Para além de ir até ao Vulcão dos Capelinhos, ansiava chegar à Caldeira e poder admirá-la percorrendo o seu topo por inteiro a toda a volta. Nos meus piores sonhos, que antecederam o dia da viagem, o nevoeiro instalava-se e fazia ruir os meus planos de passeio pela Caldeira. Felizmente, não houve qualquer nevoeiro e mesmo se o céu não estava totalmente aberto, o passeio foi soberbo.
A grande piada do Faial e, sei-o agora, a de todas as ilhas do arquipélago dos Açores, está na visita ao centro da ilha. Só aí se percebe a paisagem telúrica superior e a origem da ilha. E a Caldeira é o seu exacto centro, diz-se que tão habilidosa na criação da ilha que a deixou precisamente equidistante a todos os pontos da costa.
O caminho até lá segue pela estrada rural (mas perfeitamente transitável por qualquer veículo), de cor ocre a rasgar o verde dos montes e quase sempre sem perder de vista o azul do mar.
As vacas, símbolo incontornável dos Açores, deixam-se estar por estas paisagens altaneiras privilegiadas. Vemos o inigualável Morro do Castelo Branco lá em baixo e, de repente, felicidade suprema, eis a montanha do Pico descoberta bem à nossa frente. Com o Piquinho à mostra e tudo. E com o cume completamente branco, cheio de neve.
E, novamente de repente, zás, um conjunto de nuvens apodera-se do Pico e logo ele volta ao seu normal, escondendo-se. Que geniosa é esta montanha, a mais alta de Portugal.
Está bom de ver que uma ida até à Caldeira já vale a pena nem que seja pelas paisagens que se nos oferecem no caminho.
Mas a vista para a Caldeira, essa, é arrebatadora. Estacionado o carro, saímos a pé e após um pequeno túnel natural, espécie de tela que cobre o palco para melhor preparar a surpresa, eis a Caldeira vista do seu miradouro. Uma enorme bacia com 2 km de diâmetro e com 400 metros de profundidade abre-se diante nós, poderosa. Esta estrutura geológica é resultado da maior erupção entre todas as que ajudaram a moldar a ilha do Faial. Após a sua fase eruptiva, o cume do vulcão sofreu colapsos e abatimentos nas paredes interiores e nos bordos superiores da cratera e, com isso, deu origem àquele vazio imenso a que chamamos caldeira.
Lá em baixo (as visitas ao interior da Caldeira são possíveis, mas limitadas e apenas com guia), prados numa panóplia de tons verdes, a que se junta um jogo de sombras, preenchem o nosso olhar. Percebem-se ainda claramente pequenos charcos e até um pequeno cone vulcânico de uma erupção ocorrida posteriormente. A Caldeira é o mais importante reservatório biológico da ilha e é nestas alturas que lamento não entender nada de flora para conseguir distinguir os vários tipos de vegetação endémica que aqui marcam presença.
O objectivo era fazer o trilho circular pela cumeeira da Caldeira. Saídos do miradouro e subidas umas escadas, direita ou esquerda, tanto faz, são 8 km que se percorrem em cerca de 2:30. Pela direita, seguimos em direcção à pequena Ermida de São João. O trilho é bem perceptível e não é difícil, se bem que a espaços há partes mais estreitas e com desníveis algo acentuados que requerem a nossa atenção para não cairmos ou escorregarmos. Difícil é tirar os sentidos do interior da Caldeira. Aquele charquinho e aquele vulcãozinho são uma beleza e ouve-se o coaxar de uns bichos lá em baixo (rãs?).
Por alturas do Alto do Cabouco o cume do Pico está agora totalmente coberto, mas pouco depois a costa norte da ilha deixa-se ver inteira e clara, numa bela parceria entre o verde e o azul. Raul Brandão chamou ao Faial “a ilha azul”, mas vista aqui de cima ficamos indecisos sobre qual a cor mais dominante.
Poder-se-á pensar se valerá a pena andar à volta da Caldeira por tantos quilómetros, uma vez que ela está ali, a paisagem é aquela, está vista. Mas não. Circundando-a na totalidade vamos percebendo aqui e ali pormenores que de outra forma escapariam. Metade do trilho percorrido, as suas paredes apresentam entretanto umas ravinas rugosas, como se tivessem sido alvo de uns cortes profundos. Descobrem-se outros charcos, outros verdes, outros montes, outras formas.
E, para lá da Caldeira, conseguimos ver bem alinhados diversos cones vulcânicos que se estendem até à costa oeste, onde mora o de Capelinhos.
Já quase no final do trilho, passamos pouco abaixo do Cabeço Gordo, o ponto mais alto da ilha do Faial, a 1043 metros. Grande parte destes pontos até podem ser acedidos por carro, mas a piada de caminhar sempre em contacto com a Caldeira, como se ela estivesse ali só para nosso desfrute, perder-se-á.
Vista a Caldeira, o centro da ilha ali continua para ser explorado. Da Caldeira até ao vulcão dos Capelinhos, o mais recente elemento na paisagem faialense, são mais de 20 os cones vulcânicos, ou cabeços, resultado das várias erupções vulcânicas, os tais que se conseguem ver bem alinhados do alto da Caldeira. Há percursos pedestres bem marcados – só elogios para a sua definição e manutenção – como o “Capelo Capelinhos” (5 km) e o “Dez Vulcões” (20 kms). Mas na falta de tempo para os fazer na totalidade, é possível ir seguindo de carro e ir parando para visitar alguns dos lugares mais emblemáticos e ir percorrendo apenas parte destes trilhos.
Por exemplo, o Cabeço Verde, aquele que está tomado de antenas, a 488 metros de altitude, é acessível de carro. Saímos e caminhamos pelo seu intenso verde. A linda urze arbórea já não escapa à minha identificação. Na descida paramos novamente o carro à beira da estrada e espreitamos a Furna Ruim, um algar vulcânico com 55 metros de profundidade. A janela miradouro, escura e tomada pela vegetação, não permite perceber bem toda a dimensão desta cavidade natural, mas chega para impressionar.
Mais uns poucos quilómetros adiante e nova paragem do carro à beira da estrada e uma breve, cerca de 600 metros, mas íngreme e intensa subida por entre um bosque deixa-nos no Cabeço do Canto.
Esta é mais uma cratera com vista para outras crateras, como a do Caldeirão, abaixo do Cabeço Verde, rodeada de um coberto vegetal esfuziante de urze. Natureza e beleza pura. Daqui do Cabeço do Canto tem-se mais uma panorâmica fantástica para o vulcão dos Capelinhos que nem a luz contra do sol perturba.
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