel do porto da Horta na Primeira Travessia Aérea do Atlântico Norte – este ano comemora-se o centenário desta façanha. Mais ainda, ficamos a conhecer a arte do papel recortado em seda branca e a delicada arte da escultura em miolo de figueira, ambas tradições artesanais locais seculares. Desta última, da colecção de Euclides Rosa, artista maior na escultura em miolo de figueira, vemos miniaturas da Sociedade Amor da Pátria, da Torre de Belém, de uma aldeia açoriana, de cenas da vida rural, todas tão perfeitas, trabalhos de paciência que duraram milhares de horas.
Sigamos agora rumo à segunda baía da Horta, aquela que é protegida pelo Monte Queimado e pelo Monte da Guia. Porto Pim é o nome de origem flamenga da baía, cujo significado é porto seguro. E Porto Pim é um lugar absolutamente pitoresco. Tem uma praia de areia de tons aceitáveis, um mar azulão diante si e uns morros elegantes na sua guarda. Ah, e um casario de postal perfeito ao longo da sua avenida marítima. Alguns dos melhores restaurante da cidade ficam aqui.
Percorrida a sua praia, à chegada ao Monte da Guia vemos o antigo edifício onde em tempos funcionou a Fábrica da Baleia de Porto Pim, a Casa dos Dabney e o Aquário de Porto Pim, todos eles espaços museológicos.
No Monte da Guia foi aberto o primeiro trilho dos Açores que conta com sinalética específica para a prática do trail running. Não o percorri nem subi a pé além do Miradouro da Lira, assim chamado pela sua forma em arco a lembrar esse instrumento musical. Instalado acima da Casa dos Dabney, aqui existiam então terrenos de vinha. Hoje resta o miradouro excepcional e daqui se aprecia grande parte da ilha do Faial (e do Pico), com a baía de Porto Pim e Forte de São Sebastião mesmo defronte.
De carro, então sim, subi mais um pouco até ao Miradouro da Guia, onde fica a Ermida e mais uma vista fabulosa, desta vez para o lado sul do cone vulcânico do Monte da Guia onde este vulcão deixou aberto ao mar uma cratera dupla, mais conhecida pelas Caldeirinhas.
O que fiz questão de subir a pé foi o vizinho Monte Queimado. Sobe-se a bom subir mas as vistas, sempre elas, valem todo o esforço. Vistas sempre diferentes para Porto Pim, de um lado, e para a Marina e restante cidade da Horta, do outro. O Monte Queimado é mais um cone vulcânico, e o curioso é perceber que no século XIX era habitado, possuía plantações de vinha e era aqui que a população vinha buscar lenha. No seu topo, por entre densa vegetação e flores, ainda se veem as ruínas da antiga propriedade da família do Duque de Ávila.
Por fim, para aqueles a quem não chega passear pelo Faial, admirar as suas paisagens, percorrer os seus trilhos, observar a sua flora, resta uma visita ao seu Jardim Botânico. O maior e mais importante dos Açores, aqui se percebe ainda melhor a posição geográfica de extremo isolamento do arquipélago, sujeito a factores de instabilidade como vulcões, tremores de terra e tempestades, que tornou a sua conquista pelas plantas numa aventura magnífica. Uma lição de como chegaram as plantas aos Açores e um passeio por entre exemplares das suas plantas endémicas, as quais representam, nas palavras do Jardim, uma “verdadeira Arca de Noé das plantas” pelo cruzamento de espécies vindas de vários continentes que a sua localização proporcionou. Ou seja, até aqui a faceta cosmopolita da Horta se faz sentir.
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